O ecossistema de inovação brasileiro é mais complexo do que se imagina. Esse mercado inclui desde uma diversidade de iniciativas autônomas até os investimentos de grandes empresas, passando por universidades, startups, projetos públicos, aceleradoras e incubadoras, em várias cadeias produtivas. Ainda há espaço para maior desenvolvimento, mas o Brasil já está entre as 50 economias mais inovadoras do mundo, segundo o Global Innovation Index 2023. Em termos de startups, o País é líder na América Latina, com cerca de 19 mil empresas do gênero – metade de toda a região.
Tecnologia e criatividade têm desempenhado um importante papel no desenvolvimento do setor. Principalmente entre grandes grupos e multinacionais, que veem oportunidade para se destacar em um mercado competitivo quando desenvolvem produtos ou estratégias inovadoras de marketing e comunicação. Não só para incrementar os negócios, mas também para gerar conversas, engajar consumidores, promover conteúdos e campanhas por meio de novos olhares que promovam o talento brasileiro e façam girar a economia. Essa sinergia fortalece a marca, impulsiona o crescimento e cria um círculo positivo entre indústria, fornecedores, profissionais e consumidores, que passam a enxergar mais facilmente a proposta de valor oferecida pelas empresas.
Com esse foco, perguntamos a algumas marcas, em diversos setores, como funcionam seus hubs de inovação no Brasil. Confira a seguir seis dos principais projetos e oportunidades que operam hoje no País:
Bradesco
O Inovabra é um ecossistema de inovação que conecta startups, bigtechs, universidades, corporações, clientes e o Bradesco, criando um ambiente colaborativo para desenvolvimento de soluções que impulsionam a inovação dentro e fora do setor financeiro. O hub possui três frentes principais: acelerar funcionalidades, fomentar novos produtos e explorar tecnologias emergentes. O setor trabalha em sinergia com as áreas de negócio e TI do banco, priorizando iniciativas que assegurem a competitividade de longo prazo.
O setor oferece um espaço físico e digital de inovação colaborativa, facilitando a aproximação de grandes empresas com startups. Hoje, o Inovabra conta com mais de 200 startups residentes e outras 1.500 conectadas por meio de hubs parceiros. Conta ainda com um fundo de capital proprietário que investe em startups e empresas de alto crescimento.
Dentro do ecossistema, desenvolveram-se startups como a Agrotools, que facilita a customização de produtos e a concessão de financiamentos entre vendedores na plataforma digital E-agro, também desenvolvida no Inovabra. Na área de ativos digitais, o hub realizou testes na primeira fase do piloto da moeda digital brasileira, o Drex, incluindo versões tokenizadas de reservas bancárias, depósitos à vista e títulos públicos, além de testes de privacidade propostos pelo Banco Central.
O Inovabra se utiliza de IA generativa para analisar as atas do Comitê de Política Monetária (Copom) e do Federal Open Market Committee (FOMC), com vários cases reais, incluindo a otimização de código e suporte a gerentes de agência. Na computação quântica, a instituição financeira tem parceria com a IBM e com o Laboratório de Redes de computadores da USP (Larc) para explorar e ensinar a tecnologia, com experimentos em otimização de portfólios e análise de riscos. Além disso, a assistente virtual Bradesco Inteligência Artificial (BIA) foi idealizada com apoio do hub.
“É um ecossistema completo que foi criado para incentivar a geração de negócios, estimular a cultura de inovação e acelerar as jornadas de transformação digital”, comenta Renata Petrovic, head de inovação do Bradesco. “Dessa forma, o Inovabra é hoje responsável por trazer inteligência e oportunidades de inovação do mercado que possam acelerar ou complementar o portfólio de soluções do Bradesco. Contribui também na transformação cultural dos funcionários que têm interação constante com o empreendedorismo por meio de eventos, treinamentos, atividades de coinovação, entre outras”, complementa Petrovic.
