Cientista político, sócio-diretor da Augurium Consultoria e membro das Academias Paulista de Letras e Brasileira de Ciências, Bolívar Lamounier escreve quinzenalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|Entre dois populismos, escolha o mais antigo


Sem ele, a América do Norte não teria a cultura do ‘homem comum’ e não seria o ícone mundial da democracia

Por Bolívar Lamounier

Populismo mais recente é o que todos conhecemos: o latino-americano; sua figura emblemática foi o comandante-general Juan Domingo Perón.

Como outros do gênero, Perón atingiu plenamente o objetivo que se propôs realizar: levar a Argentina de volta da riqueza para a pobreza. O brasileiro Getúlio Vargas deve ter nutrido sonhos parecidos, mas era muita areia para seu caminhãozinho. Em comparação, os estragos que causou foram modestos.

O populismo que prolifera cá por nossas bandas se distingue por dois traços bem nítidos. O primeiro, por óbvio, não precisa nos ocupar: é a arte de fazer caridade com o chapéu alheio. Para o populista de boa cepa, o “equilíbrio de contas” equivale a um soco no ouvido. Ele atinge a perfeição quando resolve realizar sua obra por interposta pessoa, como Lula fez via Dilma Rousseff, cujo governo arrastou-nos para a pior recessão de nossa história).

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O segundo atributo do populismo latino-americano é sua visceral incompatibilidade com o regime democrático. Ele opera meticulosamente para se identificar emocionalmente com uma parcela substancial dos cidadãos, para transformá-los em seu “povo”, cevando-o para um dia, valendo-se dele, solapar as instituições e assumir o poder em bases autocráticas. Da “polaca” redigida por Francisco Campos e outorgada por Getúlio Vargas na tarde de 10 de novembro de 1937, passando pelas “forças ocultas” de Jânio Quadros e culminando com Brizola ameaçando diretamente o Legislativo (“eu fecho este Congresso. Reforma agrária na lei ou na marra”), a história é bem conhecida, não precisamos praticar o sadismo de a recapitular.

Luiz Inácio Lula da Silva flertou com um enredo semelhante, mas logo concluiu que a esperteza lhe seria mais útil que sua escassa coragem. Adotou um figurino distinto. Na parte da manhã, trajando macacão, exercitava sua oratória na porta das fábricas; à tardinha, de terno e gravata, conversava com banqueiros sobre eventuais benesses. Atualmente, em seu terceiro mandato, parece ter entendido que lhe faltava um complemento, um quê de estadista. Se está tentando se redimir ou apenas se repaginando, só saberemos mais adiante. O futuro a Deus pertence.

O populismo mais antigo a que me referi é o dos Estados Unidos. Populismo nos Estados Unidos? Estarei a contar estrelas? Não, caro leitor, ele existiu, era chamado por esse nome e fez um enorme bem aos nossos irmãos do Norte. Sem ele, a América do Norte não teria a cultura do “homem comum” e não seria o ícone mundial da democracia. Se contarmos a partir da guerra de independência contra a Inglaterra, cujo marco inicial (1774) foi a tentativa britânica de tributar as colônias (o símbolo dessa ação foi o “imposto do selo”), estamos falando de um processo político que durou um século e meio. Em 1776, o Congresso americano decide suprimir a autoridade britânica nas colônias; o general George Washington força os britânicos a saírem de Boston; a convenção de Virgínia publica sua Bill of Rights (Declaração de Direitos) e o Congresso declara a Independência.

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Mas não pense o leitor que a essa altura o martelo já estava batido. Dirigindo-se à assembleia da Carolina, John Adams sentenciou: “Toda democracia é efêmera”. Ela cedo (se) desperdiça, se deixa exaurir e se mata. Nunca houve uma democracia que não cometesse suicídio. Se os senhores entregarem aos democratas uma fração da soberania, ou seja, se lhes outorgarem o comando ou a preponderância na assembleia, eles logo recorrerão ao voto para tomar a propriedade dos senhores, e se os senhores conseguirem escapar vivos, isso será o máximo de humanidade, consideração e generosidade que alguma democracia triunfante terá permitido desde sua invenção (Richard Hofstadter, página 12). Tudo isso sem esquecer que, em 1800, com o país consolidado, havia quem tentasse convencer o presidente George Washington a governar como um ditador militar.

