Algo terrível aconteceu com nossas crianças e adolescentes. Segundo levantamento do Estadão, no Brasil as internações de jovens de 13 a 29 anos por estresse e ansiedade aumentaram 139% em 10 anos. É um fenômeno encontradiço no Ocidente. O senso comum, corroborado por pesquisas, é o de que os índices de felicidade são tradicionalmente maiores entre os jovens, declinam na idade adulta e se recuperam na velhice. Mas, segundo o Relatório da Felicidade Mundial, desde 2010 a percepção de felicidade entre os jovens caiu drasticamente, a um patamar menor que o dos idosos. Os jovens socializam menos, dizem-se mais solitários, namoram menos, ficam mais tempo na casa dos pais, começam a trabalhar mais tarde e têm menos interesse em ter filhos que as gerações anteriores. O desempenho no Pisa, o teste global de educação, declinou.
É preciso cautela contra catastrofismos. As aflições dos jovens já são dramáticas o suficiente para serem exageradas por generalizações simplistas. Há aspectos positivos. Especialmente nas classes e países ricos, a delinquência juvenil, o abuso de drogas ou álcool e a gravidez precoce diminuíram. Nas últimas gerações, a qualidade de vida melhorou massivamente, especialmente nos países pobres. Miséria, analfabetismo, mortes infantis ou maternas caíram mais acentuadamente que em qualquer época da história da humanidade. A renda e o salário inicial dos jovens é maior que os de seus pais e avós.
Mas esse lado luminoso só torna o lado obscuro mais tenebroso, e o paradoxo, mais perturbador: por que a juventude materialmente mais privilegiada, mais escolarizada, com mais acesso à informação e que mais consome serviços de saúde mental na história está tão deprimida e ansiosa?
Há a herança dos antepassados. A elevação do bem-estar parece ter sido acompanhada por uma degradação do capital social, das comunidades locais e da confiança cívica. A combinação de desestruturação dos núcleos familiares e polarizações tóxicas na esfera pública intensificam fenômenos antagônicos, como o individualismo e o tribalismo, a apatia e o fanatismo.
As ansiedades dos pais com os riscos e a competitividade do mundo acentuaram uma cultura protecionista. Passando mais tempo sozinhos ou em atividades formativas, e menos em brincadeiras e jogos ao ar livre entre si, as crianças têm menos oportunidades de desenvolver habilidades socioemocionais como tolerância à adversidade, apetite a riscos e resolução de conflitos.
Tecnologias digitais agravam o problema. Videogames e redes sociais são programados para viciar. Num momento de intensas transformações físicas, cerebrais e hormonais, os adolescentes, especialmente sensíveis a comparações e intimidações sociais, interagem menos face a face, e são estimulados a competições performáticas por popularidade nas mídias digitais.
O psicólogo social Jonathan Haidt, autor de A Geração Ansiosa, um dos livros mais bem informados sobre a crise dos jovens, resumiu: “Acabamos hiperprotegendo as crianças no mundo real enquanto as subprotegemos no mundo virtual”. A psiquê humana, diz Haidt, possui um mecanismo adaptativo, como um termostato, que pode ativar o “modo descoberta” ou o “modo defesa” conforme a situação. É como se os termostatos da Geração Z tivessem sido alterados para o “modo defesa”. Nos campi, jovens hipersensíveis a “microagressões” equiparam palavras a “violência” e exigem “espaços seguros”. Nosso mundo é objetivamente mais rico e menos violento que o dos nossos pais, mas para nossos filhos é subjetivamente mais ameaçador. Além dos transtornos mentais, há outros danos, como atenção fragmentada, evasão social e perda de sentido.
Pode ser difícil para uma família individual restringir o acesso de crianças e adolescentes ao mundo virtual, e oferecer mais autonomia, atividades livres e responsabilidades no mundo real, mas será muito mais fácil se famílias, escolas e comunidades se coordenarem e agirem em conjunto. Muitos jovens estão presos em armadilhas coletivas que só ações coletivas podem desarmar. O futuro depende, literalmente, dessa cooperação.