Após uma semana de intensos debates no universo do marketing e do consumo de luxo, a Jaguar finalmente revelou o que estava por trás de seu rebranding. Durante um evento na Miami Art Week, a marca apresentou o conceito do Type 00 e antecipou o que vai inspirar sua próxima geração de automóveis, que será apresentada no final do próximo ano, mas vendida apenas em 2026. Sob o olhar atento do público local e com milhares de curiosos assistindo pela transmissão ao vivo na internet, Gerry McGovern, chief creative officer da Jaguar Land Rover, apresentou as curvas sinuosas e futuristas do novo modelo - um cupê - acompanhadas de algumas frases que tentavam traduzir o espírito da nova proposta: “exuberante”, “vívido”, “copy nothing” foram as expressões utilizadas pela Jaguar para descrever o que estavam apresentando à audiência.
A provocação e o resultado afinal se conectaram? Em parte, sim, acredita Guta Tolmasquim. A CEO da Purple Metrics, plataforma de soluções que mede impacto de marca por meio de ciência de dados, acredita que a Jaguar realmente se posicionou de forma a atingir um público que está além do comprador tradicional de seus modelos — algo que a própria fabricante havia desejado quando anunciou o encerramento de todas as suas linhas atuais para iniciar um novo capítulo de carros elétricos altamente luxuosos — e ainda mais caros que os lançados até então. “A escolha por lançar na feira de arte de Miami é simbólica para associar a marca à arte”, diz Tolmasquim. “No único recorte da apresentação que foi publicado no feed do Instagram, eles falam das proporções exuberantes, das linhas horizontais, de reimaginar criativamente o carro e das cores associadas a Londres e a Miami. Não destacaram o motor, performance, tecnologia ou mesmo autonomia do carro”, destaca.
Se o objetivo central fosse apresentar as características técnicas da nova linha, o veículo talvez tivesse sido revelado em salão de automóvel, como geralmente ocorre, e não num evento de arte. Essa escolha em trabalhar a marca em detrimento dos aspectos de produto deixou o próprio trade de marketing ressabiado. “Quando a Audi fez uma revisão de marca, (ela) foi acompanhada de revisão de engenharia e produto”, relembra Jaime Troiano, fundador e presidente do conselho da Troiano Branding. “Volvo, Mercedes, Maserati... nenhuma fez algo semelhante em colocar o rebranding adiante, mas todas fizeram um desenvolvimento de engenharia muito profundo, e por isso fez sentido.”
Para o executivo, boa parte do estranhamento vem de uma exposição técnica fraca em comparação ao aspiracional. Troiano cita a modernidade líquida de Zygmunt Bauman: “Na nossa sociedade contemporânea nada é feito para durar e, hoje, os profissionais de mercado, de relação com o consumidor, tentam acompanhar esse ritmo frenético da água, da vida, do mercado.”
Buzz sobre buzz
O buzz foi imenso e, dentro desse ruído generalizado, o maior barulho foi justamente sobre as escolhas feitas pela Jaguar nesse momento de mudança de marca. As especulações sobre a estratégia de comunicação inundaram feeds e comentários mundo afora. “Qualquer cidadão com um mínimo interesse naquele tema se sentiu motivado a comentar a campanha e especialmente se eles erraram ou acertaram”, diz Patrícia Rodrigues, fundadora da Mais que Isso, agência que oferece consultoria em branding pela porta do relacionamento. Ela destaca como a tática da Jaguar chamou a atenção ao mostrar como as marcas brincam com essa nova realidade de que hoje todos na internet se consideram especialistas e, nesse sentido, um projeto all-in no marketing é um risco, ainda que cause reverberação.
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“O lugar confortável de uma marca é quando ela está performando bem — e não vinha sendo esse o caso da Jaguar”, acrescenta Rodrigues. “Imagino que um diretor de negócios tenha feito essa provocação — de que (a marca) não trazia resultado e precisava de uma coisa nova. É, de toda forma, corajoso. Mas também é muito curioso acharmos que temos informações suficientes agora para dizer se deu certo. Quem vai dizer isso são os números e o tempo”, completa.
Troiano concorda que foi uma resposta extrema para uma perda de mercado. “Como posso estar up-to-date com as novas tendências automotivas se eu fiquei para trás?”, provoca o executivo. “A solução para esse descompasso foi dar uma chacoalhada na comunicação, mas acho que foi exagerada”, opina. Para ele, a aplicação da tática “falem mal, mas falem de mim” representa um enorme risco em branding.
Uma narrativa de redenção poderia ser a grande virada da Jaguar, segundo Rodrigues: “Uma coisa que o mercado adora é a humildade, fazer uma escuta ativa dos consumidores, dos clientes novos e dos tradicionais. Isso, embalado bem, colocaria a empresa num caminho intermediário entre a inovação extrema e aquilo que o público regular gostaria, reposicionando-a no mercado”. A questão é empreender um esforço de business intelligence que respeite o público tradicional enquanto busca novos prospects.
Mas não pareceu ser o caso. Para Tolmasquim, a apresentação em Miami “confirmou a pivotada do público antigo do Jaguar. Eles nitidamente não estão posicionados para o comprador tradicional de carros de luxo”, afirma. Se o carro vai entregar de fato todo o diferencial apresentado no reposicionamento, é uma incógnita. Mas foi uma estratégia que, sem dúvidas, impactou o mercado. “É difícil fazer com que conversas desqualificadas sobre se traduzam em resultado, logo é ideal eles aproveitarem o barulho para que as pessoas aprendam algo sobre o posicionamento da marca e entendam a nova proposta da Jaguar”, conclui a executiva da Purple Metrics.