Está, pois, coberto de razão o historiador Richard Hofstadter quando assevera que a América do Norte que hoje conhecemos não existiria sem a superlativa contribuição da linhagem de líderes, que hoje denominamos populista, cujo início pode ser contado a partir da “democracia jacksoniana”, na quarta década do século 19. Remontando à guerra de Independência e ao próprio Thomas Jefferson, passando por Andrew Jackson, William Jennings Bryan e seu Partido Populista de 1892-1896, a Theodore Wilson e ao senador La Follette, candidato em 1924, todos contrapuseram o “pequeno” ao “grande”, a periferia contra a plutocracia do leste, combateram os juros extorsivos cobrados pelos bancos e exigiram equidade na atuação do Estado. A diferença, já se vê, é que lá os “pequenos” falaram por si mesmos, tomando a iniciativa e exigindo a democratização das instituições e da sociedade. Impuseram a ideologia do pequeno proprietário – do “yeoman farmer” – e aceitaram o agigantamento do Estado promovida por Franklin Delano Roosevelt só quando a crise de 1929 forçou a mudança no sentido do Estado do Bem-Estar Social.

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SÓCIO-DIRETOR DA AUGURIUM CONSULTORIA, É MEMBRO DAS ACADEMIAS PAULISTA DE LETRAS E BRASILEIRA DE CIÊNCIAS

Populismo mais recente é o que todos conhecemos: o latino-americano; sua figura emblemática foi o comandante-general Juan Domingo Perón.

Como outros do gênero, Perón atingiu plenamente o objetivo que se propôs realizar: levar a Argentina de volta da riqueza para a pobreza. O brasileiro Getúlio Vargas deve ter nutrido sonhos parecidos, mas era muita areia para seu caminhãozinho. Em comparação, os estragos que causou foram modestos.

O populismo que prolifera cá por nossas bandas se distingue por dois traços bem nítidos. O primeiro, por óbvio, não precisa nos ocupar: é a arte de fazer caridade com o chapéu alheio. Para o populista de boa cepa, o “equilíbrio de contas” equivale a um soco no ouvido. Ele atinge a perfeição quando resolve realizar sua obra por interposta pessoa, como Lula fez via Dilma Rousseff, cujo governo arrastou-nos para a pior recessão de nossa história).

O segundo atributo do populismo latino-americano é sua visceral incompatibilidade com o regime democrático. Ele opera meticulosamente para se identificar emocionalmente com uma parcela substancial dos cidadãos, para transformá-los em seu “povo”, cevando-o para um dia, valendo-se dele, solapar as instituições e assumir o poder em bases autocráticas. Da “polaca” redigida por Francisco Campos e outorgada por Getúlio Vargas na tarde de 10 de novembro de 1937, passando pelas “forças ocultas” de Jânio Quadros e culminando com Brizola ameaçando diretamente o Legislativo (“eu fecho este Congresso. Reforma agrária na lei ou na marra”), a história é bem conhecida, não precisamos praticar o sadismo de a recapitular.

Luiz Inácio Lula da Silva flertou com um enredo semelhante, mas logo concluiu que a esperteza lhe seria mais útil que sua escassa coragem. Adotou um figurino distinto. Na parte da manhã, trajando macacão, exercitava sua oratória na porta das fábricas; à tardinha, de terno e gravata, conversava com banqueiros sobre eventuais benesses. Atualmente, em seu terceiro mandato, parece ter entendido que lhe faltava um complemento, um quê de estadista. Se está tentando se redimir ou apenas se repaginando, só saberemos mais adiante. O futuro a Deus pertence.

O populismo mais antigo a que me referi é o dos Estados Unidos. Populismo nos Estados Unidos? Estarei a contar estrelas? Não, caro leitor, ele existiu, era chamado por esse nome e fez um enorme bem aos nossos irmãos do Norte. Sem ele, a América do Norte não teria a cultura do “homem comum” e não seria o ícone mundial da democracia. Se contarmos a partir da guerra de independência contra a Inglaterra, cujo marco inicial (1774) foi a tentativa britânica de tributar as colônias (o símbolo dessa ação foi o “imposto do selo”), estamos falando de um processo político que durou um século e meio. Em 1776, o Congresso americano decide suprimir a autoridade britânica nas colônias; o general George Washington força os britânicos a saírem de Boston; a convenção de Virgínia publica sua Bill of Rights (Declaração de Direitos) e o Congresso declara a Independência.

