Cientista político, sócio-diretor da Augurium Consultoria e membro das Academias Paulista de Letras e Brasileira de Ciências, Bolívar Lamounier escreve quinzenalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|Faz sentido tanto pessimismo?


Num país instável como o nosso, não é concebível que a maioria dos cidadãos se sinta satisfeita o tempo todo. O normal é uma lamúria interminável

Por Bolívar Lamounier

Alguns de meus leitores veem como exagero o pessimismo expresso nos textos que publico neste espaço.

Essa questão é de suma importância e muito oportuna. Oportuna, de um lado, porque começam a aparecer sinais de ativação na economia. De outro, porque o governo está estabelecendo o que denomina “um novo arcabouço fiscal”, que seria um avanço no sentido de uma futura reforma tributária.

Os dois pontos mencionados são importantes à luz da impressão de pessimismo que meus textos possam ter causado. Importantes e oportunos dependendo, é claro, do que venhamos a entender por pessimismo. Num país instável como o nosso, não é concebível que a maioria dos cidadãos se sinta satisfeita o tempo todo. O normal é uma lamúria interminável, quase constante, cujo teor subjetivo nada esclarece e nada contribui para melhorar a situação vigente. A presente discussão valerá a pena se por pessimismo entendermos uma avaliação de realidades objetivas, que possam ser comprovadas por meio da análise de estatísticas e da existência ou não de um sentimento semelhante entre os demais segmentos da sociedade. Dessa forma, podemos aquilatar se a economia permanecerá estagnada ou em retrocesso, como tem estado há vários anos, ou se aponta para um horizonte de efetiva recuperação.

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Para este ano, vem-se estimando um crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) superior a 2,0%, número expressivo, porque poderá afetar de forma positiva as expectativas para os anos seguintes. Caso se concretize, sem dúvida precisaremos repensar nossas avaliações, abaixando a bola do pessimismo. Registremos, no entanto, que tal crescimento será quase totalmente puxado pelo agronegócio. Ou seja, esse setor continuará a ser, como tem sido há um bom tempo, o pilar da segurança que temos desfrutado em nossas transações externas. Mas registremos, também, que o agronegócio não cumpre um papel relevante na criação de empregos. Amplamente mecanizado, não é dele que virá a reversão do brutal desemprego que o País começou a padecer desde a passagem da sra. Dilma Rousseff pelo Palácio do Planalto. Essa nota de cautela deve ser reforçada pelo fato de que, no presente momento, estamos nos contorcendo para voar com duas turbinas desligadas: a da indústria, reduzida a pífios 11% do PIB, e a do consumo, em prolongada baixa, pelas mesmas razões que catapultaram o desemprego para a estratosfera. Quem circular uma ou duas horas pela cidade forçosamente verá a formação de numerosas favelas em grandes avenidas, fenômeno obviamente associado ao fundo de poço em que caímos desde 2014.

O outro fator que mencionei é o chamado “arcabouço fiscal”, que o governo, a duras penas, conseguiu arrancar do Congresso Nacional. Confrontado com as contínuas “furadas de teto”, ele acertadamente optou por uma abordagem mais abrangente, pela via tributária, na expectativa de equilibrar as contas públicas sem os padecimentos a que é submetido ano após ano. Contudo, com os dados e as estimativas de que dispomos, é difícil de conceituar com segurança se se trata mesmo de um ensaio de reforma tributária ou de uma brutal tentativa de aumentar a arrecadação, vale dizer, de aumentar impostos, sem dó nem piedade. Após diversos anos celebrando seus feitos na transferência direta de renda aos necessitados, não descabe conjecturar que o governo vai apresentar-lhes a fatura, desta vez mirando setores amplos: o que habitualmente denominamos classe média, ou baixa classe média.

Neste estágio da luta, não temos como avaliar a dimensão de tal aumento, e muito menos sua distribuição entre os diferentes setores da economia. O que podemos afirmar com razoável segurança é que o setor de serviços (restaurantes, lanchonetes, pequenos negócios ligados ao turismo, etc.) será duramente atingido. E aqui cabem duas observações. Primeiro, grande parte desse setor já está na margem de sobrevivência. Mais um módico acréscimo no que entrega ao Fisco poderá provocar um efeito dominó de falências. Segundo, ao contrário do que ressaltei em conexão com o agronegócio, a área de serviços é essencial para a criação de empregos. Faço aqui uma projeção impressionista, isso é óbvio, mas permito-me sublinhar que a eventual concretização dela manterá ou aumentará a atual massa de desempregados, quando a promessa das novas autoridades federais era reduzi-la.

