A nova crise na área educacional, com a inesperada substituição do presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), o professor de engenharia Benedito Guimarães Aguiar Neto, pela advogada Cláudia Mansani de Toledo, é mais uma demonstração de que o método de escolha do governo Bolsonaro para ocupantes de cargos públicos se baseia na mediocridade.
A disparidade entre os currículos de quem sai e de quem entra é tanta que, horas após o anúncio da troca de comando, a Sociedade Brasileira de Física divulgou uma nota de protesto, afirmando que o futuro da Capes está ameaçado. Segundo a nota, a nova presidente do órgão não tem produção acadêmica nem experiência internacional. Criada em 1951, a Capes sempre exerceu um papel fundamental na formação de recursos de alto nível no País, sendo responsável pelo Sistema Nacional de Pós-Graduação, pela articulação dos acordos internacionais nesse nível de ensino e pela expansão de pesquisas e inovação tecnológica no Brasil.
Para ter ideia da discrepância entre o ex-presidente da Capes e sua sucessora, o primeiro é mestre em engenharia elétrica pela Universidade Federal da Paraíba (UFP), doutor pela Technische Universität Berlim, na Alemanha, e pós-doutorado pela University of Washington, nos Estados Unidos. Também chefiou o programa de pós-graduação na área de telecomunicações da UFP, foi reitor da Universidade Mackenzie e presidente do Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras.
Já sua sucessora é bacharel em direito pela Instituição Toledo de Ensino, pertencente à sua família. Fez o mestrado na PUC-SP e coordenou a pós-graduação do empreendimento familiar antes de fazer o doutorado, o que é insólito. Após obter o título de doutor no curso que dirigia, hoje é reitora da instituição, onde se formaram o ministro da Educação, Milton Ribeiro, e o Advogado-Geral da União (AGU), André Mendonça. Na última avaliação da Capes, que é feita a cada quatro anos, o curso de mestrado por ela dirigido recebeu nota 2, sendo descredenciado. Segundo a base de dados do Sistema Nacional de Pós-Graduação, 35% dos docentes não ofereciam disciplinas, 20% não participavam de projetos de pesquisa e 23% não orientavam discentes. Na ocasião, a instituição pediu reconsideração e não teve sucesso. No governo Bolsonaro, apresentou novo recurso – e, desta vez, surpreendentemente, no dia anterior ao da saída de Abraham Weintraub do Ministério da Educação, o curso obteve a nota 4 e pode voltar a funcionar.
Além de privilegiar a mediocridade na escolha de ocupantes de cargos públicos, o governo Bolsonaro carece de sensibilidade para escolher o momento de trocá-los. A troca no comando da Capes está ocorrendo no mesmo mês em que todos os cursos de pós-graduação do País têm de enviar os relatórios sobre produção científica, formação de recursos humanos e desenvolvimento tecnológico para a próxima avaliação. O prazo expira no próximo dia 23. A insensibilidade do governo pode inviabilizar essa avaliação, afirma o pró-reitor de Pós-Graduação da USP, Carlos Carlotti Júnior. A missão da Capes está ameaçada, alertam entidades filiadas à Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Resta esperar que a nova presidente da Capes “não misture ideologia com ciência”, diz o presidente da Associação Brasileira de Ciências, Luiz Davidovich.
Além de a troca de comando na Capes tumultuar o processo de avaliação da pós-graduação, ela ocorre com a validade do Plano Nacional de Pós-Graduação vencida (em 2020) sem que o governo sequer tenha iniciado a elaboração de um novo plano. Como se não bastasse, a situação financeira da Capes é crítica, pois não dispõe de recursos para pagar as bolsas de pós-graduação.
Diante desses problemas, que, dependendo do modo como forem tratados, dificultarão a retomada do crescimento após a pandemia, o governo Bolsonaro escolheu para a Capes a reitora de uma pequena instituição universitária particular, cujo endereço profissional é o de um escritório de advocacia no interior paulista. Haja mediocridade.