Mas não pense o leitor que a essa altura o martelo já estava batido. Dirigindo-se à assembleia da Carolina, John Adams sentenciou: “Toda democracia é efêmera”. Ela cedo (se) desperdiça, se deixa exaurir e se mata. Nunca houve uma democracia que não cometesse suicídio. Se os senhores entregarem aos democratas uma fração da soberania, ou seja, se lhes outorgarem o comando ou a preponderância na assembleia, eles logo recorrerão ao voto para tomar a propriedade dos senhores, e se os senhores conseguirem escapar vivos, isso será o máximo de humanidade, consideração e generosidade que alguma democracia triunfante terá permitido desde sua invenção (Richard Hofstadter, página 12). Tudo isso sem esquecer que, em 1800, com o país consolidado, havia quem tentasse convencer o presidente George Washington a governar como um ditador militar.

Está, pois, coberto de razão o historiador Richard Hofstadter quando assevera que a América do Norte que hoje conhecemos não existiria sem a superlativa contribuição da linhagem de líderes, que hoje denominamos populista, cujo início pode ser contado a partir da “democracia jacksoniana”, na quarta década do século 19. Remontando à guerra de Independência e ao próprio Thomas Jefferson, passando por Andrew Jackson, William Jennings Bryan e seu Partido Populista de 1892-1896, a Theodore Wilson e ao senador La Follette, candidato em 1924, todos contrapuseram o “pequeno” ao “grande”, a periferia contra a plutocracia do leste, combateram os juros extorsivos cobrados pelos bancos e exigiram equidade na atuação do Estado. A diferença, já se vê, é que lá os “pequenos” falaram por si mesmos, tomando a iniciativa e exigindo a democratização das instituições e da sociedade. Impuseram a ideologia do pequeno proprietário – do “yeoman farmer” – e aceitaram o agigantamento do Estado promovida por Franklin Delano Roosevelt só quando a crise de 1929 forçou a mudança no sentido do Estado do Bem-Estar Social.

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Populismo mais recente é o que todos conhecemos: o latino-americano; sua figura emblemática foi o comandante-general Juan Domingo Perón.

Como outros do gênero, Perón atingiu plenamente o objetivo que se propôs realizar: levar a Argentina de volta da riqueza para a pobreza. O brasileiro Getúlio Vargas deve ter nutrido sonhos parecidos, mas era muita areia para seu caminhãozinho. Em comparação, os estragos que causou foram modestos.

O populismo que prolifera cá por nossas bandas se distingue por dois traços bem nítidos. O primeiro, por óbvio, não precisa nos ocupar: é a arte de fazer caridade com o chapéu alheio. Para o populista de boa cepa, o “equilíbrio de contas” equivale a um soco no ouvido. Ele atinge a perfeição quando resolve realizar sua obra por interposta pessoa, como Lula fez via Dilma Rousseff, cujo governo arrastou-nos para a pior recessão de nossa história).

O segundo atributo do populismo latino-americano é sua visceral incompatibilidade com o regime democrático. Ele opera meticulosamente para se identificar emocionalmente com uma parcela substancial dos cidadãos, para transformá-los em seu “povo”, cevando-o para um dia, valendo-se dele, solapar as instituições e assumir o poder em bases autocráticas. Da “polaca” redigida por Francisco Campos e outorgada por Getúlio Vargas na tarde de 10 de novembro de 1937, passando pelas “forças ocultas” de Jânio Quadros e culminando com Brizola ameaçando diretamente o Legislativo (“eu fecho este Congresso. Reforma agrária na lei ou na marra”), a história é bem conhecida, não precisamos praticar o sadismo de a recapitular.

Luiz Inácio Lula da Silva flertou com um enredo semelhante, mas logo concluiu que a esperteza lhe seria mais útil que sua escassa coragem. Adotou um figurino distinto. Na parte da manhã, trajando macacão, exercitava sua oratória na porta das fábricas; à tardinha, de terno e gravata, conversava com banqueiros sobre eventuais benesses. Atualmente, em seu terceiro mandato, parece ter entendido que lhe faltava um complemento, um quê de estadista. Se está tentando se redimir ou apenas se repaginando, só saberemos mais adiante. O futuro a Deus pertence.