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Enredo óbvio, objetarão meus leitores, mesmo alguns dos que se têm esforçado para manter a esperança na retomada do crescimento e em avanços no campo do bem-estar. Sim, inteiramente previsível, notadamente quando vemos mais um governo tangenciando as grandes pedras que temos à frente. Quem tem olhos de ver e ouvidos de ouvir sabe que o Brasil só terá de fato saída quando desmontar aquele nosso velho conhecido, o Estado patrimonialista, quando acreditar no setor privado como dínamo do progresso, quando abandonarmos de vez a triste herança de uma economia fechada ao exterior e quando tivermos uma mísera ideia – uma, pelo menos – para refazer de alto a baixo o nosso teratológico sistema de ensino.

*

SÓCIO-DIRETOR DA AUGURIUM CONSULTORIA, É MEMBRO DAS ACADEMIAS PAULISTA DE LETRAS E BRASILEIRA DE CIÊNCIAS

Alguns de meus leitores veem como exagero o pessimismo expresso nos textos que publico neste espaço.

Essa questão é de suma importância e muito oportuna. Oportuna, de um lado, porque começam a aparecer sinais de ativação na economia. De outro, porque o governo está estabelecendo o que denomina “um novo arcabouço fiscal”, que seria um avanço no sentido de uma futura reforma tributária.

Os dois pontos mencionados são importantes à luz da impressão de pessimismo que meus textos possam ter causado. Importantes e oportunos dependendo, é claro, do que venhamos a entender por pessimismo. Num país instável como o nosso, não é concebível que a maioria dos cidadãos se sinta satisfeita o tempo todo. O normal é uma lamúria interminável, quase constante, cujo teor subjetivo nada esclarece e nada contribui para melhorar a situação vigente. A presente discussão valerá a pena se por pessimismo entendermos uma avaliação de realidades objetivas, que possam ser comprovadas por meio da análise de estatísticas e da existência ou não de um sentimento semelhante entre os demais segmentos da sociedade. Dessa forma, podemos aquilatar se a economia permanecerá estagnada ou em retrocesso, como tem estado há vários anos, ou se aponta para um horizonte de efetiva recuperação.

Para este ano, vem-se estimando um crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) superior a 2,0%, número expressivo, porque poderá afetar de forma positiva as expectativas para os anos seguintes. Caso se concretize, sem dúvida precisaremos repensar nossas avaliações, abaixando a bola do pessimismo. Registremos, no entanto, que tal crescimento será quase totalmente puxado pelo agronegócio. Ou seja, esse setor continuará a ser, como tem sido há um bom tempo, o pilar da segurança que temos desfrutado em nossas transações externas. Mas registremos, também, que o agronegócio não cumpre um papel relevante na criação de empregos. Amplamente mecanizado, não é dele que virá a reversão do brutal desemprego que o País começou a padecer desde a passagem da sra. Dilma Rousseff pelo Palácio do Planalto. Essa nota de cautela deve ser reforçada pelo fato de que, no presente momento, estamos nos contorcendo para voar com duas turbinas desligadas: a da indústria, reduzida a pífios 11% do PIB, e a do consumo, em prolongada baixa, pelas mesmas razões que catapultaram o desemprego para a estratosfera. Quem circular uma ou duas horas pela cidade forçosamente verá a formação de numerosas favelas em grandes avenidas, fenômeno obviamente associado ao fundo de poço em que caímos desde 2014.

O outro fator que mencionei é o chamado “arcabouço fiscal”, que o governo, a duras penas, conseguiu arrancar do Congresso Nacional. Confrontado com as contínuas “furadas de teto”, ele acertadamente optou por uma abordagem mais abrangente, pela via tributária, na expectativa de equilibrar as contas públicas sem os padecimentos a que é submetido ano após ano. Contudo, com os dados e as estimativas de que dispomos, é difícil de conceituar com segurança se se trata mesmo de um ensaio de reforma tributária ou de uma brutal tentativa de aumentar a arrecadação, vale dizer, de aumentar impostos, sem dó nem piedade. Após diversos anos celebrando seus feitos na transferência direta de renda aos necessitados, não descabe conjecturar que o governo vai apresentar-lhes a fatura, desta vez mirando setores amplos: o que habitualmente denominamos classe média, ou baixa classe média.

