A Coletiv anunciou na semana passada a primeira conta de um grande anunciante multinacional: a Deezer – uma conquista relevante para uma cooperativa do setor de comunicação, a primeira que se tem notícia no Brasil. Para conseguir entregas mais customizadas, a plataforma de streaming confiou na proposta da agência que ganhou a concorrência. “É um modelo no qual é possível fazer diferentes tipos de jobs em várias áreas da comunicação”, explica Yuri Valdevite, brand marketing lead de Brasil e Latam da Deezer. “Com eles posso centralizar as demandas em um parceiro único com a certeza de que a entrega vai ser de qualidade, não ficando preso necessariamente por determinado período de contrato mais tradicional.”
Além da flexibilidade, a Coletiv ressalta que oferece outros diferenciais ao mercado, como diversidade de capacidades, capilaridade regional, menor tributação e transparência na alocação de recursos. Mas é provável que, em tempos de ESG, clientes também se decidam pela empresa por algo menos tangível dentre aquilo que oferece: maior horizontalidade nas decisões, remuneração sem descontos, lucros compartilhados e outros benefícios que prometem remunerar de forma mais justa os trabalhadores da área da comunicação e marketing.
“As cooperativas são um modelo que agrega valor tanto para os profissionais cooperados quanto para os clientes”, diz Letícia Meira, uma das fundadoras da Coletiv ao lado de Beto Rogoski. “Temos certeza absoluta que há um espaço a ser ocupado no mercado”, complementa.
Ambos vêm de sólida experiência no mercado “tradicional” de publicidade. Meira esteve em posições de liderança em agências como Grey, Lew’Lara\TBWA, VLMY&R e Leo Burnett, onde foi vice-presidente executiva de negócios e operações. Já Rogoski e as equipes criativas que dirigiu levaram diversos Leões de Cannes, Lápis do AD&D e Musas do Clio que hoje repousam nas estantes de agências como Africa, VMLY&R, Talent Marcel e JWT. Eles se uniram em busca de respostas para tensões do mercado como a redução de custos e a pejotização excessiva, que afetam a qualidade dos serviços, apontam. “Vislumbramos um formato diferente de prestação de serviços com uma entrega de qualidade distinta das agências. Todo o trabalho é otimizado de acordo com as necessidades do projeto”, afirma Rogoski.
Cintia Valente, sócia e CMO da Noah Tech, empresa de construção civil focada em processos sustentáveis, afirma que chamou a atenção o compromisso da cooperativa com impacto positivo. “Foi fundamental a disposição da Coletiv em moldar seu modelo de trabalho a partir das contribuições daqueles que enfrentam desafios semelhantes: a busca por inovação, a responsabilidade de entregar algo transformador e o compromisso com um futuro mais equilibrado”, destaca Valente.
Outro cliente, a Gupy, empresa de soluções para recursos humanos, também destaca a abordagem colaborativa e humana como um dos fatores que motivou a parceria. “O modelo de cooperativa vai além de uma prestação de serviço, pois envolve uma relação de parceria e construção conjunta, pontos fundamentais para um ambiente de negócios próspero e humano”, afirma Vivian Jung, head de branding da Gupy. Jung conta que o tema da primeira campanha desenvolvida junto à Coletiv reflete esse objetivo em comum: “Vamos contar histórias de impacto positivo e destacar exemplos de empresas e pessoas que, juntas, constroem um mercado mais justo e promissor para todos”.
Rogoski acrescenta que um projeto desenvolvido de forma mais colaborativa ajuda a tornar o investimento do cliente mais eficiente. “Nossa tese é que, quanto maior a parcela do dinheiro investido pelo cliente que fica nas mãos dos profissionais responsáveis pelos trabalhos, melhor será a qualidade e os resultados obtidos”, resume.
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Colaboração e aprendizado
Apesar de recente, a Coletiv já tem mais de dez clientes e 200 cooperados conectados em sua plataforma digital, trabalhando a partir de cidades em São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco, Sergipe, Curitiba, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Por meio dessa rede, a cooperativa oferece desde executivos C-level as a service até a criação e execução de campanhas, incluindo mídia, BI, conteúdo, identidade visual, PDV e live marketing. “Tem sido uma troca interessantíssima, conversas em alto nível, desafios diversos, mas de forma leve, pela forma como eles conduzem as demandas”, diz Adriana Scalabrin, sócia-diretora da Regar Negócios, cooperada em duas frentes: como executiva sob demanda e como empresa-parceira. “Sinto que ao mesmo tempo que aporto, aprendo muito”, complementa.