O populismo mais antigo a que me referi é o dos Estados Unidos. Populismo nos Estados Unidos? Estarei a contar estrelas? Não, caro leitor, ele existiu, era chamado por esse nome e fez um enorme bem aos nossos irmãos do Norte. Sem ele, a América do Norte não teria a cultura do “homem comum” e não seria o ícone mundial da democracia. Se contarmos a partir da guerra de independência contra a Inglaterra, cujo marco inicial (1774) foi a tentativa britânica de tributar as colônias (o símbolo dessa ação foi o “imposto do selo”), estamos falando de um processo político que durou um século e meio. Em 1776, o Congresso americano decide suprimir a autoridade britânica nas colônias; o general George Washington força os britânicos a saírem de Boston; a convenção de Virgínia publica sua Bill of Rights (Declaração de Direitos) e o Congresso declara a Independência.

Mas não pense o leitor que a essa altura o martelo já estava batido. Dirigindo-se à assembleia da Carolina, John Adams sentenciou: “Toda democracia é efêmera”. Ela cedo (se) desperdiça, se deixa exaurir e se mata. Nunca houve uma democracia que não cometesse suicídio. Se os senhores entregarem aos democratas uma fração da soberania, ou seja, se lhes outorgarem o comando ou a preponderância na assembleia, eles logo recorrerão ao voto para tomar a propriedade dos senhores, e se os senhores conseguirem escapar vivos, isso será o máximo de humanidade, consideração e generosidade que alguma democracia triunfante terá permitido desde sua invenção (Richard Hofstadter, página 12). Tudo isso sem esquecer que, em 1800, com o país consolidado, havia quem tentasse convencer o presidente George Washington a governar como um ditador militar.

Está, pois, coberto de razão o historiador Richard Hofstadter quando assevera que a América do Norte que hoje conhecemos não existiria sem a superlativa contribuição da linhagem de líderes, que hoje denominamos populista, cujo início pode ser contado a partir da “democracia jacksoniana”, na quarta década do século 19. Remontando à guerra de Independência e ao próprio Thomas Jefferson, passando por Andrew Jackson, William Jennings Bryan e seu Partido Populista de 1892-1896, a Theodore Wilson e ao senador La Follette, candidato em 1924, todos contrapuseram o “pequeno” ao “grande”, a periferia contra a plutocracia do leste, combateram os juros extorsivos cobrados pelos bancos e exigiram equidade na atuação do Estado. A diferença, já se vê, é que lá os “pequenos” falaram por si mesmos, tomando a iniciativa e exigindo a democratização das instituições e da sociedade. Impuseram a ideologia do pequeno proprietário – do “yeoman farmer” – e aceitaram o agigantamento do Estado promovida por Franklin Delano Roosevelt só quando a crise de 1929 forçou a mudança no sentido do Estado do Bem-Estar Social.

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SÓCIO-DIRETOR DA AUGURIUM CONSULTORIA, É MEMBRO DAS ACADEMIAS PAULISTA DE LETRAS E BRASILEIRA DE CIÊNCIAS

Populismo mais recente é o que todos conhecemos: o latino-americano; sua figura emblemática foi o comandante-general Juan Domingo Perón.

Como outros do gênero, Perón atingiu plenamente o objetivo que se propôs realizar: levar a Argentina de volta da riqueza para a pobreza. O brasileiro Getúlio Vargas deve ter nutrido sonhos parecidos, mas era muita areia para seu caminhãozinho. Em comparação, os estragos que causou foram modestos.

O populismo que prolifera cá por nossas bandas se distingue por dois traços bem nítidos. O primeiro, por óbvio, não precisa nos ocupar: é a arte de fazer caridade com o chapéu alheio. Para o populista de boa cepa, o “equilíbrio de contas” equivale a um soco no ouvido. Ele atinge a perfeição quando resolve realizar sua obra por interposta pessoa, como Lula fez via Dilma Rousseff, cujo governo arrastou-nos para a pior recessão de nossa história).

O segundo atributo do populismo latino-americano é sua visceral incompatibilidade com o regime democrático. Ele opera meticulosamente para se identificar emocionalmente com uma parcela substancial dos cidadãos, para transformá-los em seu “povo”, cevando-o para um dia, valendo-se dele, solapar as instituições e assumir o poder em bases autocráticas. Da “polaca” redigida por Francisco Campos e outorgada por Getúlio Vargas na tarde de 10 de novembro de 1937, passando pelas “forças ocultas” de Jânio Quadros e culminando com Brizola ameaçando diretamente o Legislativo (“eu fecho este Congresso. Reforma agrária na lei ou na marra”), a história é bem conhecida, não precisamos praticar o sadismo de a recapitular.