Neste estágio da luta, não temos como avaliar a dimensão de tal aumento, e muito menos sua distribuição entre os diferentes setores da economia. O que podemos afirmar com razoável segurança é que o setor de serviços (restaurantes, lanchonetes, pequenos negócios ligados ao turismo, etc.) será duramente atingido. E aqui cabem duas observações. Primeiro, grande parte desse setor já está na margem de sobrevivência. Mais um módico acréscimo no que entrega ao Fisco poderá provocar um efeito dominó de falências. Segundo, ao contrário do que ressaltei em conexão com o agronegócio, a área de serviços é essencial para a criação de empregos. Faço aqui uma projeção impressionista, isso é óbvio, mas permito-me sublinhar que a eventual concretização dela manterá ou aumentará a atual massa de desempregados, quando a promessa das novas autoridades federais era reduzi-la.

Enredo óbvio, objetarão meus leitores, mesmo alguns dos que se têm esforçado para manter a esperança na retomada do crescimento e em avanços no campo do bem-estar. Sim, inteiramente previsível, notadamente quando vemos mais um governo tangenciando as grandes pedras que temos à frente. Quem tem olhos de ver e ouvidos de ouvir sabe que o Brasil só terá de fato saída quando desmontar aquele nosso velho conhecido, o Estado patrimonialista, quando acreditar no setor privado como dínamo do progresso, quando abandonarmos de vez a triste herança de uma economia fechada ao exterior e quando tivermos uma mísera ideia – uma, pelo menos – para refazer de alto a baixo o nosso teratológico sistema de ensino.

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SÓCIO-DIRETOR DA AUGURIUM CONSULTORIA, É MEMBRO DAS ACADEMIAS PAULISTA DE LETRAS E BRASILEIRA DE CIÊNCIAS

Alguns de meus leitores veem como exagero o pessimismo expresso nos textos que publico neste espaço.

Essa questão é de suma importância e muito oportuna. Oportuna, de um lado, porque começam a aparecer sinais de ativação na economia. De outro, porque o governo está estabelecendo o que denomina “um novo arcabouço fiscal”, que seria um avanço no sentido de uma futura reforma tributária.

Os dois pontos mencionados são importantes à luz da impressão de pessimismo que meus textos possam ter causado. Importantes e oportunos dependendo, é claro, do que venhamos a entender por pessimismo. Num país instável como o nosso, não é concebível que a maioria dos cidadãos se sinta satisfeita o tempo todo. O normal é uma lamúria interminável, quase constante, cujo teor subjetivo nada esclarece e nada contribui para melhorar a situação vigente. A presente discussão valerá a pena se por pessimismo entendermos uma avaliação de realidades objetivas, que possam ser comprovadas por meio da análise de estatísticas e da existência ou não de um sentimento semelhante entre os demais segmentos da sociedade. Dessa forma, podemos aquilatar se a economia permanecerá estagnada ou em retrocesso, como tem estado há vários anos, ou se aponta para um horizonte de efetiva recuperação.

Para este ano, vem-se estimando um crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) superior a 2,0%, número expressivo, porque poderá afetar de forma positiva as expectativas para os anos seguintes. Caso se concretize, sem dúvida precisaremos repensar nossas avaliações, abaixando a bola do pessimismo. Registremos, no entanto, que tal crescimento será quase totalmente puxado pelo agronegócio. Ou seja, esse setor continuará a ser, como tem sido há um bom tempo, o pilar da segurança que temos desfrutado em nossas transações externas. Mas registremos, também, que o agronegócio não cumpre um papel relevante na criação de empregos. Amplamente mecanizado, não é dele que virá a reversão do brutal desemprego que o País começou a padecer desde a passagem da sra. Dilma Rousseff pelo Palácio do Planalto. Essa nota de cautela deve ser reforçada pelo fato de que, no presente momento, estamos nos contorcendo para voar com duas turbinas desligadas: a da indústria, reduzida a pífios 11% do PIB, e a do consumo, em prolongada baixa, pelas mesmas razões que catapultaram o desemprego para a estratosfera. Quem circular uma ou duas horas pela cidade forçosamente verá a formação de numerosas favelas em grandes avenidas, fenômeno obviamente associado ao fundo de poço em que caímos desde 2014.

