É curiosamente sincrético o credo de Tarcísio de Freitas. Ao mesmo tempo que sabe recitar de cor o catecismo liberal, o governador paulista flerta com a fé populista, que é a perfeita negação do liberalismo. Somente esse melê doutrinário explica por que razão Tarcísio decidiu permitir que as igrejas deixem de pagar ICMS na importação de produtos ditos “religiosos” – e justamente no momento em que promete promover um duro plano de ajuste fiscal no Estado, anunciado há poucos dias.
Ora, as igrejas já desfrutam de diversas isenções tributárias, a título de garantir a liberdade religiosa. Por isso, salvo por inconfessáveis objetivos eleitoreiros, não há nenhuma necessidade de ampliar esses benefícios, sobretudo por meio de resoluções que dão margem a interpretações generosas em favor dos donos das igrejas, como é o caso da recente medida do governo de São Paulo. Lá se diz que a administração tributária deixará de cobrar o imposto de “quaisquer entidades religiosas, desde que referidos bens se destinem à finalidade essencial dessas entidades e sem prejuízo da fiscalização”.
Está no terreno do mistério a definição de “finalidade essencial” que abre a brecha para a isenção do ICMS, mas já é possível antever o milagre da multiplicação dos produtos importados “essenciais” à disposição dos donos de igrejas. Para o mundo laico, a alíquota do imposto em São Paulo é de 18%; para os empreendimentos religiosos, será o paraíso da isenção.
Ainda que beneficie instituições de todos os credos, pouca gente tem dúvida de que a intenção de Tarcísio é agradar às igrejas evangélicas, que integram uma parcela relevante das preferências eleitorais do bolsonarismo, do qual o governador busca ser herdeiro. Há tempos a bancada evangélica do Congresso busca ampliar as isenções fiscais, seja por negociação de apoio político, seja por projetos legislativos, como a chamada Proposta de Emenda à Constituição (PEC) das Igrejas, que tramita na Câmara.
Com a medida anunciada, portanto, o governador pode até ganhar um lugar no Céu, mas o objetivo é obter dividendos eleitorais mundanos, mesmo que isso contradiga flagrantemente as diretrizes do plano fiscal do Estado.
Convém saber do governador qual a justificativa para tirar das entidades religiosas o mesmo compromisso que exige do mundo laico. Tarcísio é reconhecido por sua formação técnica e um autodeclarado gestor que se baseia em premissas impessoais de administração. Mas, na hora de agradar ao evangelho bolsonarista, aparentemente escolheu a genuflexão.
A medida do governador confirma, ademais, que a religião pode ser um bom negócio no Brasil. Afinal, tanto o Congresso quanto diferentes governos têm estendido uma mão providencial às igrejas, sobretudo evangélicas. Em 2015, no mandato de Dilma Rousseff, uma lei isentou religiosos do tributo sobre a chamada “prebenda”, nome dado ao pagamento que ministros de ordens religiosas recebem. Em 2020, o então presidente Jair Bolsonaro perdoou todas as autuações feitas antes daquela data. Às voltas com dissabores com o eleitorado evangélico, o presidente Lula da Silva busca caminhos para apoiar a PEC das Igrejas.
Ou seja, é mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um dono de igreja evangélica ser tratado como os outros cidadãos pagadores de impostos.