Conforme levantamento do Estadão, mais da metade das reclamações no Supremo Tribunal Federal (STF) neste ano trata de questões relacionadas ao direito trabalhista. A Corte virou um balcão de recursos para impor limites ou corrigir decisões da Justiça do Trabalho.
O fenômeno não é novo. A litigiosidade em geral no Brasil já é comparativamente aberrante: são mais de 100 milhões de ações, ou seja, uma para cada dois cidadãos. Os cerca de 2,5 milhões de processos tramitando na Justiça do Trabalho fazem do Brasil campeão mundial de passivos trabalhistas.
Historicamente, na legislação trabalhista e, sobretudo, na Justiça vicejou uma concepção ideológica segundo a qual toda relação entre empregador e empregado envolve algum tipo de injustiça constitutiva. Entre os juízes trabalhistas prevaleceu a ideia de que sua missão seria corrigir essas injustiças. O ônus quase nulo para litigâncias infundadas, combinado à generosidade dos juízes, generalizou a percepção de que sempre vale a pena para o trabalhador entrar com alguma reclamação. O custo da indústria de litigâncias não está apenas no congestionamento da Justiça, mas no desestímulo às empresas, sobretudo pequenas e médias, a empregar mais pessoas. No afã de fazer “justiça social” a cada trabalhador, os juízes ativistas prejudicam coletivamente os trabalhadores, impondo barreiras à criação de empregos, estimulando a perpetuação do mercado informal e, com isso, afastando investimentos e freando o crescimento.
A fim de reduzir o “custo Brasil”, a reforma trabalhista de 2017 eliminou entraves de uma legislação esclerosada. Os legisladores definiram, por exemplo, que acordos coletivos concretos prevalecem sobre leis genéricas, normatizou o trabalho intermitente e remoto e impôs custos às litigâncias infundadas.
Mesmo após o STF ter decidido pela constitucionalidade de medidas como essas, os justiceiros sociais togados continuam a decidir contrariamente à lei. “O órgão máximo da Justiça especializada, o TST (Tribunal Superior do Trabalho), tem colocado alguns entraves em opções políticas chanceladas pelo Executivo e pelo Legislativo”, constatou o ministro do STF Gilmar Mendes.
“A ideia desse grupo (de juízes) é, através da jurisprudência, pressionar para mudar a reforma trabalhista, mas ele não é legislador”, avaliou o professor de direito trabalhista da Fundação Getulio Vargas Paulo Renato Fernandes da Silva. “Então, eles começam a declarar tudo inconstitucional e a negar a aplicação da reforma trabalhista. Isso tudo vai parar onde? Para o Supremo.” Em 2018, um ano após a reforma, as reclamações contra decisões do TST somavam 41% das ações no STF. Hoje são 54%.
As principais controvérsias se dão em torno das regras que liberam a terceirização, com a possibilidade de transformação de colaboradores em pessoas jurídicas. O STF já validou essa modalidade de contratos, mas, baseada em antigas súmulas, a Justiça do Trabalho insiste em defini-los como vínculos de emprego.
A insegurança jurídica, com todas as suas consequências para a credibilidade da Justiça e o ambiente de negócios, se prolifera. A reforma deveria reduzir o mercado dos litigantes profissionais, mas a Justiça do Trabalho insiste em mantê-lo lucrativo, contribuindo para perpetuar um dos maiores, mais caros e mais lentos Judiciários do mundo. E também um dos mais irracionais.
Os juízes trabalhistas têm todo o direito a cultivar sua concepção de justiça social e desejar que ela seja consolidada em lei. Para isso têm, como todo cidadão, o seu voto. Se quiserem ir além, podem abandonar a toga e partir para o ativismo ou disputar cargos no Legislativo e no Executivo. Mas valer-se de chicanas para reverter à força de seus martelos as decisões dos representantes eleitos é coisa que atenta profundamente contra o Estado Democrático de Direito. Assim como todo cidadão, inclusive legisladores e governantes, tem a obrigação de cumprir decisões judiciais das quais discorda, os juízes têm a obrigação, mesmo a contragosto, de aplicar as leis decididas pelos representantes eleitos.