O outro fator que mencionei é o chamado “arcabouço fiscal”, que o governo, a duras penas, conseguiu arrancar do Congresso Nacional. Confrontado com as contínuas “furadas de teto”, ele acertadamente optou por uma abordagem mais abrangente, pela via tributária, na expectativa de equilibrar as contas públicas sem os padecimentos a que é submetido ano após ano. Contudo, com os dados e as estimativas de que dispomos, é difícil de conceituar com segurança se se trata mesmo de um ensaio de reforma tributária ou de uma brutal tentativa de aumentar a arrecadação, vale dizer, de aumentar impostos, sem dó nem piedade. Após diversos anos celebrando seus feitos na transferência direta de renda aos necessitados, não descabe conjecturar que o governo vai apresentar-lhes a fatura, desta vez mirando setores amplos: o que habitualmente denominamos classe média, ou baixa classe média.

Neste estágio da luta, não temos como avaliar a dimensão de tal aumento, e muito menos sua distribuição entre os diferentes setores da economia. O que podemos afirmar com razoável segurança é que o setor de serviços (restaurantes, lanchonetes, pequenos negócios ligados ao turismo, etc.) será duramente atingido. E aqui cabem duas observações. Primeiro, grande parte desse setor já está na margem de sobrevivência. Mais um módico acréscimo no que entrega ao Fisco poderá provocar um efeito dominó de falências. Segundo, ao contrário do que ressaltei em conexão com o agronegócio, a área de serviços é essencial para a criação de empregos. Faço aqui uma projeção impressionista, isso é óbvio, mas permito-me sublinhar que a eventual concretização dela manterá ou aumentará a atual massa de desempregados, quando a promessa das novas autoridades federais era reduzi-la.

Enredo óbvio, objetarão meus leitores, mesmo alguns dos que se têm esforçado para manter a esperança na retomada do crescimento e em avanços no campo do bem-estar. Sim, inteiramente previsível, notadamente quando vemos mais um governo tangenciando as grandes pedras que temos à frente. Quem tem olhos de ver e ouvidos de ouvir sabe que o Brasil só terá de fato saída quando desmontar aquele nosso velho conhecido, o Estado patrimonialista, quando acreditar no setor privado como dínamo do progresso, quando abandonarmos de vez a triste herança de uma economia fechada ao exterior e quando tivermos uma mísera ideia – uma, pelo menos – para refazer de alto a baixo o nosso teratológico sistema de ensino.

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SÓCIO-DIRETOR DA AUGURIUM CONSULTORIA, É MEMBRO DAS ACADEMIAS PAULISTA DE LETRAS E BRASILEIRA DE CIÊNCIAS

Alguns de meus leitores veem como exagero o pessimismo expresso nos textos que publico neste espaço.

Essa questão é de suma importância e muito oportuna. Oportuna, de um lado, porque começam a aparecer sinais de ativação na economia. De outro, porque o governo está estabelecendo o que denomina “um novo arcabouço fiscal”, que seria um avanço no sentido de uma futura reforma tributária.

Os dois pontos mencionados são importantes à luz da impressão de pessimismo que meus textos possam ter causado. Importantes e oportunos dependendo, é claro, do que venhamos a entender por pessimismo. Num país instável como o nosso, não é concebível que a maioria dos cidadãos se sinta satisfeita o tempo todo. O normal é uma lamúria interminável, quase constante, cujo teor subjetivo nada esclarece e nada contribui para melhorar a situação vigente. A presente discussão valerá a pena se por pessimismo entendermos uma avaliação de realidades objetivas, que possam ser comprovadas por meio da análise de estatísticas e da existência ou não de um sentimento semelhante entre os demais segmentos da sociedade. Dessa forma, podemos aquilatar se a economia permanecerá estagnada ou em retrocesso, como tem estado há vários anos, ou se aponta para um horizonte de efetiva recuperação.

