Conforme muitas análises publicadas imediatamente após a divulgação da notícia, a cirurgia sofrida pelo presidente Lula da Silva, na madrugada de terça-feira (10/12), jogou luz sobre a sucessão de 2026 para o Palácio do Planalto – ainda que o assunto já ocupasse muitos corações e mentes bem antes de Lula ser submetido à drenagem de um hematoma provocado por hemorragia intracraniana, consequência do tombo que levou enquanto cortava as unhas do pé.
Entre avaliações mais sensíveis e cuidadosas diante do estado de saúde do presidente, e outras que mal escondem o desejo de antecipação de sua retirada de cena, houve também aquelas que são negação em estado bruto: a sensação, exibida especialmente por morubixabas lulopetistas, de que é uma impossibilidade histórica não poder contar com a sua presença em 2026. Afinal, segundo tal ótica, Lula é o presidente da República, a maior liderança do Partido dos Trabalhadores (PT) e inquestionavelmente o maior triunfo da esquerda para enfrentar o bolsonarismo. E é mesmo. Poucos hão de duvidar que o futuro de Lula afetará diretamente as possibilidades de um partido com evidente dificuldade de encontrar um sucessor.
Mas a cirurgia de Lula e as incertezas dela decorrentes – incluindo uma segunda intervenção, anunciada ontem – mostram que, daqui para a frente, o Brasil precisará lidar, aberta e responsavelmente, com a questão. É o momento de reconhecer que, pelo menos nos próximos dois anos, a saúde de Lula será um tema nacional.
Não é uma discussão trivial, mas um imperativo, levando-se em conta tanto a saúde do presidente quanto sua idade. Como se sabe, hoje com 79 anos, o presidente terá 81 em 2026 – e encerrará um eventual segundo mandato com respeitáveis 85 anos. Se fosse um cidadão comum, suas condições de saúde só interessariam a ele próprio e à sua família. Mas Lula é, repita-se, o presidente da República. Não se trata de preconceito ou etarismo, como alguns argumentam, mas uma inevitabilidade da vida: é direito do País refletir sobre a capacidade de um mandatário – qualquer mandatário, diga-se – de entender a realidade à sua volta e de tomar as melhores decisões, assim como demonstrar condições físicas boas o suficiente para lidar com a rotina e as pressões que a Presidência exige.
As consequências do seu tombo podem ter sido agravadas em decorrência da idade, informam análises médicas. Se bem mais jovem, nem o tombo de outubro nem o hematoma de agora produziriam o que produziram. Pouco antes de ser levado ao hospital, Lula estava abatido, cansado, com dor e mal-estar, com a missão de liderar uma reunião importantíssima, destinada a estancar o sangramento político do governo no Congresso. Imaginar se o presidente estava em condições num momento delicado como esse, que lhe exigiria argúcia e preparo, está longe de ser um exercício restrito a cassandras antipetistas. Que Lula, o PT e seus aliados se acostumem com a ideia de se verem questionados sobre esse tema sensível.
O exemplo do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, é inevitavelmente uma inspiração. Durante meses, a Casa Branca e lideranças do Partido Democrata tentaram ao máximo varrer para baixo do tapete o tema da idade de Biden. Quem ousasse questionar sua capacidade mental era tratado como uma agente de desinformação da extrema direita. A ideia de que ele estava em forma para um novo mandato só fracassou mesmo num debate com Donald Trump: com lapsos, incoerências, gaguejos e outras demonstrações de fragilidade, Biden gerou a pressão definitiva para que renunciasse à candidatura. A saída tardia da disputa complicou ainda mais o que já era difícil para os democratas, e o demagogo Trump foi eleito.
Mas que fique claro desde já: velhice não é sinônimo de senilidade, muito menos de doença. O que estará em questão, isso sim, é se Lula tem saúde e lucidez compatíveis com os imensos desafios à sua frente. Encarar esse debate é não só legítimo, como incontornável.