O modelo promete oferecer vantagens para todas as pontas – quem se torna sócio do sistema tem direito a divisão dos resultados proporcional à sua participação nos projetos. E as decisões de negócio são democráticas, todos tendo direito a voto nas assembleias. Além disso, a Coletiv provê recursos de capacitação e outros benefícios, como planos de saúde, odontológico e de previdência. Dentro da própria rede, o cooperado ainda tem acesso a uma diversidade de expertises para colaborar em diferentes táticas ou estratégias de comunicação, já que podem cooperar na rede pessoas de áreas diversas, como criação, redação, atendimento, mídia, planejamento, design, edição, produção, relações públicas, criação de conteúdo etc. Qualquer profissional ou empresa pode se tornar sócio, desde que atenda às demandas de conformidade da Coletiv.
Everton Maciel, consultor de mídia sênior e cooperado, destaca que tem mais prazer em trabalhar num ambiente horizontal. “Estão todos no mesmo mood querendo entregar o melhor, as trocas são construtivas e fomenta aquela sensação gostosa de ‘eu posso fazer mais, eles acreditam em mim’ que, para ser sincero, tem se perdido nos modelos de trabalho focados em volume, produção”, diz.
“O mercado criativo precisa de espaços que desafiem o modelo tradicional”, diz André Barreiros, também cooperado como criativo e redator. “Essa é uma oportunidade de mostrar que é possível entregar trabalho de altíssimo nível sem sacrificar a saúde mental e o prazer de criar.” O trabalho cooperado também funciona como prospect para projetos paralelos dos sócios, como explica Pedro Denucci, fundador da Donnos e cooperado: “A Coletiv se torna um excelente canal de captação de novos clientes, o que nos oferece uma amplitude de oportunidades que não teríamos ao captar diretamente no mercado.”
Valores em ação
Do ponto de vista jurídico tributário, cooperativas funcionam como uma sociedade simples de natureza contratual, sem fins lucrativos. Assim, não pagam imposto sobre serviços prestados entre cooperados e não estão sujeitas à falência. Pagam ISS quando os tomadores são terceiros, ainda que alíquotas inferiores na comparação com a média do mercado empresarial. Atos cooperativos também são não são sujeitos à tributação de Imposto de Renda, ainda que no âmbito federal tenham obrigações sociais, como PIS e Cofins. Com a reforma tributária, as cooperativas poderão escolher entre a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) ou o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), mantendo a competitividade de alíquotas baixas da categoria.
Segundo dados da International Cooperative Alliance e da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), há hoje 1 bilhão de pessoas cooperadas em mais de 3 milhões de sociedades do tipo mundo afora. No Brasil, são 4,5 mil cooperativas reunindo 25 milhões de pessoas, com destaque para sociedades de crédito, agropecuário, saúde e transporte.
Antes de estruturar a criação da Coletiv, Letícia Meira pesquisou e não detectou nada parecido com o que estão estruturando. “Encontramos algumas iniciativas análogas na Europa e Estados Unidos, mas como a lei das cooperativas é diferente em cada país é difícil trazê-las para nossa realidade de mercado”, explica a a cofundadora. Apesar de não ter um modelo específico de inspiração, ela diz que nessa fase de pesquisa puderam ver “que o cooperativismo realmente não é um fenômeno marginal, mas uma alternativa global de desenvolvimento e prosperidade”.
Há plataformas reconhecidas pelo mercado nas quais prestadores de serviços podem se cadastrar e oferecer suas habilidades, como a BPool e a Ollo. Mas as semelhanças param por aí, já que esses colaboradores costumam negociar diretamente com os contratantes e não têm qualquer prerrogativa societária junto às plataformas às quais se cadastraram. E essas empresas rentabilizam sua operação por meio de modelos tradicionais, como assinatura, taxa ou comissão.
Ainda mais do que agências ou plataformas, os principais concorrentes da Coletiv talvez sejam os próprios anunciantes, principalmente aqueles resistentes a uma estrutura de gerenciamento descentralizada. O modelo corporativo pode trazer, afinal, vantagens para instituições que têm de reportar lucros para sedes internacionais e dividendos para acionistas – situação ainda mais especial no mercado publicitário brasileiro, cuja reputação se constituiu em cima da capacidade e do volume de entregas.
Porém, a confiança crescente de grandes empresas, como Gupy e Deezer, podem sinalizar um futuro diferente para a Coletiv. Beto Rogoski confia num 2025 de “crescimento exponencial”: “Quanto mais pessoas e empresas nos conhecerem, mais cooperados teremos”. Nesse sentido, a cooperativa pretende desenvolver ainda mais sua atuação em outras regiões brasileiras e seguir reunindo cooperados clientes, parceiros e profissionais.
“Estamos investindo em um modelo que acreditamos ser capaz de trazer mudanças reais para o mercado de trabalho”, diz Yung, reforçando conceitos alinhados com os da própria da Gupy. “Para nós, é mais do que uma campanha, é uma oportunidade de colocar nossos valores em ação.”