Luiz Inácio Lula da Silva flertou com um enredo semelhante, mas logo concluiu que a esperteza lhe seria mais útil que sua escassa coragem. Adotou um figurino distinto. Na parte da manhã, trajando macacão, exercitava sua oratória na porta das fábricas; à tardinha, de terno e gravata, conversava com banqueiros sobre eventuais benesses. Atualmente, em seu terceiro mandato, parece ter entendido que lhe faltava um complemento, um quê de estadista. Se está tentando se redimir ou apenas se repaginando, só saberemos mais adiante. O futuro a Deus pertence.

O populismo mais antigo a que me referi é o dos Estados Unidos. Populismo nos Estados Unidos? Estarei a contar estrelas? Não, caro leitor, ele existiu, era chamado por esse nome e fez um enorme bem aos nossos irmãos do Norte. Sem ele, a América do Norte não teria a cultura do “homem comum” e não seria o ícone mundial da democracia. Se contarmos a partir da guerra de independência contra a Inglaterra, cujo marco inicial (1774) foi a tentativa britânica de tributar as colônias (o símbolo dessa ação foi o “imposto do selo”), estamos falando de um processo político que durou um século e meio. Em 1776, o Congresso americano decide suprimir a autoridade britânica nas colônias; o general George Washington força os britânicos a saírem de Boston; a convenção de Virgínia publica sua Bill of Rights (Declaração de Direitos) e o Congresso declara a Independência.

Mas não pense o leitor que a essa altura o martelo já estava batido. Dirigindo-se à assembleia da Carolina, John Adams sentenciou: “Toda democracia é efêmera”. Ela cedo (se) desperdiça, se deixa exaurir e se mata. Nunca houve uma democracia que não cometesse suicídio. Se os senhores entregarem aos democratas uma fração da soberania, ou seja, se lhes outorgarem o comando ou a preponderância na assembleia, eles logo recorrerão ao voto para tomar a propriedade dos senhores, e se os senhores conseguirem escapar vivos, isso será o máximo de humanidade, consideração e generosidade que alguma democracia triunfante terá permitido desde sua invenção (Richard Hofstadter, página 12). Tudo isso sem esquecer que, em 1800, com o país consolidado, havia quem tentasse convencer o presidente George Washington a governar como um ditador militar.

Está, pois, coberto de razão o historiador Richard Hofstadter quando assevera que a América do Norte que hoje conhecemos não existiria sem a superlativa contribuição da linhagem de líderes, que hoje denominamos populista, cujo início pode ser contado a partir da “democracia jacksoniana”, na quarta década do século 19. Remontando à guerra de Independência e ao próprio Thomas Jefferson, passando por Andrew Jackson, William Jennings Bryan e seu Partido Populista de 1892-1896, a Theodore Wilson e ao senador La Follette, candidato em 1924, todos contrapuseram o “pequeno” ao “grande”, a periferia contra a plutocracia do leste, combateram os juros extorsivos cobrados pelos bancos e exigiram equidade na atuação do Estado. A diferença, já se vê, é que lá os “pequenos” falaram por si mesmos, tomando a iniciativa e exigindo a democratização das instituições e da sociedade. Impuseram a ideologia do pequeno proprietário – do “yeoman farmer” – e aceitaram o agigantamento do Estado promovida por Franklin Delano Roosevelt só quando a crise de 1929 forçou a mudança no sentido do Estado do Bem-Estar Social.

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SÓCIO-DIRETOR DA AUGURIUM CONSULTORIA, É MEMBRO DAS ACADEMIAS PAULISTA DE LETRAS E BRASILEIRA DE CIÊNCIAS

Populismo mais recente é o que todos conhecemos: o latino-americano; sua figura emblemática foi o comandante-general Juan Domingo Perón.

Como outros do gênero, Perón atingiu plenamente o objetivo que se propôs realizar: levar a Argentina de volta da riqueza para a pobreza. O brasileiro Getúlio Vargas deve ter nutrido sonhos parecidos, mas era muita areia para seu caminhãozinho. Em comparação, os estragos que causou foram modestos.

