No último dia útil de 2023, uma assembleia extraordinária de acionistas da Eletrobras foi suspensa por duas liminares expedidas por desembargadores do Rio de Janeiro. A reunião, convocada havia um mês, iria decidir sobre a incorporação de Furnas, a maior de suas cinco subsidiárias, e já havia atingido o quórum necessário para deliberar quando as decisões proferidas por plantonistas durante o recesso judiciário interrompeu o processo.
A incorporação de Furnas faz parte da reestruturação da Eletrobras, desestatizada em 2022, por meio de uma capitalização que tirou da União o controle da companhia. O grupo virou uma “corporation”, como são rotuladas no mercado as empresas sem dono definido. Na nova etapa, tenta reorganizar a governança corporativa e reduzir custos operacionais e administrativos.
As liminares atenderam a pedidos da Associação dos Empregados de Furnas (Asef). Até aí, nada de incomum. Ao contrário, funcionários de companhias que migram da administração estatal para iniciativa privada costumam recorrer a liminares para barrar mudanças que, na grande maioria dos casos, levam ao enxugamento de quadros de pessoal, geralmente inchados.
A novidade desta vez foi o empenho do ministro Alexandre Silveira, que, por meio da assessoria do Ministério de Minas e Energia, tornou público seu descontentamento em relação à incorporação de Furnas, “um patrimônio de Minas”. Como ferrenho crítico da perda de poder do governo na Eletrobras, o mineiro Silveira já tentou, inclusive, atribuir à privatização o apagão de agosto de 2023, causado, confirmou-se depois, por falhas em parques solares e eólicos do Ceará.
Quando a Eletrobras foi criada, no início da década de 1960, para concentrar as empresas do setor elétrico, fazia sentido mantê-las independentes, para facilitar o investimento em um país continental. Ao longo de 60 anos, o segmento evoluiu, notadamente após a grave crise que levou ao racionamento de energia entre 2001 e 2002. O sistema integrado nacional não carece mais das subsidiárias separadas que, nas últimas décadas, serviram mais a interesses paroquiais de grupos políticos do que à estratégia de crescimento.
Note-se que, ao final de um eventual processo de incorporação, além da consolidação de atividades operacionais, seriam unificados cargos da alta administração que, durante a fase de estatal plena, se tornaram feudos de partidos políticos. De qualquer forma, a decisão sobre unificar ou não cabe à empresa.
Embora o “Grupo Governo” – como a Eletrobras define a União e as empresas e fundos a ela vinculados de alguma forma – detenha 46,7% do capital (dados de novembro/23), a mudança para “corporation” limitou seu poder de voto a 10%.
Por meio da Advocacia-Geral da União o governo Lula da Silva tenta reverter essa situação no Supremo Tribunal Federal; por meio dos sindicatos, tenta frear o processo de reestruturação da Eletrobras – interesse que parece atrelado a ganhos políticos, e não à oferta de bons serviços aos cidadãos.