O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), anunciou ter feito um acordo com operadoras de planos de saúde para suspender rescisões unilaterais de contratos. Beneficiários respiram aliviados. Deveriam? Nada indica que sim.
O Estadão mostrou nas últimas semanas que houve uma escalada do número de cancelamentos por parte das empresas. A reportagem comparou números de março deste ano com os do mesmo mês do ano passado e revelou que ao menos 80 mil clientes deixaram de ser atendidos pelos planos coletivos por adesão no período.
É possível que uma parte desse universo tenha deixado as operadoras por vontade própria. Esse é um esclarecimento que as empresas deveriam fazer, mas elas se recusam. Oficialmente, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) informa ter recebido mais de 15 mil reclamações sobre rescisão contratual unilateral por parte das empresas em 2023, 37% a mais que no ano anterior.
Na maioria dos casos, justificam as empresas, a carteira é deficitária e não pode mais ser mantida, o que desampara pacientes em tratamento. Mencionam atuar dentro da legalidade e informam que os clientes têm direito a trocar de plano sem carência, embora migrar, a depender do estado de saúde do usuário, possa ser uma tarefa impossível.
Parlamentares começavam a se mobilizar para criar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar as operadoras. Lira, no entanto, decidiu atuar. Por meio de suas redes sociais, informou que as operadoras se comprometeram a “suspender cancelamentos recentes relacionados a algumas doenças e transtornos”.
A quais doenças e transtornos e a que período Lira se referia não se sabe, uma vez que o acerto foi verbal. Como bem observou a advogada Giselle Tapai a este jornal, acordo não é lei. Mas, enquanto isso, a abertura da CPI é adiada, e o projeto de lei que altera o marco atual de saúde suplementar, de 1998, continua em discussão.
Até lá, permanecem o confuso estado de coisas e a angústia dos clientes dos planos. Diante disso, é espantosa a ausência do governo federal nessa discussão.
O Ministério da Justiça e Segurança Pública, por meio da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), pediu explicações às empresas pelos cancelamentos unilaterais. É pouco. Já a ANS divulgou longa nota com as principais regras a que as operadoras estão sujeitas. Reafirmou que é proibida a prática de seleção de riscos, ou seja, a exclusão de clientes por condição de saúde ou idade – algo que as operadoras asseguram não fazer.
Mas a ANS ressaltou que é lícita a rescisão de contrato de plano coletivo quando o beneficiário está em tratamento ou internado, desde que a empresa arque com todo o atendimento até a alta hospitalar. Eis um dos principais pontos do imbróglio. Órgãos de defesa do consumidor e o Judiciário têm entendimento diferente e consideram a situação ilegal, com base em precedente julgado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Do Ministério da Saúde não se ouviu uma palavra até agora, e não é por acaso. Trata-se de um verdadeiro vespeiro, e é difícil vislumbrar uma solução equilibrada, que preserve os interesses dos usuários e a sustentabilidade econômica das empresas. Debatê-la, no entanto, é urgente.
Os planos de saúde individuais e familiares oferecem mais proteção ao usuário e reajustes regulados pela ANS, mas são poucas as operadoras que oferecem a modalidade atualmente – sobretudo, a preços acessíveis.
À maioria, resta apelar a planos coletivos, que possuem regras bem mais flexíveis e que têm gerado tanta insatisfação – tanto por parte dos clientes, que se sentem abandonados no momento em que mais precisam, quanto por parte das empresas, que reclamam de fraudes e de custos excessivos.
Não basta ao governo assistir a esse debate a distância, como se fosse um mero observador, delegando a responsabilidade à Câmara. Cada cliente que deixa de fazer parte da carteira dos planos de saúde onera e sobrecarrega o Sistema Único de Saúde (SUS). Passou da hora de o Executivo assumir a liderança dessa discussão.