Já faz duas semanas que Lula da Silva anunciou a criação da Autoridade Climática, panaceia da crise sem precedentes das queimadas e da seca no Brasil. Inicialmente discutida na transição de governo, prometida em discurso de posse da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e ressuscitada durante as enchentes no Rio Grande do Sul, a iniciativa avança a passos lentos e parece longe de se tornar realidade em meio a disputas de poder.
Os debates hoje giram em torno de como o órgão será estruturado, mas, sobretudo, a quem exatamente estará subordinado. De um lado, há quem advogue pela vinculação à Presidência da República e, de outro, ao Ministério do Meio Ambiente (MMA).
Ao jornal Valor, Marina propôs uma autoridade com estrutura de autarquia – como exemplo, ela citou a vinculação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ao Ministério da Saúde. Em suas palavras, “é assim que se desenham políticas públicas, para além da sazonalidade política e da alternância de poder”.
À Coluna do Estadão, no entanto, o ex-ministro Carlos Minc (PSB-RJ), que participou dos debates sobre a criação do órgão ainda no governo de transição, defendeu seu atrelamento à Presidência. Para ele, essa é uma forma de garantir que a autoridade tenha ascendência sobre variadas pastas, como Agricultura e Minas e Energia, que, não raro, acumulam embates com o MMA.
Nessa saga, o maior rival de Marina no governo, ao que tudo indica, está na própria Casa Civil. Em entrevista ao jornal O Globo, o ministro Rui Costa afirmou que a pasta chefiada pela colega apresentou há dois meses um PowerPoint com a proposta, mas que somente há alguns dias elaborou um texto, de fato, sobre a Autoridade Climática. Na minuta, o órgão estaria subordinado ao Ministério do Meio Ambiente, o que não parece ter agradado a Rui Costa. O ministro disse ter dúvidas se, nesse modelo, o órgão seria uma “autoridade” ou apenas um “departamento”. E, na dúvida, o petista não tem pressa alguma para encaminhar a proposta. Segundo ele, ainda precisa “refletir muito”.
Antes disso, a Autoridade Climática já havia sido engavetada em razão das frequentes dificuldades da articulação política do governo no Congresso. O Legislativo precisaria dar aval à criação dessa estrutura, que é vista com muita desconfiança pela bancada ruralista.
Toda essa discussão é lateral e mal consegue esconder o fato de que o governo não trata o tema com a prioridade que merece. Passados quase dois anos desde o surgimento da proposta dessa autoridade, é incompreensível que ela ainda seja uma vaga ideia e que não tenha vindo a público nem sequer um rascunho que seja com suas atribuições, seus limites e seu vínculo ao Ministério do Meio Ambiente ou à Presidência da República.
Quem deveria ter tomado essa decisão é Lula da Silva, e é impressionante que ainda não o tenha feito. Depois de tantas palavras lançadas ao vento, vê-se que o governo escreve uma longa epopeia cujo fim é impossível prever, talvez na expectativa de que surja um deus ex machina para resolver o mau roteiro. Ademais, a depender da demagogia do petista na área, nada garante que, mesmo no Planalto, esse órgão terá poder para coordenar esforços, elaborar projetos transversais e executar ações de prevenção, mitigação e adaptação às mudanças do clima.
Marina, já dissemos neste espaço, figura na atual gestão como um vaso chinês – valioso, mas meramente decorativo. Faz sentido que ela queira essa autoridade sob sua guarda, até para afastar o risco de esvaziamento de suas competências, mas é bom lembrar que Marina recusou assumir o órgão quando ele lhe foi oferecido na transição, e é de perguntar o que teria motivado a repentina mudança de posição.
Enquanto essas disputas ocorrem, o tempo passa e as queimadas continuam a arder pelo Brasil. Tudo isso evidencia que a agora tão falada Autoridade Climática é puro improviso para encobrir a omissão e a falta de planejamento de Lula da Silva para lidar com uma questão que ele tanto diz, mundo afora, se preocupar.