A exceção que é regra


Tratados como excepcionais, os privilégios embutidos na reforma tributária são na verdade a regra no Brasil: capturado por grupos de interesse, o Estado negligencia os mais vulneráveis

Por Notas & Informações

Durante a tramitação da reforma tributária na Câmara dos Deputados e no Senado, foram criadas várias exceções no texto. É de lamentar que, para aprovar um novo marco jurídico absolutamente benéfico para o País – e assim pôr abaixo o sistema vigente que todos concordam que é prejudicial ao desenvolvimento social e econômico –, tenha sido necessário oferecer tantas benesses e privilégios a determinados grupos politicamente organizados. Perante tais exceções, que impactam diretamente a arrecadação, a alíquota básica do IVA terá de ser maior. Ou seja, todos terão de pagar um pouco mais para que alguns possam pagar um pouco (ou muito) menos.

É de lamentar, mas a rigor tal situação não deve causar estranheza. Esses privilégios não ocorrem apenas quando tramita uma reforma tributária. Nesse caso, tudo fica mais explícito. No entanto, tais exceções não são de forma nenhuma excepcionais. Trata-se do mais habitual funcionamento do Estado brasileiro, que é continuamente capturado por interesses de grupos politicamente organizados.

Isso não significa, por óbvio, amenizar a gravidade das exceções da reforma tributária. É antes o contrário. Trata-se de mostrar que o problema é mais grave, mais disseminado e mais tolerado. Tem-se um regime democrático, onde todos os membros do Congresso são eleitos pelo voto, e mesmo assim as decisões legislativas são frequentemente contrárias aos interesses da maioria. Na prática, elas estão orientadas a preservar e a proteger os interesses de alguns poucos.

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Nessa dinâmica de privilégios, verifica-se um fator especialmente inusitado. Apesar de todas as exceções introduzidas no texto da reforma tributária, houve setores e grupos beneficiados pelas emendas que se consideraram prejudicados e não atendidos em suas demandas. Eles continuaram reclamando do texto da reforma. Tanto é assim que, mesmo depois de conseguirem aprovar suas emendas instituindo novos privilégios, alguns parlamentares votaram contra a reforma.

Há uma distorção de percepção: privilegiados são os outros; as demandas próprias seriam sempre justas e necessárias. Com isso, não apenas se instaura, mas se legitima o “país da meia-entrada” ou a “democracia da meia-entrada”, expressões cunhadas pelos economistas Marcos Lisboa e Zeina Latif. Todo mundo tenta obter algum tratamento mais benéfico que o concedido ao público em geral. Todo mundo quer um Estado para chamar de seu.

É um grave equívoco transformar o regime democrático em meio de obter vantagens individuais, como se o exercício dos direitos políticos fosse uma espécie de batalha contínua para conquistar novos benefícios, novas boquinhas, novas “meias-entradas”. Tal modo de proceder viola o princípio republicano da igualdade de todos perante a lei. Fica parecendo que o objetivo da lei é criar distinções entre os indivíduos e perpetuar privilégios. Ora, é precisamente o oposto.

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Esse modo de atuar, em defesa exclusivamente do interesse próprio, é profundamente disfuncional. Entre os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil definidos na Constituição estão “construir uma sociedade livre, justa e solidária”, “erradicar a pobreza e a marginalização” e “reduzir as desigualdades sociais e regionais”. Ou seja, não é função do Estado ampliar desigualdades. Isso é inconstitucional. No entanto, se quem tem mais voz no espaço público e mais capacidade de articulação política usa continuamente sua posição de privilégio para obter mais privilégios, o regime democrático fracassa em seus objetivos primários.

Trata-se de um problema sério, que não pode ficar oculto nem ser aceito como algo normal. Quem tem menos voz na política é, em geral, quem mais precisa do poder público, por estar em situação mais vulnerável. Esses grupos, portanto, não perdem somente quando se aprovam exceções na reforma tributária. Eles perdem todos os dias, continuamente. O verdadeiramente excepcional é que consigam uma proteção minimamente eficaz de sua dignidade e de seus direitos. Tornar isso habitual é a principal eficiência da máquina pública a ser buscada.

