O pacote fiscal anunciado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, é tíbio por não conter medidas que representem um corte de gastos à altura do que o País precisa para reequilibrar o Orçamento. Seria uma estrepitosa surpresa se o presidente Lula da Silva, que dorme e acorda em modo eleição, autorizasse uma expressiva redução dos gastos públicos. Dito isso, é de justiça reconhecer que o governo acertou em cheio ao mexer em um vespeiro: os privilégios da elite do funcionalismo, em particular dos servidores do Poder Judiciário e do Ministério Público.
Prova maior disso foi a gritaria em uníssono dessas castas pouco após o anúncio do pacote, um sinal inequívoco de que seus privilégios foram ameaçados como poucas vezes em tempos recentes. No dia 4 passado, várias associações que representam os interesses classistas de magistrados, promotores e procuradores vieram a público condenar, em termos vergonhosos à luz da realidade econômica do País, o plano do governo para acabar com a farra das “verbas indenizatórias” pagas sem o abatimento pelo teto constitucional.
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) enviada pelo governo ao Congresso põe limite ao pagamento da miríade de penduricalhos que abarrotam os holerites de Suas Excelências com muitos milhares de reais a mais do que a Constituição autoriza. De acordo com a PEC, só deverão ser pagas fora do teto “as parcelas de caráter indenizatório expressamente previstas em lei complementar de caráter nacional aplicada a todos os Poderes e órgãos constitucionalmente autônomos”.
Como se sabe, o teto do funcionalismo, como determina a Constituição, é o salário de ministro do Supremo Tribunal Federal, hoje fixado em R$ 44.008,52 – valor que será reajustado para R$ 46.366,19 em 1.º de fevereiro de 2025. Com os penduricalhos, porém, não é incomum que juízes, desembargadores, promotores e procuradores cheguem a receber vencimentos que superam em muitas vezes esses valores em um único mês. É uma vergonha, tanto pela natureza exótica de alguns desses mimos como, principalmente, pelo abastardamento da República, que não admite privilégios de qualquer natureza entre os cidadãos.
Nenhuma manifestação contrária ao pacote, porém, foi tão descabida como a do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP), o maior do País. Em nota, o TJ-SP classificou o plano de corte de gastos do governo como um “retrocesso”, além de representar uma ameaça, pasme o leitor, aos “direitos consagrados da magistratura nacional”. Sim, para a Justiça paulista, cujos servidores, como tantos outros do Poder Judiciário, já são muitíssimo privilegiados, receber salários acima do limite imposto pela Constituição e, como se isso não bastasse, por meio de benefícios financeiros não raro autoconcedidos e isentos de Imposto de Renda é tratado como um “direito consagrado”.
Em tom apocalíptico, o TJ-SP ainda chantageou o governo e o Congresso afirmando que, se o pacote for aprovado, haverá um “êxodo de magistrados” em Tribunais de Justiça de todo o País. Se já é difícil encontrar cabeça de bacalhau até nesta época natalina, que dirá um juiz que tenha eventualmente abandonado a carreira por insatisfação salarial.
De costas viradas para o País e para o enorme desafio de reequilibrar as finanças públicas, o Poder Judiciário, não satisfeito, ainda aprovou para os seus a volta do Adicional por Tempo de Serviço, o chamado quinquênio, em desabrida afronta ao Congresso, que ora delibera sobre o tema. O quinquênio, como se sabe, é o aumento automático de 5% nos vencimentos dos magistrados a cada cinco anos de trabalho. Um levantamento do Estadão mostrou que 19 dos 33 Tribunais de Justiça e Regionais Federais do País pagaram esse benefício infame aos seus juízes entre 2023 e 2024.
Fosse o Poder Judiciário brasileiro o mais eficiente do mundo, ainda assim a pletora de privilégios que seus membros recebem não se justificaria, ao menos não em uma República digna desse nome.