Com o avanço do mercado de creators economy (sigla em inglês, para mercado de criadores de conteúdo) e as projeções de faturamento na casa dos US$ 500 bilhões, conforme o banco americano Goldman Sachs, anunciantes, agências de publicidade e entidades de autorregulação do País se mobilizam para discutir como aprimorar a ferramenta do marketing de influência, com debates que passam por regras, limites éticos e boas práticas para o segmento.
Recentemente, essas discussões sobre as regras para o mercado de influência ganharam espaço no debate público, em especial nas redes sociais, com o aumento de casos de influenciadores digitais que realizam os famosos “publi-post” para casas de apostas e outras plataformas de jogos de azar online, como o jogo do tigrinho, segmento ainda sem regulamentação no País.
Para debater os limites e aprimoramento dos instrumentos normativos que regem o setor, algumas entidades criam grupos de estudo, encontros com membros do setor e outras atividades de debate. A exemplo, a Associação Brasileira de Agências de Publicidade (Abap) iniciou um projeto multidisciplinar com publicitários, criadores de conteúdo e integrantes de outras entidades de classe que atuam no setor para debater o tema.
A presidente da Abap e CEO da Lew’Lara\TBWA, Marcia Esteves, conta que que a entidade criou um grupo multidisciplinar para discutir especialmente sobre o marketing de influência e como essa ferramenta pode ser aprimorada na relação entre agências e anunciantes, com a participação de interlocutores de diversas áreas da comunicação.
A executiva justifica que muitas das reclamações dos consumidores, atualmente, vem de campanhas publicitárias associadas aos criadores de conteúdo, o que torna essa discussão cada vez mais urgente para o mercado. “Estamos fazendo uma lista de vocabulários sobre esse mercado, com conceitos básicos para balizar a informação no setor. Nós como Abap, também fizemos um documento e convidamos as agências de influenciadores para fazer parte dos trabalhos da associação”, conta.
Marcia também destaca que como parte de um processo contínuo de aprimoramento do mercado de criação de conteúdo, a associação deve manter os trabalhos em parceria com outras entidades de autorregulação do mercado publicitário, a exemplo do Cenp-Meios e Conar. Outro movimento importante da Abap, segundo a presidente, é a expectativa da criação de um evento anual que envolve todo o mercado para balizar os caminhos da creators economy no Brasil. “Vamos trabalhar ética com o Conar, toda a parte com o Cenp, mas passam por vários pilares, como qualificar a indústria, qualificar os influenciadores, as agências, discutir mensuração, e outros pontos importantes”, adianta.
O presidente do Fórum de Autorregulação do Mercado Publicitário e “chairman” da Lew’Lara\TBWA, Luiz Lara, vê a profissionalização do marketing de influência como urgente para o amadurecimento dessa ferramenta que já é tão relevante na estratégia de negócio de diversas marcas. “Hoje a presença desses influenciadores nas estratégias de comunicação é fundamental. Por isso temos que dar nossa contribuição para aperfeiçoar a ética nas relações comerciais, na capacitação e credibilidade desses criadores de conteúdo”, afirma Lara, que acrescenta: “O caminho é o de estabelecer critérios e parâmetros mais objetivos para auxiliar o mercado a fazer melhores escolhas. Eu acredito que esse caminho seja mais viável.”
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Conexão baixa
Ainda que o mercado de influência tenha ganhado espaço nos investimentos publicitários das marcas, o retorno para os anunciantes parece não ter escalonado a patamares expressivos, como aponta uma pesquisa realizada pela Troiano Branding, que mostra que apenas 11% do público conecta celebridades às marcas que elas representam.
Na avaliação do presidente da Troiano Branding, Jaime Troiano, uma explicação possível para esse número visto como baixo pode estar atrelado ao excesso de criadores de conteúdo e celebridades escalados por marcas para representá-los na conexão com os clientes.