Durante a tramitação da reforma tributária na Câmara dos Deputados e no Senado, foram criadas várias exceções no texto. É de lamentar que, para aprovar um novo marco jurídico absolutamente benéfico para o País – e assim pôr abaixo o sistema vigente que todos concordam que é prejudicial ao desenvolvimento social e econômico –, tenha sido necessário oferecer tantas benesses e privilégios a determinados grupos politicamente organizados. Perante tais exceções, que impactam diretamente a arrecadação, a alíquota básica do IVA terá de ser maior. Ou seja, todos terão de pagar um pouco mais para que alguns possam pagar um pouco (ou muito) menos.

É de lamentar, mas a rigor tal situação não deve causar estranheza. Esses privilégios não ocorrem apenas quando tramita uma reforma tributária. Nesse caso, tudo fica mais explícito. No entanto, tais exceções não são de forma nenhuma excepcionais. Trata-se do mais habitual funcionamento do Estado brasileiro, que é continuamente capturado por interesses de grupos politicamente organizados.

Isso não significa, por óbvio, amenizar a gravidade das exceções da reforma tributária. É antes o contrário. Trata-se de mostrar que o problema é mais grave, mais disseminado e mais tolerado. Tem-se um regime democrático, onde todos os membros do Congresso são eleitos pelo voto, e mesmo assim as decisões legislativas são frequentemente contrárias aos interesses da maioria. Na prática, elas estão orientadas a preservar e a proteger os interesses de alguns poucos.

Nessa dinâmica de privilégios, verifica-se um fator especialmente inusitado. Apesar de todas as exceções introduzidas no texto da reforma tributária, houve setores e grupos beneficiados pelas emendas que se consideraram prejudicados e não atendidos em suas demandas. Eles continuaram reclamando do texto da reforma. Tanto é assim que, mesmo depois de conseguirem aprovar suas emendas instituindo novos privilégios, alguns parlamentares votaram contra a reforma.

Há uma distorção de percepção: privilegiados são os outros; as demandas próprias seriam sempre justas e necessárias. Com isso, não apenas se instaura, mas se legitima o “país da meia-entrada” ou a “democracia da meia-entrada”, expressões cunhadas pelos economistas Marcos Lisboa e Zeina Latif. Todo mundo tenta obter algum tratamento mais benéfico que o concedido ao público em geral. Todo mundo quer um Estado para chamar de seu.

É um grave equívoco transformar o regime democrático em meio de obter vantagens individuais, como se o exercício dos direitos políticos fosse uma espécie de batalha contínua para conquistar novos benefícios, novas boquinhas, novas “meias-entradas”. Tal modo de proceder viola o princípio republicano da igualdade de todos perante a lei. Fica parecendo que o objetivo da lei é criar distinções entre os indivíduos e perpetuar privilégios. Ora, é precisamente o oposto.

Esse modo de atuar, em defesa exclusivamente do interesse próprio, é profundamente disfuncional. Entre os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil definidos na Constituição estão “construir uma sociedade livre, justa e solidária”, “erradicar a pobreza e a marginalização” e “reduzir as desigualdades sociais e regionais”. Ou seja, não é função do Estado ampliar desigualdades. Isso é inconstitucional. No entanto, se quem tem mais voz no espaço público e mais capacidade de articulação política usa continuamente sua posição de privilégio para obter mais privilégios, o regime democrático fracassa em seus objetivos primários.

Trata-se de um problema sério, que não pode ficar oculto nem ser aceito como algo normal. Quem tem menos voz na política é, em geral, quem mais precisa do poder público, por estar em situação mais vulnerável. Esses grupos, portanto, não perdem somente quando se aprovam exceções na reforma tributária. Eles perdem todos os dias, continuamente. O verdadeiramente excepcional é que consigam uma proteção minimamente eficaz de sua dignidade e de seus direitos. Tornar isso habitual é a principal eficiência da máquina pública a ser buscada.

