A crise de confiança por que passa o jornalismo profissional é global. Nos Estados Unidos, uma recente pesquisa realizada pelo Pew Research Center revelou dados alarmantes. Quando questionados sobre a frequência com que acompanhavam o noticiário, apenas 38% dos americanos adultos – a partir de uma base de 12.147 pessoas ouvidas pelo instituto em agosto do ano passado – responderam que se informavam “o tempo todo ou quase o tempo todo”. Em 2016, mais da metade dos americanos adultos (51%) dizia prestar atenção ao noticiário com essa frequência.
Outro dado chocante trazido pelo Pew diz respeito diretamente à credibilidade dos meios de comunicação ditos tradicionais. Em 2022, apenas 15% dos americanos adultos disseram acreditar “muito” que os veículos jornalísticos nacionais publicam notícias de forma justa e precisa. A confiança nos jornais locais é um pouco maior (17%), mas ainda sofrível. Em 2016, esses porcentuais de confiança absoluta eram de 18% e 22%, respectivamente. No ano passado, ainda de acordo com a pesquisa, 46% dos entrevistados disseram confiar “um pouco” nos veículos de alcance nacional, ante 54% que disseram o mesmo sobre a mídia local.
A análise do Pew Research Center, com base em dados coletados entre 2016 e 2022, abrange todo o tormentoso mandato presidencial de Donald Trump, um inimigo declarado do jornalismo profissional e, pior, da verdade factual. Porém, por mais tentador que seja fazê-lo, é um erro atribuir o declínio da confiança nos meios de comunicação aos ataques desferidos por Trump contra os jornalistas e contra os fatos. Antes, a ascensão política de uma liderança disruptiva como o ex-presidente americano é um sintoma, não causa, desse processo de erosão do reconhecimento da verdade factual sobre a qual o jornalismo profissional, para defender sua própria razão de ser, não pode se eximir de responsabilidade.
Além de um certo “estresse noticioso”, chamemos assim, cada vez mais pessoas têm procurado consumir apenas as “notícias” que vêm de fontes que confirmam suas crenças e vieses político-ideológicos, proporcionando-lhes o conforto emocional que só informações tendenciosas podem dar. Os veículos de imprensa, por sua vez, não raro têm cometido o erro de confundir aumento da presença no universo digital com a genuflexão à lógica das redes sociais, espaço em que as emoções e as percepções pessoais da realidade valem muito mais do que os fatos.
Como diria Mark Twain, no entanto, as notícias sobre a morte do jornalismo profissional são bastante exageradas. Os desafios são imensos, é claro, sobretudo a partir da massificação das redes sociais digitais, graças às quais os meios de comunicação ditos tradicionais deixaram de ser os únicos mediadores do debate público. Seja por desconhecimento dos rigores da profissão, seja por má-fé, não faltaram vozes nos últimos anos a pontificar que, da noite para o dia, qualquer indivíduo com um smartphone na mão virou jornalista. Porém, para desgosto de seus detratores, o jornalismo profissional não só está vivo, como se mostra hoje mais essencial do que nunca. Em meio ao vertiginoso fluxo de informações que exasperam bilhões de pessoas mundo afora, uma curadoria responsável é artigo de primeiríssima necessidade.
Precisamente por sua extrema relevância nesses tempos em que as noções de “verdade” e “mentira” não se distinguem mais pelo reconhecimento comum da realidade factual, mas sim por crenças e vieses individuais, é que o jornalismo profissional tem o dever de olhar para dentro, refletir sobre seus erros e tratar de corrigi-los o mais rápido possível. Disso depende a solidez da democracia nas sociedades livres, como a brasileira. Nada menos. “A credibilidade do jornalismo”, dissemos neste página há poucos dias, “será tanto maior quanto maior for a sua humildade” (ver O bom combate do jornalismo, 29/10/2023).
Curiosamente, o jornalismo profissional está passando por uma crise para a qual a solução há muito é conhecida: apego aos fatos e respeito ao público. E respeitar o público não raro significa incomodá-lo, pondo à prova suas crenças mais enraizadas.