Isso, porque para o especialista, diferentemente do que se preconizava no passado, quando muitas marcas preferiam trabalhar com celebridades em contratos de exclusividade, atualmente, maior parte das companhias realiza ativações com diversos nomes, que também podem se associar a outros negócios, diluindo a conexão da sua imagem a de uma marca só. “Eu acredito que passamos um pouco do limite razoável, parece que as marcas estão cedendo a sua imagem para a gestão de terceiros”, afirma. “O influenciador que trabalha com duas, quatro, ou cinco marcas, ele não consegue ter o mesmo papel de eficácia para todas os negócios.”
Segundo Troiano, apesar dos investimentos em criadores de conteúdos parecerem mais baratos e atrativos em um primeiro momento, no longo prazo, esse tipo de aporte sem foco ou retorno pode custar para o principal ativo dos negócios, que é justamente a força das marcas. “Não há uma preocupação de longo prazo, acho que é uma preocupação imediatista de gerar caixa sem pensar no risco por trás do ativo das marcas”, analisa o executivo.
Questão global
Apesar das dificuldades para reger o mercado de influência no País, outros mercados globais também não atingiram níveis maiores de maturidade quando o assunto é influência, como avalia a professora de marketing digital da FGV, Lilian Carvalho.
Para a especialista, as dificuldades de uma possível fiscalização dentro de um país de dimensões continentais atrapalham ainda mais a ideia de criar uma lista de regras para o segmento. “Eu acho muito difícil qualquer órgão conseguir fiscalizar os problemas do marketing de influência, ainda mais em relação aos pequenos criadores de conteúdo. Como as entidades vão fiscalizar milhões de postagens por dia? Seria impossível”, diz.
Lilian acredita que a melhor forma de se combater os casos de mau uso da relação de influência pelas marcas é através do letramento da população e também dos anunciantes, mas o que poderia levar anos para ter alguma efetividade no País.
Para a professora da FGV, atualmente, poucos países têm normas e legislações que sejam efetivas, sem cercear ou abrir demais espaço para a má conduta dos anunciantes. Lilian lembra que na Europa a Regulação Geral sobre a Proteção de Dados (GDPR, na sigla em inglês) atua como uma versão da união europeia para a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) no Brasil, mas que o instrumento normativo recebe crítica de alguns setores da sociedade por ser hiper restritivo, ter pouca efetividade no combate aos desrespeitos ao direito do consumidor em relação à propaganda e também barrar o crescimento econômico na região.
A especialista pondera que o combate aos abusos econômicos praticados por anunciantes não devem ser atacados pelas entidades de classe e órgãos públicos como algo pontual, mas conjectural, que depende do letramento de marcas e influenciadores para as boas práticas, caso contrário, será uma batalha sem fim. “É como na Hidra de Lerna, o mito grego do monstro de três cabeças que quando se cortava uma das cabeças nascia outra no lugar. É o mesmo caso dos problemas envolvendo o mercado de influenciadores, cada hora nasce outro problema”, afirma. “As proibições por si só não geram muitos benefícios para a sociedade”, acrescenta.
Regras para seguir
Apesar dos problemas ligados à publicidade envolvendo os influenciadores digitais levantarem as discussões sobre quais os limites e as regras que regem o segmento, a CEO do IAB Brasil, Cristiane Camargo, lembra independentemente de se tratar de novas plataformas, como as redes sociais, as normativas e instruções de boas práticas que regem o mercado tradicional de publicidade também se aplicam aos criadores de conteúdo, que precisam se atender a esses limites. “Existe um certo desentendimento geral de que não existe regra nenhuma”, pondera.
Assim como a professora de marketing da FGV, a executiva do IAB Brasil acredita que o caminho para profissionalização do mercado de influenciadores digitais no País se dará através do letramento, dos criadores e também das marcas. “Os novos influenciadores não entendem as regras do mercado. Nós vamos ter que entender qual o canal para chegar nessas pessoas e fazer a educação desses criadores que estão empreendendo”, afirma.
Cristiane vê nesse processo de educação do segmento um gargalo que pode atrapalhar o crescimento do setor. Ela pontua que a falta de profissionalização pode atrapalhar as projeções de crescimento para a creators economy, hoje vista como um potência em construção. “Nosso trabalho é tentar ajudar o setor para que haja um trabalho com excelência e com menos fricção e problemas”, diz.