O populismo que prolifera cá por nossas bandas se distingue por dois traços bem nítidos. O primeiro, por óbvio, não precisa nos ocupar: é a arte de fazer caridade com o chapéu alheio. Para o populista de boa cepa, o “equilíbrio de contas” equivale a um soco no ouvido. Ele atinge a perfeição quando resolve realizar sua obra por interposta pessoa, como Lula fez via Dilma Rousseff, cujo governo arrastou-nos para a pior recessão de nossa história).

O segundo atributo do populismo latino-americano é sua visceral incompatibilidade com o regime democrático. Ele opera meticulosamente para se identificar emocionalmente com uma parcela substancial dos cidadãos, para transformá-los em seu “povo”, cevando-o para um dia, valendo-se dele, solapar as instituições e assumir o poder em bases autocráticas. Da “polaca” redigida por Francisco Campos e outorgada por Getúlio Vargas na tarde de 10 de novembro de 1937, passando pelas “forças ocultas” de Jânio Quadros e culminando com Brizola ameaçando diretamente o Legislativo (“eu fecho este Congresso. Reforma agrária na lei ou na marra”), a história é bem conhecida, não precisamos praticar o sadismo de a recapitular.

Luiz Inácio Lula da Silva flertou com um enredo semelhante, mas logo concluiu que a esperteza lhe seria mais útil que sua escassa coragem. Adotou um figurino distinto. Na parte da manhã, trajando macacão, exercitava sua oratória na porta das fábricas; à tardinha, de terno e gravata, conversava com banqueiros sobre eventuais benesses. Atualmente, em seu terceiro mandato, parece ter entendido que lhe faltava um complemento, um quê de estadista. Se está tentando se redimir ou apenas se repaginando, só saberemos mais adiante. O futuro a Deus pertence.

O populismo mais antigo a que me referi é o dos Estados Unidos. Populismo nos Estados Unidos? Estarei a contar estrelas? Não, caro leitor, ele existiu, era chamado por esse nome e fez um enorme bem aos nossos irmãos do Norte. Sem ele, a América do Norte não teria a cultura do “homem comum” e não seria o ícone mundial da democracia. Se contarmos a partir da guerra de independência contra a Inglaterra, cujo marco inicial (1774) foi a tentativa britânica de tributar as colônias (o símbolo dessa ação foi o “imposto do selo”), estamos falando de um processo político que durou um século e meio. Em 1776, o Congresso americano decide suprimir a autoridade britânica nas colônias; o general George Washington força os britânicos a saírem de Boston; a convenção de Virgínia publica sua Bill of Rights (Declaração de Direitos) e o Congresso declara a Independência.

Mas não pense o leitor que a essa altura o martelo já estava batido. Dirigindo-se à assembleia da Carolina, John Adams sentenciou: “Toda democracia é efêmera”. Ela cedo (se) desperdiça, se deixa exaurir e se mata. Nunca houve uma democracia que não cometesse suicídio. Se os senhores entregarem aos democratas uma fração da soberania, ou seja, se lhes outorgarem o comando ou a preponderância na assembleia, eles logo recorrerão ao voto para tomar a propriedade dos senhores, e se os senhores conseguirem escapar vivos, isso será o máximo de humanidade, consideração e generosidade que alguma democracia triunfante terá permitido desde sua invenção (Richard Hofstadter, página 12). Tudo isso sem esquecer que, em 1800, com o país consolidado, havia quem tentasse convencer o presidente George Washington a governar como um ditador militar.

Está, pois, coberto de razão o historiador Richard Hofstadter quando assevera que a América do Norte que hoje conhecemos não existiria sem a superlativa contribuição da linhagem de líderes, que hoje denominamos populista, cujo início pode ser contado a partir da “democracia jacksoniana”, na quarta década do século 19. Remontando à guerra de Independência e ao próprio Thomas Jefferson, passando por Andrew Jackson, William Jennings Bryan e seu Partido Populista de 1892-1896, a Theodore Wilson e ao senador La Follette, candidato em 1924, todos contrapuseram o “pequeno” ao “grande”, a periferia contra a plutocracia do leste, combateram os juros extorsivos cobrados pelos bancos e exigiram equidade na atuação do Estado. A diferença, já se vê, é que lá os “pequenos” falaram por si mesmos, tomando a iniciativa e exigindo a democratização das instituições e da sociedade. Impuseram a ideologia do pequeno proprietário – do “yeoman farmer” – e aceitaram o agigantamento do Estado promovida por Franklin Delano Roosevelt só quando a crise de 1929 forçou a mudança no sentido do Estado do Bem-Estar Social.

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