O presidente da Natura, Fábio Barbosa, disse recentemente em entrevista ao Estadão que a esquerda “não tem o monopólio de querer o bem da sociedade”. Há tempos a esquerda brasileira vem construindo essa mitologia a respeito de sua inata sensibilidade social, em profundo contraste com o que seria o patológico desdém da direita em relação aos pobres. “Eu me incomodo muito com a crítica de que pessoas de direita, no sentido da orientação econômica, não têm sensibilidade, o que não é verdade”, disse o empresário, expressando corajosamente um desconforto que certamente não é só dele.
A liderança de Lula da Silva nas pesquisas de intenção de voto, com a perspectiva real de uma vitória do petista na eleição presidencial de outubro, deu novo vigor a essa retórica esquerdista. Como se o desastre das administrações petistas jamais tivesse acontecido, Lula se apresenta como o único capaz de salvar o povo ora esfolado pelo ultradireitismo cruel do presidente Jair Bolsonaro.
O darwinismo social de Bolsonaro e do ministro da Economia, Paulo Guedes, dá algum sentido ao discurso de Lula – afinal, esse tenebroso governo, que só se interessa pelos pobres na exata medida de seus objetivos eleitorais, se apresenta como perfeito contraponto ao esquerdismo petista. Por esse motivo, é muito bom que a direita brasileira que não se identifica com o bolsonarismo, isto é, que não aprova a truculência, a desordem e a desumanidade do atual presidente, reclame lugar nos debates defendendo seus verdadeiros ideais liberais – e, assim, oferecendo alternativas civilizadas e racionais ao País.
Se o extremismo bolsonarista não foi capaz de cumprir sua retumbante promessa de acabar com o atraso brasileiro – e as pesquisas parecem indicar que isso já ficou claro, há bastante tempo, para a maioria do eleitorado –, isso não significa que o País esteja condenado a, em compensação, aceitar que a única forma de içá-lo do abismo social no qual despencou é o modelo lulopetista de gastança e irresponsabilidade.
Ora, a fome e a miséria a que estão condenados milhões de brasileiros não começaram ontem. São fruto de um processo de degradação da administração pública e da política que, a bem da verdade, se origina de uma ideia equivocada de papel do Estado – que no lulopetismo, nunca é demais lembrar, chegou ao seu estado da arte.
Para os adeptos da seita de Lula da Silva, o Estado é o princípio e o fim – e tudo o mais vai necessariamente a seu reboque. Criam-se legiões de dependentes desse Estado, dos mais pobres moradores nos confins do Brasil aos empresários adictos de favores e isenções. Retira-se da sociedade o ímpeto do desenvolvimento por sua própria iniciativa e risco. Anestesia-se o debate sobre os rumos do País, restrito à nomenklatura do partido que se pretende hegemônico e de seus satélites regiamente remunerados com dinheiro público.
Por esse motivo, é crucial que a direita, como fez Fabio Barbosa na entrevista ao Estadão, defenda a “sociedade aberta” – aquela que, na definição de Karl Popper, tem consciência de suas falhas e em que seus integrantes, por esse motivo, são livres para discutir civilizadamente as maneiras de superá-las. Para o bolsonarismo e o lulopetismo, o debate, quando existe, está limitado pelo autoritarismo messiânico de seus líderes, que reduzem tudo a um embate existencial entre o bem e o mal, ou entre “nós” e “eles” – simplismo de grande apelo popular que, no entanto, é incapaz de encaminhar soluções reais para problemas complexos.
Não há fórmula mágica para escapar da armadilha do populismo, e é compreensível que haja um desânimo de parte da sociedade com a degradação da democracia e, como consequência, com a aparente incapacidade do País de sair de seu labirinto histórico, marcado por inúmeras “décadas perdidas”. Mas, ao contrário das aparências, o Brasil não está condenado a escolher entre um populista de extrema direita e um demagogo estatólatra. Como sugeriu Fábio Barbosa, é preciso estimular a sociedade a ter coragem de ser protagonista de seu destino.