Em uma assembleia realizada há poucos dias, o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Josué Gomes da Silva, foi destituído do cargo. Seu afastamento foi referendado pelo voto de 47 industriais, em uma reunião extraordinária marcada por controvérsias, quórum questionável e sem a presença do empresário, argumentos que, por si sós, fortalecem a chance de reversão da medida na Justiça. Mas a patacoada vai além. Como a ata da assembleia ainda não foi registrada em cartório, Josué não apenas continua no comando da Fiesp, como foi convidado a participar de uma reunião com as Forças Armadas pelo presidente Lula da Silva, um ato de desagravo que evidencia o prestígio e o apoio ao empresário, filho do ex-vice-presidente José Alencar.
É a primeira vez que a Fiesp destitui um presidente em quase 100 anos de história, algo que diz muito sobre o tamanho da crise da indústria brasileira. Josué assumiu a Fiesp em janeiro de 2022 para cumprir um mandato de três anos, candidato único de uma chapa que sucedeu a Paulo Skaf e seus 17 anos na chefia da entidade. O empresário é dono da Coteminas, símbolo de uma indústria têxtil moderna e competitiva, líder no mercado interno e com forte presença no exterior.
Na assembleia, ele foi alvo de 12 questionamentos, nenhum sobre violações do estatuto da Fiesp. Foi inquirido, no entanto, sobre a quantidade de entrevistas que havia concedido e o número de vezes em que esteve no Congresso para defender pautas setoriais. Era um teatro para punir Josué por um ato imperdoável, na avaliação de seus pares: a publicação da carta Em defesa da Democracia e da Justiça, logo após o ex-presidente Jair Bolsonaro reunir embaixadores para atacar a lisura do processo eleitoral.
Não é por acaso que a liderança da rebelião é atribuída a Skaf. Os industriais, evidentemente, preferiam a postura pusilânime da Fiesp de um ano antes. Em agosto de 2021, Skaf articulou o apoio a um manifesto intitulado A Praça é dos Três Poderes, após o intimidatório desfile das Forças Armadas na Esplanada dos Ministérios e no dia em que a Câmara rejeitou o voto impresso. Ele desistiu da publicação após pressão do governo, mas o documento ressuscitou depois do dia 7 de Setembro, quando Bolsonaro fez ameaças públicas ao Supremo Tribunal Federal (STF).
O episódio em si só traz à tona mais do que uma mera disputa de poder pelo comando da Fiesp. Ele expõe a dificuldade de alguns de seus associados de enxergar a profundidade da crise em que a indústria brasileira está mergulhada. A desindustrialização é uma realidade inegável desde a década de 1980. A proporção da indústria de transformação no Produto Interno Bruto (PIB) é de 11%, a menor desde 1947. As causas desse fracasso são múltiplas – crises internacionais, recessão econômica, falta de investimento, baixa produtividade e custos elevados, entre outros –, mas nenhuma delas tem qualquer conotação política.
Enfrentar esses desafios requer da indústria realismo para distinguir problemas e oportunidades. Após a ineficaz política de combate à covid-19 por parte da China, o País tem uma nova chance de inserção nas cadeias produtivas globais. A guerra na Ucrânia e o consequente aumento dos preços do petróleo proporcionaram competitividade à energia brasileira – ela já era majoritariamente limpa e, agora, tornou-se relativamente mais barata.
A transição para uma economia de baixo carbono pode dar ao País um protagonismo mundial. Para isso, é preciso que a indústria tenha uma compreensão mais moderna e menos dependente sobre seu papel no desenvolvimento do País. Passou da hora de o setor caminhar com as próprias pernas. Uma parte dos industriais brasileiros continua a apostar no retorno a um tempo em que desonerações, subsídios, protecionismo e favores políticos garantiam a prosperidade de seus donos em detrimento do crescimento econômico e da geração de empregos. A crise no comando da Fiesp não é causa, mas sintoma desse embate entre um passado que se recusa a ficar para trás e um futuro que ainda não chegou.