O próximo governo vai começar com juros altos, crédito curto, quadro internacional desfavorável e crescimento econômico de apenas 1%, segundo as novas projeções do Banco Central (BC), apresentadas em seu relatório trimestral de inflação. O aumento dos preços ao consumidor, estimado em 4,8%, ainda ficará bem acima da meta oficial, fixada em 3,25%, mas pelo menos baterá no limite de tolerância. Em 2022 a inflação oficial, agora estimada em 5,8%, deverá superar esse marco pelo segundo ano consecutivo. Mais que a habitual exploração da economia nacional e do cenário externo, o relatório divulgado na quinta-feira contém a reafirmação de um compromisso: o aperto monetário vai continuar até a inflação convergir claramente para o centro do alvo. Pelos novos cálculos isso ocorrerá em 2024, quando a alta de preços deverá ficar em 2,8%, muito perto do objetivo central (3%).
O BC tem condições políticas de reafirmar esse compromisso, neste momento, porque sua autonomia operacional está garantida pela Lei Complementar n.º 179/2021. Além disso, o mandato de seu presidente, Roberto Campos Neto, só deverá terminar em 31 de dezembro de 2024. Essa independência, encontrada nos países democráticos mais avançados, favorece a condução técnica da política monetária, a busca da estabilidade de preços, a previsibilidade e a condução dos negócios. Seja quem for o presidente eleito, passará um sinal tranquilizador se deixar clara, desde logo, a disposição de evitar interferências no trabalho do Copom, o Comitê de Política Monetária do BC.
O novo governo poderá facilitar o controle da inflação se implantar bons padrões de administração das finanças públicas. Se tomar claramente esse caminho, evitará o efeito inflacionário da irresponsabilidade fiscal, transmitirá segurança e contribuirá para a estabilidade cambial. No Brasil, o dólar supervalorizado tem inflado os preços internos, interferindo na cadeia de produção e prejudicando os consumidores.
Em termos muito simples, mas corretos, a mensagem ao futuro governo pode ser assim resumida: procure ser competente e responsável em sua missão e deixe o BC realizar seu trabalho.
O relatório chama a atenção, também, para problemas estruturais. O pífio crescimento estimado para 2023 dependerá basicamente da agropecuária, com expansão prevista de 7,5%. Os serviços deverão avançar 0,8% e a produção industrial, 0,4%. Em retrocesso há pelo menos dez anos, o setor industrial depende de um projeto de recuperação para retomar o papel exercido nas economias em desenvolvimento ou emergentes.
Esse retorno deverá envolver muito mais que a mera redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) ou a redução de encargos trabalhistas, medidas propostas pelo atual ministro da Economia. Dependerá de muitos outros fatores, como a educação fundamental, a formação de mão de obra, a pesquisa tecnológica, os investimentos em modernização e a integração no mercado global. Negligenciadas a partir de 2019, todas essas tarefas poderão ser retomadas em 2023.