Durante a tramitação da reforma tributária na Câmara dos Deputados e no Senado, foram criadas várias exceções no texto. É de lamentar que, para aprovar um novo marco jurídico absolutamente benéfico para o País – e assim pôr abaixo o sistema vigente que todos concordam que é prejudicial ao desenvolvimento social e econômico –, tenha sido necessário oferecer tantas benesses e privilégios a determinados grupos politicamente organizados. Perante tais exceções, que impactam diretamente a arrecadação, a alíquota básica do IVA terá de ser maior. Ou seja, todos terão de pagar um pouco mais para que alguns possam pagar um pouco (ou muito) menos.

É de lamentar, mas a rigor tal situação não deve causar estranheza. Esses privilégios não ocorrem apenas quando tramita uma reforma tributária. Nesse caso, tudo fica mais explícito. No entanto, tais exceções não são de forma nenhuma excepcionais. Trata-se do mais habitual funcionamento do Estado brasileiro, que é continuamente capturado por interesses de grupos politicamente organizados.

Isso não significa, por óbvio, amenizar a gravidade das exceções da reforma tributária. É antes o contrário. Trata-se de mostrar que o problema é mais grave, mais disseminado e mais tolerado. Tem-se um regime democrático, onde todos os membros do Congresso são eleitos pelo voto, e mesmo assim as decisões legislativas são frequentemente contrárias aos interesses da maioria. Na prática, elas estão orientadas a preservar e a proteger os interesses de alguns poucos.

Nessa dinâmica de privilégios, verifica-se um fator especialmente inusitado. Apesar de todas as exceções introduzidas no texto da reforma tributária, houve setores e grupos beneficiados pelas emendas que se consideraram prejudicados e não atendidos em suas demandas. Eles continuaram reclamando do texto da reforma. Tanto é assim que, mesmo depois de conseguirem aprovar suas emendas instituindo novos privilégios, alguns parlamentares votaram contra a reforma.

Há uma distorção de percepção: privilegiados são os outros; as demandas próprias seriam sempre justas e necessárias. Com isso, não apenas se instaura, mas se legitima o “país da meia-entrada” ou a “democracia da meia-entrada”, expressões cunhadas pelos economistas Marcos Lisboa e Zeina Latif. Todo mundo tenta obter algum tratamento mais benéfico que o concedido ao público em geral. Todo mundo quer um Estado para chamar de seu.

É um grave equívoco transformar o regime democrático em meio de obter vantagens individuais, como se o exercício dos direitos políticos fosse uma espécie de batalha contínua para conquistar novos benefícios, novas boquinhas, novas “meias-entradas”. Tal modo de proceder viola o princípio republicano da igualdade de todos perante a lei. Fica parecendo que o objetivo da lei é criar distinções entre os indivíduos e perpetuar privilégios. Ora, é precisamente o oposto.

Esse modo de atuar, em defesa exclusivamente do interesse próprio, é profundamente disfuncional. Entre os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil definidos na Constituição estão “construir uma sociedade livre, justa e solidária”, “erradicar a pobreza e a marginalização” e “reduzir as desigualdades sociais e regionais”. Ou seja, não é função do Estado ampliar desigualdades. Isso é inconstitucional. No entanto, se quem tem mais voz no espaço público e mais capacidade de articulação política usa continuamente sua posição de privilégio para obter mais privilégios, o regime democrático fracassa em seus objetivos primários.

Trata-se de um problema sério, que não pode ficar oculto nem ser aceito como algo normal. Quem tem menos voz na política é, em geral, quem mais precisa do poder público, por estar em situação mais vulnerável. Esses grupos, portanto, não perdem somente quando se aprovam exceções na reforma tributária. Eles perdem todos os dias, continuamente. O verdadeiramente excepcional é que consigam uma proteção minimamente eficaz de sua dignidade e de seus direitos. Tornar isso habitual é a principal eficiência da máquina pública a ser buscada.

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