Para este ano, vem-se estimando um crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) superior a 2,0%, número expressivo, porque poderá afetar de forma positiva as expectativas para os anos seguintes. Caso se concretize, sem dúvida precisaremos repensar nossas avaliações, abaixando a bola do pessimismo. Registremos, no entanto, que tal crescimento será quase totalmente puxado pelo agronegócio. Ou seja, esse setor continuará a ser, como tem sido há um bom tempo, o pilar da segurança que temos desfrutado em nossas transações externas. Mas registremos, também, que o agronegócio não cumpre um papel relevante na criação de empregos. Amplamente mecanizado, não é dele que virá a reversão do brutal desemprego que o País começou a padecer desde a passagem da sra. Dilma Rousseff pelo Palácio do Planalto. Essa nota de cautela deve ser reforçada pelo fato de que, no presente momento, estamos nos contorcendo para voar com duas turbinas desligadas: a da indústria, reduzida a pífios 11% do PIB, e a do consumo, em prolongada baixa, pelas mesmas razões que catapultaram o desemprego para a estratosfera. Quem circular uma ou duas horas pela cidade forçosamente verá a formação de numerosas favelas em grandes avenidas, fenômeno obviamente associado ao fundo de poço em que caímos desde 2014.

O outro fator que mencionei é o chamado “arcabouço fiscal”, que o governo, a duras penas, conseguiu arrancar do Congresso Nacional. Confrontado com as contínuas “furadas de teto”, ele acertadamente optou por uma abordagem mais abrangente, pela via tributária, na expectativa de equilibrar as contas públicas sem os padecimentos a que é submetido ano após ano. Contudo, com os dados e as estimativas de que dispomos, é difícil de conceituar com segurança se se trata mesmo de um ensaio de reforma tributária ou de uma brutal tentativa de aumentar a arrecadação, vale dizer, de aumentar impostos, sem dó nem piedade. Após diversos anos celebrando seus feitos na transferência direta de renda aos necessitados, não descabe conjecturar que o governo vai apresentar-lhes a fatura, desta vez mirando setores amplos: o que habitualmente denominamos classe média, ou baixa classe média.

Neste estágio da luta, não temos como avaliar a dimensão de tal aumento, e muito menos sua distribuição entre os diferentes setores da economia. O que podemos afirmar com razoável segurança é que o setor de serviços (restaurantes, lanchonetes, pequenos negócios ligados ao turismo, etc.) será duramente atingido. E aqui cabem duas observações. Primeiro, grande parte desse setor já está na margem de sobrevivência. Mais um módico acréscimo no que entrega ao Fisco poderá provocar um efeito dominó de falências. Segundo, ao contrário do que ressaltei em conexão com o agronegócio, a área de serviços é essencial para a criação de empregos. Faço aqui uma projeção impressionista, isso é óbvio, mas permito-me sublinhar que a eventual concretização dela manterá ou aumentará a atual massa de desempregados, quando a promessa das novas autoridades federais era reduzi-la.

Enredo óbvio, objetarão meus leitores, mesmo alguns dos que se têm esforçado para manter a esperança na retomada do crescimento e em avanços no campo do bem-estar. Sim, inteiramente previsível, notadamente quando vemos mais um governo tangenciando as grandes pedras que temos à frente. Quem tem olhos de ver e ouvidos de ouvir sabe que o Brasil só terá de fato saída quando desmontar aquele nosso velho conhecido, o Estado patrimonialista, quando acreditar no setor privado como dínamo do progresso, quando abandonarmos de vez a triste herança de uma economia fechada ao exterior e quando tivermos uma mísera ideia – uma, pelo menos – para refazer de alto a baixo o nosso teratológico sistema de ensino.

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SÓCIO-DIRETOR DA AUGURIUM CONSULTORIA, É MEMBRO DAS ACADEMIAS PAULISTA DE LETRAS E BRASILEIRA DE CIÊNCIAS

Alguns de meus leitores veem como exagero o pessimismo expresso nos textos que publico neste espaço.

Essa questão é de suma importância e muito oportuna. Oportuna, de um lado, porque começam a aparecer sinais de ativação na economia. De outro, porque o governo está estabelecendo o que denomina “um novo arcabouço fiscal”, que seria um avanço no sentido de uma futura reforma tributária.