Para integrar a comunidade inovabra, as startups precisam estar em estágio de tração, apresentando projetos, soluções ou produtos baseados em um ou mais dos seguintes eixos tecnológicos: algoritmos e big data, blockchain, computação imersiva, ESG, inteligência artificial, IoT, open API, plataformas digitais e open data. É importante que a empresa tenha receita recorrente e foco em soluções B2B.
Braskem
O Cazoolo, criado pela Braskem, é um laboratório de design de embalagens circulares que visa promover a inteligência coletiva para o desenvolvimento sustentável. Com uma infraestrutura completa, incluindo uma oficina de prototipagem, o Cazoolo funciona como um hub de inovação colaborativa. Seu foco é desenvolver embalagens de design prático e atraente, que reduzam o impacto ambiental por meio de reciclabilidade, otimização de sistemas, como reutilização e refil, pensadas para uma jornada circular do consumidor. Inaugurado em agosto de 2022, o hub se dedica a uma diversidade de parceiros, entre startups, universidades, designers, fornecedores e clientes.
Marcas como Vigor, Danone, Mars, Grendene, iFood, L’Oréal, Colgate-Palmolive, O Boticário e BASF já participaram de processos junto ao Cazoolo. Também colaborou com startups como NutriGarden, Crilancha, Sallve e Niul. Um desenvolvimento do hub conquistou o prêmio Grandes Cases de Embalagem pelo trabalho com o arroz Ritto da marca Mãe Terra, graças ao pacote 100% em polietileno, sem laminação e que traz características sustentáveis prevendo ciclos sustentáveis. Também conquistou o Design for a Better World, nas categorias de design e branding; fez parte do top 20 do MIT Technology Review 2023 em Inovação; e foi reconhecido pela Innovation by Design Awards 2023, premiação anual promovida pela Fast Company.
Dentro da Braskem, o Cazoolo é integrado às áreas de negócios de embalagens e bens de consumo. Segundo a empresa, o lab também se insere num modelo de governança que promove participação e sinergia com áreas de economia circular, desenvolvimento sustentável, open innovation e com a Oxygea, veículo de Corporate Venture Capital e Venture Builder da Braskem.
“O setor de embalagens é fundamental para a Braskem e vem passando por um intenso processo de transformação puxado pela agenda ESG e pela demanda por maior circularidade. O Cazoolo tangibiliza a estratégia da Braskem de atuar em colaboração com toda a cadeia, acelerando a criação e adoção de soluções circulares de embalagens plásticas”, explica Yuri Tomina, líder do hub. “Trata-se de uma ferramenta importante na criação de um ciclo virtuoso que engloba tecnologia, design, produção, consumo e pós-consumo. O foco do Cazoolo está na excelência da qualidade, no desempenho otimizado e na consideração dos aspectos de sustentabilidade em todas as etapas do desenvolvimento das embalagens, promovendo agilidade e redução de risco no processo de inovação”
O hub aceita inscrições de cases de soluções de embalagens sustentáveis, sejam empresas de bens consumo, startups, universidades, estúdios ou até mesmo designers independentes. O evio pode ser realizado pelo site do Cazoolo e interessados também podem assinar uma newsletter que atualiza periodicamente sobre eventos e outras oportunidades.
Natura
O propósito do Ecoparque Natura, localizado em Benevides (PA), é conectar a empresa e a sociobiodiversidade amazônica. Inaugurado em 2014, é um centro de bioinovação, pesquisa e desenvolvimento, promovendo práticas industriais sustentáveis e o desenvolvimento de novos produtos. Segundo a Natura, o Ecoparque abriga aproximadamente 600 colaboradores, todos do Pará, incluindo a alta liderança, e movimentou R$ 1,2 bilhão na região, na última década. Hoje, o complexo conta com mais de uma centena de equipamentos de pesquisa, desenvolvendo nove projetos de novos bioingredientes e três de novas tecnologias.
