O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que enviará ao Legislativo a segunda fase da reforma tributária junto com o projeto do Orçamento de 2024. Em entrevista ao podcast O Assunto, Haddad defendeu a tramitação conjunta das duas propostas como uma forma de atingir a meta de zerar o déficit fiscal no ano que vem. “Para garantir as metas do marco fiscal, preciso que o Congresso aprecie essa segunda etapa com a peça orçamentária, que terá como pressuposto a aprovação dessas medidas pelo Congresso. Caso contrário, haverá restrição na peça orçamentária”, afirmou.
Diante da retumbante aprovação, pela Câmara, da primeira etapa da reforma tributária, sobre consumo, o plano de Haddad não parecia tão ousado. Afinal, a tão sonhada reforma, discutida por 35 anos sem que fosse possível chegar a um consenso, finalmente recebeu o aval dos deputados. Em pleno mês de julho, período em que o Legislativo diminuiu o ritmo dos trabalhos, o Senado definiu que a relatoria da proposta será de Eduardo Braga (MDB-AM). E a despeito da longa transição até que o novo sistema seja implementado, a mera aprovação da reforma já foi capaz de trazer uma perspectiva de resultado presente aos investidores. “Começam a olhar as coisas melhor no curto prazo”, afirmou Eduardo Fleury, consultor do Banco Mundial, ao Estadão.
Seria natural, portanto, que o governo quisesse aproveitar um Congresso menos hostil e um momento econômico mais favorável para enviar uma nova fase da reforma. Mas Haddad acabou por recuar e, agora, deve enviá-la “mais para o fim do ano”.
Fez bem o ministro. Muito do ambiente benigno que o governo encontrou na apreciação da proposta sobre consumo se deu pelo colapso de um sistema que está por trás das perdas da indústria e das dificuldades financeiras dos Estados e municípios. No caso da segunda etapa da reforma, que incidirá sobre a renda, o clima tem tudo para ser muito diferente.
A premissa que pautou as discussões da primeira etapa era que a reforma fosse neutra – ou seja, que não aumentasse os impostos de nenhum setor. Na fase da reforma sobre renda, no entanto, o governo não esconde a intenção de elevar a carga tributária. Esse aumento, segundo a equipe econômica, viria de uma redistribuição dos impostos, onerando setores que atualmente pagam menos.
Além da tributação de lucros e dividendos de acionistas de companhias, estariam na mira do governo o corte de renúncias fiscais de pessoas jurídicas, deduções em saúde e educação de pessoas físicas, profissionais liberais que atuam como empresas e fundos de investimento isentos. Para isso, será preciso enfrentar interesses difusos e grupos heterogêneos, mas certamente nenhum deles avalia que paga poucos impostos na proporção de seus rendimentos.
Ao vincular a segunda etapa da reforma ao Orçamento e à meta fiscal, o governo adotaria uma estratégia realista sob o ponto de vista de receitas, mas perigosa sob o ponto de vista político. Seria uma forma de dividir a responsabilidade pelo resultado fiscal com o Congresso, mas há que destacar que os parlamentares nem sempre entregam o que o governo quer, sobretudo quando se sentem pressionados.
É bom lembrar que a Câmara chegou a aprovar um projeto de teor semelhante em 2021, mas, quando chegou ao Senado, o texto não conseguiu vencer nem a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), fase inicial de tramitação na Casa. Ao tentar associar a resistência dos senadores ao projeto aos obstáculos para reajustar o piso do antigo Auxílio Brasil, o então ministro da Economia, Paulo Guedes, jogou uma pá de cal sobre a proposta e colheu novos buracos no teto de gastos para bancar o benefício social em ano eleitoral.
Espera-se que o governo Lula mantenha, na segunda etapa da reforma, o mesmo pragmatismo político com que tratou a primeira. Disso depende a credibilidade do arcabouço fiscal no médio e longo prazos. Se reduzir o déficit fiscal parece algo improvável neste ano, a ideia de zerá-lo será impossível se o governo não tratar cada uma das etapas da reforma tributária com muito cuidado no Congresso.