O sr. Luís Roberto Barroso, na condição de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), deveria ter declinado do convite para comparecer a um congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE), realizado no dia 12 passado, e por razões óbvias: tratava-se de evento eminentemente político, do tipo que deve ser evitado a todo custo por juízes – aqueles que têm de ser vistos pela sociedade como imparciais. Já que cometeu a imprudência de aceitar, o sr. Barroso deveria ter ficado calado, pois qualquer manifestação sua ali poderia ser tomada como simpatia ou antipatia por este ou aquele político – e, recorde-se, políticos são julgados por ministros do Supremo. Como foi ainda mais imprudente e resolveu discursar, o sr. Barroso deveria medir cautelosamente as palavras – mas, como o País soube, estupefacto, o sr. Barroso cometeu a irresponsabilidade de jactar-se de ter “derrotado o bolsonarismo”.
Ante o choque que seu comportamento causou, o sr. Barroso, em lugar de reconhecer o erro, de resto evidente para todos, tentou dizer que foi mal compreendido – ou seja, além de ignorar as interdições éticas impostas a quem exerce a magistratura, o sr. Barroso tentou responsabilizar a audiência pela confusão.
Ainda há tempo para que o sr. Barroso se retrate para valer, considerando-se, em primeiro lugar, que será sob sua presidência que o Supremo julgará alguns dos processos que pesam contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, líder do tal “bolsonarismo” que o ministro diz ter ajudado a derrotar. Nesse sentido, foi exemplar a cobrança do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco: “Se não houver um esclarecimento em relação a isso, mesmo uma retratação quanto a isso, até para se explicar a natureza do que foi dito, evidentemente que isso pode ser interpretado como uma causa de impedimento ou suspeição”.
O mais lamentável dessa história toda é que o mau comportamento do sr. Barroso não foi um fato isolado. Ao contrário: há muito parece ter se instaurado no STF uma cultura na qual se considera aceitável que ministros do Supremo atuem como celebridades nacionais, aptas e disponíveis para comentar as mais diversas facetas da vida do País.
Ignora-se uma das regras mais básicas da magistratura: o juiz fala apenas nos autos. Tão frequente é a violação desse dever, que o silêncio, que deveria ser o comportamento habitual de todos os ministros, se tornou algo extraordinário. A atitude discreta da presidente do STF, ministra Rosa Weber, tem sido uma absoluta exceção hoje em dia.
Conforme a Lei Orgânica da Magistratura, juízes só podem se manifestar fora dos autos se a manifestação se der no exercício do magistério. Ou seja, mesmo que o sr. Barroso não tivesse dito o que disse sobre o bolsonarismo, já seria escandalosa sua simples participação num congresso da UNE, que não tinha rigorosamente nenhum caráter acadêmico. Infelizmente, vige no STF outra compreensão sobre o comportamento público que um integrante da Corte deve ter. Parece que alguns ministros pensam que tudo o que falam seja verdadeira “aula” à sociedade: todas as suas manifestações seriam “exercício do magistério”.
Ao não reconhecer claramente seu erro, o sr. Barroso reiterou o modus operandi vigente no STF: o de que um ministro da Corte pode se manifestar sobre assuntos políticos, devendo apenas ter cuidado com as palavras.
Todo esse deplorável episódio, cujos efeitos ainda serão sentidos por muito tempo, explicita o acerto da proibição da Lei Orgânica da Magistratura. Sejam quais forem a intenção e o contexto, toda vez que o juiz fala fora dos autos causa danos ao Judiciário e, em última instância, ao Estado Democrático de Direito. Não surpreende, portanto, que os liberticidas de sempre, interessados em desestabilizar o País, logo tenham aproveitado a chance para exigir o impeachment do ministro.
O caso do sr. Barroso tem de ser ocasião de uma profunda mudança de cultura no STF. É preciso respeitar as limitações próprias da magistratura. Juiz não é celebridade. Caso contrário, entre outros danos, a autoridade do Supremo estará comprometida para julgar aqueles que tanto mal causaram ao País.