Os resultados não se expressam somente em produtos como sabonetes e cremes, mas também em sistemas de cultivo e extração, como o SAF Dendê. O modelo agroflorestal transformou — junto à Cooperativa Agrícola Mista de Tomé-Açu (Camta), Embrapa e Finep — uma terra degrada numa área que produz dendê, açaí, andiroba, cacau e maracujá, entre outros, proporcionando crescimento de produção e renda para a população local de modo ecológico e sustentável. Além de impactar uma cadeia ampla de famílias, fornecedores e parceiros, o Ecoparque mantém equipes que monitoram constantemente a vida aquática e terrestre de seu entorno, garantindo o ciclo natural de quase 500 espécies.
“Muito mais que uma fábrica, o Ecoparque é um hub de inovação, pesquisa e desenvolvimento, que une ciência e tecnologia ao conhecimento tradicional das populações amazônicas, sintetizando o nosso principal propósito como empresa, que é transformar desafios socioambientais em oportunidades de negócios”, afirma Rômulo Zamberlan, head de pesquisa avançada da empresa.
A Natura também criou em 2020 um Centro de Inovação em Cajamar (SP), dedicado a expandir seus esforços em pesquisa e desenvolvimento de ingredientes naturais baseados na biodiversidade brasileira. Mais de 70% desses projetos são realizados em colaboração com universidades, startups e outras grandes empresas.
A empresa aponta que linhas de produtos importantes foram criados a partir da cooperação destes centros. Um deles é o Natura Ekos Concentrado de Castanha, cujo frasco é feito com plástico retirado dos rios da Amazônia. Além de reutilizável, tem menor concentração no uso de materiais na comparação a um refil convencional, diminuindo em 55% a geração de resíduos e agregando dez cooperativas de reciclagem na sua cadeia produtiva. Outra inovação recente e comprovada clinicamente pelo Instituto do Sono de São Paulo é a linha Tododia Todanoite, um complemento à rotina noturna de autocuidado. Por meio de um QR Code nas embalagens, a empresa disponibiliza um guia de utilização que melhora a qualidade do sono. “Conseguimos conectar nossos desafios de negócios a soluções e tecnologias inovadoras, amplificando e aprimorando a performance de nossos produtos e serviços, além de potencializarmos o ecossistema de inovação brasileiro, impulsionando a disseminação de conhecimento e o desenvolvimento da ciência no país de forma colaborativa e compartilhada”, explica Zamberlan.
Nestlé
Lançado em julho de 2021, o Panela Nestlé é uma plataforma de inovação aberta que conecta a empresa com startups, universidades, centros de pesquisa e parceiros empresariais. Seu objetivo é cocriar um sistema alimentar regenerativo para o futuro, abordando desafios em todas as áreas da companhia. Desde sua criação, o Panela já avaliou mais de 500 projetos e desenvolveu cerca de 30, com uma taxa de conversão de aproximadamente 40%.
Hoje, um de seus desafios estratégicos é o crescimento alinhado a ESG. Entre os projetos pilotos atuais, estão a entrega de displays físicos já abastecidos nos pontos de venda e a mensuração do relacionamento e fidelização de microempreendedores do ramo culinário nas plataformas digitais da Nestlé. Essas iniciativas são desenvolvidas junto a startups, envolvem remuneração.
Segundo Priscila Freitas, head de inovação da Nestlé Brasil, “o Panela Nestlé é uma ferramenta de transformação, fomentando a cultura de inovação que move resultados”. Ela destaca a importância da base colaborativa do hub e do foco em impacto positivo para clientes, parceiros e comunidades.
Entre os cases de sucesso do Panela, está a parceria com a Food to Save, que recupera alimentos que seriam descartados e colaborou na conversão de mais 5 mil vendas num trimestre em que, normalmente, tais produtos não seriam aproveitados. Junto à startup Luxxor, o hub desenvolveu máquinas Nescafé Professional adaptadas para pessoas com deficiência visual, oferecendo maior acessibilidade e conforto.
A Nestlé conta ainda com o Centro de Inovação e Tecnologia (CIT) em São José dos Campos (SP), dedicado a projetos de fábricas conectadas, explorando, desenvolvendo e testando ferramentas que acelerem a evolução tecnológica do parque fabril da empresa.
