Toda discussão sobre a política econômica do governo de Luiz Inácio Lula da Silva ficou em segundo plano depois do ataque à democracia promovido por golpistas que se recusam a aceitar a vitória do petista na disputa presidencial. No entanto, a despeito do rastro de destruição que as manifestações deixaram no último domingo, há um país a governar, o que amplia ainda mais a responsabilidade do governo federal nas decisões que terá de tomar a partir de agora.
Como mostrou o Estadão, a equipe do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, prepara medidas de ajuste fiscal com o objetivo de estabilizar a trajetória da dívida pública em 76% do Produto Interno Bruto (PIB) nos próximos quatro anos e abrir caminho para reduzi-la depois desse período. Os cenários deixam claro o objetivo de impedir que a dívida bruta supere a marca de 80% do PIB até 2030. Trata-se de uma meta bastante desafiadora, diante de uma projeção de déficit primário de R$ 231 bilhões neste ano. Para enfrentar esse rombo, não há mágica. É preciso ampliar receitas e cortar despesas, uma ideia que tem muito apoio teórico, mas que encontra enormes obstáculos para a execução prática.
A primeira semana de governo não produziu boas expectativas. Para reduzir o buraco das contas públicas, a decisão óbvia a ser tomada era reonerar os combustíveis, tema que deu ao ministro da Fazenda sua primeira derrota pública. Trata-se de medida de caráter impopular, cujo impacto poderia ampliar a insatisfação com o novo governo, mas não há dúvida de que seria uma ação concreta na direção da reversão estrutural do déficit.
O dilema não está restrito, no entanto, aos combustíveis. Voltar a tributar setores que foram beneficiados sem justificativa técnica é algo mandatório, mas de difícil aplicação, tendo em vista a força de alguns setores econômicos e sua influência no mundo político.
Já apelar a receitas extraordinárias para diminuir o déficit tem efeito meramente paliativo e não funciona no médio e longo prazos. Para ficar em algumas das ações sugeridas pela equipe de Haddad para reverter o saldo negativo entre receitas e despesas, a utilização dos recursos do fundo PIS/Pasep não sacados, cujo saldo é estimado em R$ 23 bilhões, tem efeito muito limitado. Já esperar que o incentivo à redução da litigiosidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) renda R$ 53,77 bilhões é quase risível. A maioria dos grandes contribuintes derrotados em disputas tributárias apela ao Judiciário assim que a discussão na esfera administrativa se encerra, em batalhas que chegam a durar décadas.
É sintomático e muito preocupante, portanto, que a primeira reunião oficial de Haddad e sua equipe no Ministério tenha dado pouca ênfase às ações de redução dos gastos públicos. A revisão de contratos e programas, segundo o plano apresentado, renderia R$ 15 bilhões, enquanto a autorização para executar despesas menores que as autorizadas pelo Orçamento geraria R$ 25 bilhões.
O desequilíbrio das contas públicas é um problema de caráter bem mais amplo e duradouro, tem múltiplas causas e não será resolvido com ações pontuais. Do lado das receitas, uma reforma tributária ampla é urgente para simplificar o sistema, mas também é preciso discuti-la com realismo. Uma proposta neutra, sob o ponto de vista da arrecadação, deixou de ser uma meta factível para o tamanho do Estado brasileiro e suas muitas deficiências.
Sem descuidar da imprescindível redução dos gastos públicos – que não são reduzidos trocando o seu nome por “investimentos”, como quer Lula –, o lado das receitas é o que pode garantir os melhores resultados de reequilíbrio fiscal. Nesse sentido, um programa de avaliação e revisão de políticas públicas se mostra urgente e essencial.
Os atos golpistas de domingo reduziram o espaço e o tempo para erros na política e na economia. Assegurar a governabilidade do terceiro mandato de Lula não é desculpa para ampliar os gastos públicos ou para manter desonerações extemporâneas. A responsabilidade é ainda mais necessária.