O contencioso tributário entre contribuintes e o Estado brasileiro agora tem uma cifra a delimitar de forma aproximada seu real tamanho: é de R$ 5,7 trilhões o valor total das ações administrativas e judiciais em que empresas e pessoas físicas disputam com União, Estados e municípios a respeito de cobrança de tributos, de acordo com levantamento do Núcleo de Pesquisas e Tributação do Insper, com base em dados disponíveis no exercício de 2020. Naquele ano, o Produto Interno Bruto (PIB) alcançou R$ 7,4 trilhões, o que significa que o valor dos litígios tributários chega à inacreditável marca de 77% do PIB.
O mapeamento do Insper, divulgado em reportagem do Estadão, comprova a importância inadiável da reforma tributária para corrigir a situação caótica que deteriora contínua e rapidamente o ambiente de negócios no Brasil. Mesmo não sendo a concertação ideal, é premente a regulamentação da reforma aprovada no fim do ano passado, depois de quatro décadas de discussões. Mas, diante da probabilidade da retirada do regime de urgência do projeto de lei que regulamenta a mudança tributária, o governo admite que a matéria deve ser empurrada para o ano que vem.
A decisão já foi tomada pelo Executivo, segundo informações deste jornal, depois de o Senado deixar expirar o prazo de 45 dias para a votação. A partir daí, o projeto passou a trancar a pauta, ou seja, nenhuma outra medida pode ser avaliada, a não ser que a urgência seja retirada. Os parlamentares alegam precisar de mais tempo para discutir o assunto – o que não deixa de ser uma ironia, depois dos cerca de 40 anos de debates. Passadas as eleições municipais, quem sabe o trâmite legislativo venha a ganhar mais celeridade.
No estudo do Insper, os pesquisadores chamam a atenção para a necessidade prioritária de o País melhorar o sistema de cobrança de impostos sobre o consumo, responsável por mais de dois terços do enorme contencioso. Diante dos 16 anos de duração média de cada processo, não é difícil identificar porque o Brasil encontra tanta dificuldade em atrair e reter investidores. Todas as 371 empresas de capital aberto negociadas na bolsa de valores de São Paulo valem juntas R$ 1 bilhão a menos do valor que está em jogo nas ações tributárias.
A aprovação histórica do novo arcabouço tributário, em dezembro de 2023, não teve um percurso indolor no Congresso. A ação de lobbies os mais diversos, que obtiveram respaldo dos parlamentares, desfigurou pontos importantes que fizeram a alíquota de referência para o imposto de bens e serviços subir de 26,5% para 28%. Exceções, benefícios e regimes especiais enfraqueceram o impacto do Imposto sobre Valor Agregado (IVA), mas não alteram a previsão de que, com a reforma, o potencial de litígios tributários diminuirá.
Apesar da perspectiva de que haja novas disputas judiciais, a começar por medidas como a criação do “imposto do pecado” – cuja incidência parece respeitar critérios demagógicos, e não objetivos –, nada se compara à barafunda tributária que o País acumulou até aqui. Aqui, um produto pode ser taxado de forma diferente apenas ao mudar de designação, como num caso famoso em que um bombom teve a alíquota do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) reduzida de 5% para 3,25% ao se tornar “biscoito wafer”.
Assim como o Imposto Seletivo, outros pontos podem suscitar disputas, como o Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) e do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação(ITCMD), como destacam os pesquisadores do Insper. Mas, a simplificação tributária, além facilitar o investimento, tende a diminuir a escalada dos recursos que em 2018 totalizaram R$ 4,9 trilhões e, dois anos depois, havia aumentado em 17%.
A primeira parte da regulamentação da reforma tributária chegou ao Senado no início de agosto e deveria ter sido discutida e votada antes das eleições municipais. Postergando a tramitação, o Congresso colabora para a sobrevida da barafunda tributária.