Em seu primeiro discurso já como presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva anunciou que o compromisso de seu novo governo será, “mais uma vez”, acabar com a fome, garantindo que toda a população brasileira possa fazer três refeições por dia. Sim, erradicar a miséria é a grande urgência do País. E o simples fato de que o direito à alimentação − condição indispensável à vida − enseje a principal promessa de um presidente recém-eleito dá a exata dimensão da tragédia social do País. A reboque desse esforço emergencial e indispensável, uma outra prioridade poderia ser incorporada ao discurso do futuro mandatário: assegurar que toda criança seja alfabetizada na idade certa, isto é, até o 2.º ano do ensino fundamental, como preconiza a Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
Não se trata de prioridades excludentes. Quem tem fome, por óbvio, não está em condições de aprender. Nesse sentido, é bem-vinda a intenção do futuro governo, por exemplo, de reajustar os repasses federais para a merenda nas escolas municipais e estaduais de todo o País, algo que foi negligenciado pelo governo do presidente Jair Bolsonaro. Para muitos alunos, a merenda constitui a principal refeição do dia. E é, digamos assim, a face mais imediata da interseção entre educação e direito à alimentação.
A longo prazo, a educação tem um poder muito maior, na medida em que transforma vidas e abre caminho para o mercado de trabalho e para a universidade, descortinando a perspectiva de mobilidade social. Os ganhos, claro, não se restringem ao plano individual de cada estudante e sua família. Quando convertida em projeto nacional, a educação conduz a saltos de produtividade, cidadania e crescimento econômico.
Para isso, porém, o ensino precisa ser de qualidade e para todos, o que, infelizmente, está longe de ser realidade no Brasil, lembrando que o déficit educacional é um problema histórico, obra de todos os governos que já dirigiram este país. Daí a urgência de que a alfabetização das crianças esteja no topo das prioridades de Lula da Silva em seu terceiro mandato no Palácio do Planalto. Não é mais possível postergar o enfrentamento de um desafio que corrói as possibilidades de desenvolvimento da nação. Como se sabe, ler e escrever são a chave para as demais aprendizagens.
Ano após ano, gerações de alunos têm seu futuro comprometido porque vão à escola, mas não adquirem as mais elementares habilidades e competências. Em recente entrevista a O Globo, o diretor executivo da Fundação Lemann, Denis Mizne, foi direto ao ponto: “A escola não pode ser uma fábrica de crianças analfabetas”. Mizne tinha em mente os resultados do mais recente Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), teste realizado em 2021, durante a pandemia de covid-19, quando aproximadamente um terço dos alunos do 2.º ano do ensino fundamental ficou nos níveis mais baixos de desempenho. Considerando que boa parte das crianças selecionadas para a amostra nem sequer compareceu, faz sentido supor que o retrato nacional seja, na verdade, ainda mais precário. Sem falar nas disparidades regionais que levam alguns Estados a ter situação bem pior que outros.
A educação clama por soluções após o retrocesso decorrente do fechamento de escolas na pandemia, problema agravado pela inoperância do Ministério da Educação (MEC) sob Bolsonaro. Nesse sentido, a belicosidade da campanha eleitoral em nada ajudou: em vez do debate de propostas para o País, o que se viu foi uma desagradável troca de acusações entre candidatos. Agora, a equipe de transição do novo governo, já nomeada, terá menos de dois meses para fazer um amplo diagnóstico e sugerir futuras ações.
Sem dúvida, o próximo governo acertará se reforçar os vínculos entre o Auxílio Brasil (que voltará a se chamar Bolsa Família) e a escolarização de crianças e adolescentes, o que pode ser feito por meio de condicionalidades e incentivos. Apenas garantir o acesso à escola, no entanto, não basta. É preciso que o ensino prime pela qualidade – o que significa que, para começar, as crianças devem ser alfabetizadas na idade certa. Isso deveria ser tão óbvio, para qualquer governante, quanto presumir que todos os cidadãos precisam se alimentar.