A América Latina é a região mais violenta do mundo. Com 9% da população mundial, ela registra mais de um terço dos homicídios. Além das vidas ceifadas e traumas sociais, a violência implica perdas econômicas. Gastos que poderiam ser investidos em atividades produtivas ou assistência social são consumidos pela segurança. Segundo o Banco Interamericano de Desenvolvimento, a violência custa 3,6% do PIB dos países latino-americanos, duas vezes mais que nos países desenvolvidos e o equivalente aos gastos da região com infraestrutura ou à renda dos 30% mais pobres. Isso sem contar os custos colaterais: menos empregos, mais emigração, erosão das instituições e corrupção. O crime agrava a pobreza e a pobreza incentiva o crime. Uma série do Estadão investigou exemplos e contraexemplos de como reverter essa espiral viciosa.
Entre os últimos está El Salvador. Não se pode dizer que a política de mano dura do presidente Nayib Bukele seja ilusória, ao menos não a curto prazo. As taxas de homicídios caíram a níveis europeus. Mas ela é insustentável e não serve de modelo a outros países.
Constituições democráticas preveem estados de exceção e a suspensão de liberdades civis em meio a calamidades como a violência aguda. Mas, para serem justificadas e eficazes, essas medidas precisam ter um prazo curto, nunca violar direitos fundamentais, basearem-se nas evidências da ciência criminal, contar com uma mobilização nacional para restringir abusos e um plano robusto de retorno à normalidade.
Nada disso está sendo observado em El Salvador. O estado de emergência decretado em 2022 deveria durar 30 dias, mas é reeditado todo mês. A história mostra que a perpetuação de estados de exceção é contraproducente e reforça as dinâmicas que visam a combater. A deterioração do Estado de Direito afasta investidores e incentiva a corrupção e a organização das gangues. O superencarceramento transforma os presídios em quartéis-generais do crime. Franquear a segurança pública a militares não treinados para isso acarreta violações a direitos humanos, corrupção e infiltração do crime.
El Salvador já tentou políticas de mano dura antes e a recidiva foi pior. De resto, a violência lá é produto de gangues que extorquem comunidades locais. Mas as grandes alavancas da violência na América Latina são organizações criminosas transnacionais mais estruturadas, ricas e municiadas. Em Honduras, que ocupa uma posição-chave na rota do narcotráfico, a replicação do “método Bukele” nem sequer produziu um alívio momentâneo.
Uma vez que um vespeiro está formado, não é inteligente debelá-lo com uma pancada. Uma estratégia mais paciente, orgânica e multifatorial é necessária para enfrentar o crime organizado. A repressão ostensiva aos indivíduos mais brutais, uma tática conhecida como “dissuasão focada”, pode amainar situações de violência extrema. Mas só operações de inteligência e asfixia financeira logram um desmantelamento eficaz das organizações criminosas.
A Colômbia, por exemplo, ainda tem muito a fazer no combate ao crime. Mas em uma geração ela reduziu as taxas de homicídio de calamitosas para “normais”, ao menos para a América Latina. Medellín, em especial, considerada a cidade “mais violenta do mundo” na época de Pablo Escobar, alcançou o menor nível de violência em 40 anos, em parte por táticas de dissuasão focadas para desencorajar os chefes das facções a atos violentos e promover pacificações entre eles.
Essa estratégia tem limites. As tréguas reduzem a violência a curto prazo, mas, a longo, permitem às facções se consolidarem. Além de policiamento focado nas zonas mais perigosas e investimentos em capacidade investigativa, Medellín promoveu a reapropriação do espaço público pela população, programas sociais e educacionais para reduzir incentivos dos jovens ao crime e o fortalecimento do Judiciário.
No fim, o crime organizado prospera onde há um vácuo do Estado, e a solução definitiva para debelá-lo é o Estado reocupar esses espaços, com infraestrutura, serviços, um Judiciário eficiente e condições de crescimento econômico.