A rivalidade entre EUA e China desperta apreensões em todo o mundo, de Bruxelas a Nova Délhi, de Riad a Camberra. Em Brasília não é diferente, mas o Brasil está comparativamente bem posicionado. O País tem uma longa tradição diplomática de não alinhamento, um grande mercado interno, um parque industrial razoavelmente diversificado, uma imensa e intensa produção agropecuária, recursos naturais críticos, uma matriz energética limpa e grande potencial para a transição energética.
Além de expandir exportações de commodities para ambos os lados, o Brasil pode seguir importando manufaturados e pactuando projetos de infraestrutura com a China sem ferir suas relações com o bloco ocidental, e pode continuar recebendo capital, importando tecnologias inovadoras e afirmando valores comuns ao Ocidente sem atritos com o regime de Pequim. Em termos de políticas de Estado, os quadros diplomáticos do Itamaraty têm feito a sua parte para manter equidistância e aproveitar oportunidades. Já o desempenho da diplomacia presidencial, seja a do incumbente Lula da Silva, seja a do seu antecessor, Jair Bolsonaro, é mais ambivalente.
Na América do Sul, o cenário é de expansão da China e estagnação dos EUA. As cúpulas da Cooperação Econômica Ásia-Pacífico e do G-20 foram sintomáticas. No Peru, enquanto o presidente americano, Joe Biden, doava um punhado de helicópteros para combater o narcotráfico, o presidente chinês, Xi Jinping, inaugurava um megaporto. No Brasil, enquanto Biden prometeu em Manaus irrisórios US$ 50 milhões para a Amazônia, Xi, com pompa e circunstância em Brasília, assinou um pacote de 37 acordos nas áreas de agricultura, indústria, investimentos e infraestrutura.
Se conduzidos com apuro técnico e estrita observância aos interesses nacionais, acordos como esses podem trazer grandes benefícios ao Brasil, a começar pela possibilidade, ainda remota, mas promissora, de abrir eixos de infraestrutura ligando a exportação e importação nacional ao Pacífico. Isso não implica um jogo de soma zero. EUA e Europa ainda são de longe os maiores responsáveis por Investimentos Estrangeiros Diretos no Brasil, ante os quais o montante da China não faz nem sombra.
O retorno de Donald Trump à Casa Branca deve conferir a Pequim oportunidades ainda maiores na região. Se suas promessas protecionistas forem cumpridas, terão impactos em todo o mundo. Mas, a rigor, as relações institucionais com o Brasil não precisam ser particularmente afetadas, nem áreas de cooperação no comércio, investimentos ou tecnologia.
Já o presidente Lula, se cumpriu o riscado diplomático ao parabenizar prontamente Trump pela vitória, cometeu a indelicadeza, dias antes, de manifestar apoio a Kamala Harris e insinuou que o retorno de Trump seria “o fascismo e o nazismo voltando a funcionar com outra cara”. Nas vésperas do G-20, a primeira-dama Janja da Silva disparou seus infames vitupérios contra Elon Musk, que estará no futuro governo Trump. Guerra cultural numa hora dessas?
Em relação à China, Lula foi pragmático ao não aderir à Nova Rota da Seda. O fatiamento dos projetos pode garantir os bônus em infraestrutura sem o ônus geopolítico. Lula poderia ter parado por aí. Mas sua incontinência ideológica falou mais alto. “Em um mundo assolado por conflitos e tensões geopolíticas”, disse, “China e Brasil colocam a paz, a diplomacia e o diálogo em primeiro lugar.” Não bastasse a opressão doméstica de seu regime totalitário, Pequim tem uma diplomacia truculenta, é esteio de ditaduras disruptivas, como Rússia, Irã ou Venezuela, confronta vizinhos como a Índia, faz manobras belicosas no Mar do Sul e tem o projeto declarado de invadir Taiwan. Equiparar o protagonismo dos dois países na conformação da nova ordem global – além de irreal, dada a assimetria entre uma superpotência global e uma potência média regional – é um desserviço à tradição diplomática nacional, e alinhá-los, ainda que retoricamente, é uma provocação desnecessária aos parceiros ocidentais.
A articulação do equilíbrio entre China e EUA é complexa, mas o princípio é simples: mais pragmatismo, menos ideologia.