PepsiCo
A multinacional de alimentos e bebidas lançou recentemente o PepsiCo Labs no Brasil, sede regional de um projeto global de inovação. Internacionalmente, o Labs já implementou mais de 100 projetos piloto em 70 países. O hub visa enfrentar desafios em marketing, varejo, indústria 4.0, supply chain, serviços corporativos e dados por meio de parcerias estratégicas.
Os três primeiros desafios do PepsiCo Labs no Brasil estão na transformação digital de processos agrícolas, com o objetivo de reduzir perdas e aumentar a sustentabilidade. Foram selecionadas startups como Spectral Solutions, E-aware e Checklist Fácil, que passarão por um processo de imersão de seis meses para desenvolver e implementar suas soluções.
“O Brasil foi escolhido para sediar o PepsiCo Labs na América Latina devido ao seu forte e maduro ecossistema de inovação, sua economia pujante, escala continental, abundância de talentos e, claro, por ser um mercado estratégico para a empresa, estando entre os 10 maiores da PepsiCo no mundo”, diz Carolina Sevciuc, diretora sênior de estratégia e transformação da PepsiCo no Brasil. Há a perspectiva que, a partir daqui, o projeto escale nos próximos anos para mercados como Argentina, Chile, Colômbia e México.
“A chegada do hub vai impulsionar o empreendedorismo brasileiro e acelerar ainda mais a inovação no país, com soluções que endereçam não só os desafios da empresa, mas que são comuns à indústria”, complementa Sevciuc. A executiva explica que o grupo está comprometido em fomentar oportunidades futuras, sendo inovação aberta um caminho essencial para melhorar toda a cadeia produtiva, desde o relacionamento com produtores até a destinação correta das embalagens. Estas premissas estão alinhadas à agenda global de sustentabilidade da empresa, chamada de PepsiCo Positive (pep+).
Porto
A Oxigênio Aceleradora, da seguradora Porto, conecta-se ao ecossistema de startups, impulsionando a inovação desde 2015. O programa oferece suporte por meio de mentoria especializada, acesso a uma ampla rede de contatos e oportunidades de investimento, sempre com uma abordagem equity free — quando os acelerados não precisam oferecer participação societária ao investidor.
Seu objetivo é ser um catalisador de inovação, integrando soluções ao portfólio de serviços da Porto e transformando ideias em negócios viáveis que possam agregar valor à empresa e ao mercado. A Oxigênio é voltada para startups em fase de tração, preferencialmente com tecnologias inovadoras aplicáveis nos setores de seguros, saúde, finanças, tecnologia e serviços.
Desde sua criação, a Oxigênio já apresentou mais de 210 startups, acelerou 104 e criou mais de 120 projetos. A área tem impulsionado inovações significativas, como ferramentas de inteligência artificial, plataformas de telemedicina e soluções de análise de dados. Esses casos não apenas modernizaram os serviços da Porto, mas também contribuíram para o avanço do setor. “O hub tem sido essencial para a nossa evolução. A Oxigênio é o centro dessa transformação e é o espaço onde convergimos novas ideias e tecnologias, explorando juntos as oportunidades que o futuro nos reserva”, afirma Maurício Martinez, gerente de pesquisa e desenvolvimento da Oxigênio. Ele destaca como processos de inovação aberta e as ações internas transformaram tanto os processos da própria Porto como o mercado, abrindo novas oportunidades de negócios.
A Oxigênio se integra a diversas áreas da empresa, como tecnologia, operações, marketing, saúde e seguros. Esse engajamento gera soluções customizadas, em alinhamento estratégico com as lideranças da Porto para garantir que as inovações sejam aplicadas de forma eficiente e tragam benefícios reais para a empresa.
Além do programa de aceleração, a Oxigênio incentiva o intraempreendedorismo na Porto, promovendo atividades que permitem aos colaboradores desenvolverem e implementarem as próprias ideias. Entre os modelos utilizados estão os hackathons, que estimulam a criatividade e inovação por meio de desafios específicos.