“Quando o presidente dos EUA Donald Trump foi eleito pela primeira vez em novembro de 2016, muitos países europeus se juntaram ao redor da chanceler alemã Angela Merkel como a nova líder do mundo livre”, lembrou a cientista política Liana Fix. “Dessa vez, vão precisar procurar em outro lugar.” Depois de meses de paralisia externa e fricção interna, a coalizão “semáforo” entre o Partido Social-Democrata (amarelos), os Verdes e os Democratas Livres (vermelhos) colapsou.
Após as eleições de 2021, com a fadiga do governo Merkel, da Democracia Cristã, há 16 anos no poder, os três partidos declararam “um novo começo”. Um governo de três partidos já era incomum na história alemã. A aliança entre esses três era improvável. Os liberais pró-mercado do Democratas Livres (FDP) sempre foram um estranho no ninho ideológico dos Social-Democratas e Verdes. Logo em 2022, a “geringonça” alemã foi atingida pela invasão da Ucrânia pela Rússia.
O modelo de negócios alemão dependia do combustível barato da Rússia, de investimentos e exportações para a China e da proteção militar dos EUA. A maior economia da Europa se contraiu em 0,3% em 2023 e o FMI prevê crescimento zero em 2024. Enquanto isso, os gastos do governo cresciam, e as divergências também. Para a ala esquerda, a solução era aumentar as despesas, suspendendo o teto de gastos e aumentando uma carga tributária que já está entre as maiores da Europa. O ministro das finanças do FDP, o fiscalista Christian Lindner, queria exatamente o contrário. O divórcio foi o mais acrimonioso possível. Antes que Lindner se demitisse, acusando o plano do chanceler social-democrata Olaf Scholz de “anódino e sem ambição”, Scholz o demitiu, recriminando seu “egoísmo incompreensível”.
O timing não poderia ser pior. O maior empregador industrial alemão, a Volkswagen, ameaça cortar mais empregos e fechar mais fábricas. A extrema esquerda e, sobretudo, a extrema direita cresceram nas eleições regionais. O orçamento para 2025 ainda não foi aprovado. As dificuldades orçamentárias do outro pilar da União Europeia, a França, estão desgastando precocemente o governo recém-formado. As exportações da Europa podem em breve ser impactadas pelas tarifas prometidas por Trump. As defesas da Ucrânia estão ruindo, e o apoio vacilante de Washington pode obrigar Kiev a negociar um acordo de paz desfavorável com a Rússia.
Scholz buscou adiar uma votação de confiança para janeiro. Mas a Democracia Cristã, o principal partido de oposição e líder nas intenções de voto, não quis entrar no jogo e exigiu eleições já. Com toda razão. O momento é ruim, mas é o certo. Não faz sentido prolongar a agonia de um governo disfuncional, impopular e agora minoritário, enquanto os riscos externos só fazem acumular. “Não podemos bancar este governo instável por mais nenhum dia”, disse o secretário da Democracia Cristã, Carsten Linnemann. Os partidos concordaram em agendar a votação para 16 de dezembro, com eleições (que deveriam acontecer só em setembro) já em fevereiro. Enquanto isso, o último ato do governo será concertar o orçamento com a Democracia Cristã.
A estratégia da Europa e de seu país mais rico e populoso durante as eleições americanas se resumiu a esperar pelo melhor, em vez de se preparar para o pior. Agora, não têm tempo a perder. Na Alemanha, um relaxamento fiscal para fortalecer sua defesa e armar a Ucrânia para entrar em melhores condições numa eventual negociação pode até ser necessário, mas deve vir com contrapartidas e um novo plano de crescimento que o atual governo não tem condições de oferecer. A Europa não pode bancar um vácuo de poder em Berlim.
Os alemães estão pouco habituados à fragmentação partidária e à instabilidade política, o risco de um eleitorado irritado correr para os braços dos extremistas é considerável e formar uma nova coalizão não será fácil. Mas, quanto mais o tempo passar, mais os riscos vão aumentar. É incerto se um novo governo oferecerá a renovação que os alemães querem e a liderança de que a Europa precisa. Mas é certo que este governo não pode oferecer nem uma coisa nem outra.