Há 75 anos, após a pior guerra da História, 50 nações forjavam, nas palavras de Harry Truman, “uma unidade de determinação inabalável para pôr fim às guerras”. Ao contrário da sua predecessora - a Liga das Nações, cuja ascensão e queda após a Grande Guerra detonou outra maior -, a Organização das Nações Unidas (ONU) resistiu à guerra fria, ajudando a evitar a 3.ª Guerra. Mesmo a guerra entre países é rara, e suas Forças de Paz, com 100 mil recrutas de 120 países, servem em 13 missões protegendo 125 milhões de pessoas. Mas as guerras civis e catástrofes humanitárias nestes 75 anos mostram que a ordem mundial não só é abalável, como pode colapsar. A ONU deveria prenunciar um governo global. Mas suas estruturas mudaram pouco desde 1945. Paradoxalmente, sua tendência congênita à inclusão gerou disparidades ainda não sanadas. Cada voto dos 193 membros da Assembleia-Geral vale o mesmo - o da Índia (1,4 bilhão de pessoas) tanto quanto o de Tuvalu (12 mil). De acordo com a Freedom House, apenas ¼ é de democracias livres. Suas distorções representativas, sobrecarregadas por uma burocracia exasperante, obstruem a meritocracia e a defesa dos direitos humanos contra a ilegalidade internacional, a miséria ou governos corruptos e cruéis. A ONU, disse sensatamente o ex-secretário-geral Dag Hammarskjöld, “não foi criada para levar a humanidade ao paraíso, e sim para salvá-la do inferno”. Mas se boa parte de suas resoluções, na melhor das hipóteses, não passa de vanilóquios humanitaristas - na pior, chega a legitimar tiranias e crimes de Estado. Por exemplo, o Conselho de Direitos Humanos, como afirmou John Kerry, secretário de Estado dos EUA na gestão Obama, assim como o ex-secretário-geral Ban Ki-moon - antes de sintomaticamente se retratar -, foca desproporcionalmente nas alegações de abuso por parte de Israel. Entre 1975 e 1991 a ONU igualou o sionismo ao “racismo”, mas nem uma única resolução reprovou as violações da China, Rússia, Coreia do Norte, Arábia Saudita ou Síria. Se nos genocídios no Congo, Bósnia, Somália, Bangladesh ou Sudão, seus quadros foram pouco mais que observadores bem-intencionados, nos escândalos de corrupção do Programa Petróleo por Comida ou dos abusos sexuais no Haiti, eles abriram as portas do inferno. Na última década o número de refugiados dobrou, atingindo o recorde de 51 milhões. Seu Conselho de Segurança, engessado e restrito, frequentemente negligencia o mandato de “manter a paz e a segurança internacional”. Dos seus cinco membros permanentes, EUA e Reino Unido invadiram o Iraque; a Rússia tomou um pedaço da Ucrânia; e a China ocupa territórios sob disputa no Pacífico. A relação entre as três potências nucleares, EUA, China e Rússia, “nunca foi tão disfuncional”, como disse o secretário-geral António Guterres. Enquanto os EUA de Trump se isolam cada vez mais, retirando-se de alianças ou chantageando organizações multilaterais, a China força sobre elas seu poder de compra - ainda que, em contraste com a União Soviética, suas ambições imperialistas se restrinjam à Ásia, o Partido Comunista manobra resolutamente para tornar o mundo mais dócil à autocracia. Guterres divide a história da ONU em três fases: a “bipolar” (guerra fria), a “unipolar” (breve prevalência dos EUA) e a atual, “ainda não multipolar, mas essencialmente caótica”. Em janeiro, ele aludiu a “quatro cavaleiros do apocalipse”: rupturas geopolíticas; agressão ambiental à beira do irreversível; desconfiança da globalização; e o lado tenebroso da tecnologia digital. Hoje galopa um “quinto”: a pandemia. Nenhum deles - assim como o crime organizado, o terrorismo ou a proliferação nuclear - pode ser confrontado sem coordenação multilateral. “Mas se os EUA dão passos atrás, todos os outros devem dar um passo à frente”, como disse a revista The Economist. “Se hesitarem, arriscam um grande pandemônio - similar ao pesadelo nos anos 1920 e 30.” Já se disse que, “se a ONU não existisse, precisaria ser inventada”. Graças à habilidade dos estadistas do pós-guerra, ela existe. Mas precisa ser reinventada.
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