Os dois pontos mencionados são importantes à luz da impressão de pessimismo que meus textos possam ter causado. Importantes e oportunos dependendo, é claro, do que venhamos a entender por pessimismo. Num país instável como o nosso, não é concebível que a maioria dos cidadãos se sinta satisfeita o tempo todo. O normal é uma lamúria interminável, quase constante, cujo teor subjetivo nada esclarece e nada contribui para melhorar a situação vigente. A presente discussão valerá a pena se por pessimismo entendermos uma avaliação de realidades objetivas, que possam ser comprovadas por meio da análise de estatísticas e da existência ou não de um sentimento semelhante entre os demais segmentos da sociedade. Dessa forma, podemos aquilatar se a economia permanecerá estagnada ou em retrocesso, como tem estado há vários anos, ou se aponta para um horizonte de efetiva recuperação.

Para este ano, vem-se estimando um crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) superior a 2,0%, número expressivo, porque poderá afetar de forma positiva as expectativas para os anos seguintes. Caso se concretize, sem dúvida precisaremos repensar nossas avaliações, abaixando a bola do pessimismo. Registremos, no entanto, que tal crescimento será quase totalmente puxado pelo agronegócio. Ou seja, esse setor continuará a ser, como tem sido há um bom tempo, o pilar da segurança que temos desfrutado em nossas transações externas. Mas registremos, também, que o agronegócio não cumpre um papel relevante na criação de empregos. Amplamente mecanizado, não é dele que virá a reversão do brutal desemprego que o País começou a padecer desde a passagem da sra. Dilma Rousseff pelo Palácio do Planalto. Essa nota de cautela deve ser reforçada pelo fato de que, no presente momento, estamos nos contorcendo para voar com duas turbinas desligadas: a da indústria, reduzida a pífios 11% do PIB, e a do consumo, em prolongada baixa, pelas mesmas razões que catapultaram o desemprego para a estratosfera. Quem circular uma ou duas horas pela cidade forçosamente verá a formação de numerosas favelas em grandes avenidas, fenômeno obviamente associado ao fundo de poço em que caímos desde 2014.

O outro fator que mencionei é o chamado “arcabouço fiscal”, que o governo, a duras penas, conseguiu arrancar do Congresso Nacional. Confrontado com as contínuas “furadas de teto”, ele acertadamente optou por uma abordagem mais abrangente, pela via tributária, na expectativa de equilibrar as contas públicas sem os padecimentos a que é submetido ano após ano. Contudo, com os dados e as estimativas de que dispomos, é difícil de conceituar com segurança se se trata mesmo de um ensaio de reforma tributária ou de uma brutal tentativa de aumentar a arrecadação, vale dizer, de aumentar impostos, sem dó nem piedade. Após diversos anos celebrando seus feitos na transferência direta de renda aos necessitados, não descabe conjecturar que o governo vai apresentar-lhes a fatura, desta vez mirando setores amplos: o que habitualmente denominamos classe média, ou baixa classe média.

Neste estágio da luta, não temos como avaliar a dimensão de tal aumento, e muito menos sua distribuição entre os diferentes setores da economia. O que podemos afirmar com razoável segurança é que o setor de serviços (restaurantes, lanchonetes, pequenos negócios ligados ao turismo, etc.) será duramente atingido. E aqui cabem duas observações. Primeiro, grande parte desse setor já está na margem de sobrevivência. Mais um módico acréscimo no que entrega ao Fisco poderá provocar um efeito dominó de falências. Segundo, ao contrário do que ressaltei em conexão com o agronegócio, a área de serviços é essencial para a criação de empregos. Faço aqui uma projeção impressionista, isso é óbvio, mas permito-me sublinhar que a eventual concretização dela manterá ou aumentará a atual massa de desempregados, quando a promessa das novas autoridades federais era reduzi-la.

Enredo óbvio, objetarão meus leitores, mesmo alguns dos que se têm esforçado para manter a esperança na retomada do crescimento e em avanços no campo do bem-estar. Sim, inteiramente previsível, notadamente quando vemos mais um governo tangenciando as grandes pedras que temos à frente. Quem tem olhos de ver e ouvidos de ouvir sabe que o Brasil só terá de fato saída quando desmontar aquele nosso velho conhecido, o Estado patrimonialista, quando acreditar no setor privado como dínamo do progresso, quando abandonarmos de vez a triste herança de uma economia fechada ao exterior e quando tivermos uma mísera ideia – uma, pelo menos – para refazer de alto a baixo o nosso teratológico sistema de ensino.

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