Cientista político, sócio-diretor da Augurium Consultoria e membro das Academias Paulista de Letras e Brasileira de Ciências, Bolívar Lamounier escreve quinzenalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|Programa de governo sem projeto de país?


Precisamos nos alçar até o degrau superior de uma escada para de lá delinear um horizonte que nos sirva como meta e aspiração

Por Bolívar Lamounier

Se o número de ministérios do governo que ora se inicia for uma boa indicação da qualidade do programa que ele pretende implementar, estamos feitos; teremos um governo supimpa.

Infelizmente, no Brasil, em geral acontece o contrário; o presidente quebra a cabeça para encaixar três dúzias de aliados nos ministérios e depois cada um sai à cata de um programa. Ignorando, na maioria dos casos, quais deveriam ser os afazeres de cada um, prefiro me manter a uma prudente distância do emaranhado programático. Abro uma exceção para a Educação. Pelo menos nessa área, atrevo-me a pensar que o governo entrante têm ciência de que a situação brasileira é catastrófica, não comportando reforminhas encabuladas como as que temos tido há séculos.

É patente que não temos – nem o governo nem nós, cá na planície –, sequer um esboço aceitável do que precisa ser feito. Mas, relembrando o saboroso conselho de Lewis Carroll, “para quem não sabe aonde quer ir, qualquer caminho serve”. Esse, realmente, é o problema. Faz décadas que martelamos uma verdade elementar – não conhecemos o Brasil. Verdade já enunciada em incontáveis versões, mas hoje peço vênia para oferecer mais uma. Sugiro que não sabemos aonde queremos ir porque não nos debruçamos sobre questões inarredáveis como a de nossa capacidade de agir como povo, de nos organizarmos, de nos alçarmos até o degrau superior de uma escada para de lá delinear de forma realista um horizonte que nos sirva como meta e aspiração.

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Admitamos, para abreviar a conversa, que não temos chance alguma de atingir o nível de vida da Alemanha ou dos Estados Unidos. Compreensivo, relembro o ideal do “Brasil Grande Potência” dos tempos do general Ernesto Geisel, mas apresso-me a fugir dele, pois meu medo, no momento, é o de que venhamos a perder mais uma ou duas décadas. Os economistas talvez possam estimar de uma maneira mais precisa o lapso de tempo de que precisaríamos para nos igualarmos à Alemanha de hoje. Uns 300 anos, suponho, mas ela já estará bem à frente se e quando lá chegarmos. Especular sobre os Estados Unidos parece mais simples. Nesta década, nossa renda anual por habitante deve estar em torno de um quarto da do Mississippi, o Estado mais pobre da federação norte-americana. Não tenho em mãos os dados necessários para uma comparação adequada, mas lembro que os 10% mais ricos do Brasil detêm algo como 55% da riqueza e da renda de nosso país. Essa marca, desconfio que nem o Alabama é capaz de atingir.

Estamos, pois, numa encruzilhada. Podemos insistir no projeto do Brasil Grande Potência – pelo menos é certo que podemos suprir alimentos e outras commodities para o mundo todo. O problema é que no mínimo metade de nossa população em idade escolar está num nível provavelmente inferior ao do Alabama e do Mississippi; e esse problema nem um milagre resolveria, pois de nada adiantaria educarmos tal multidão em poucos anos, se não tivermos como oferecer-lhe empregos estáveis e razoavelmente bem remunerados. Nesse particular, convém lembrar que nossa pujante agricultura já não cria tantos empregos, e que o setor industrial, que já representou 27% do PIB, hoje anda pela casa dos 11%.

Para não fechar este texto num timbre soturno, ocorre-me rascunhar alguma coisa sobre o sistema político. Se lográssemos aprimorar rapidamente as instituições de governo e a relação delas com a sociedade, quem sabe poderíamos cogitar um futuro um pouco mais ambicioso? Vejamos alguns números. Em sua valiosa publicação sobre o grau de “democraticidade” de todo o mundo relativo a 2020, a Economist Intelligence Unit (afiliada à revista The Economist) colocou o Brasil e a Argentina mais ou menos no meio da escala, numa categoria que a revista designa como “democracias defeituosas”. Referindo-se a um período de queda generalizada, devido à pandemia, a estrela do mencionado levantamento foi Taiwan, que subiu 20 posições na classificação, do 31.º para o 11.º lugar, e mudou de categoria, passando da condição de “democracia defeituosa” para a de “democracia plena”. Na direção oposta – ou seja, um desempenho notavelmente vexaminoso – sobressaíram os casos da França e dos Estados Unidos, que permaneceram bem colocados na classificação geral, mas caíram do status de “democracia plena” para a de “democracia defeituosa”. A América Latina obviamente não sai bem na foto, mas com uma importante exceção: o Uruguai, único país “plenamente democrático” da região, ocupando o 8.º lugar.

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Quem sabe por aí poderíamos nos certificar se há mesmo alguma luz no fim do túnel? Esquecendo a Alemanha, os Estados Unidos e a grande potência do general Geisel, poderíamos encarar com realismo a hipótese de um país capaz de propiciar melhores condições de vida aos cidadãos, garantindo-lhes saúde e saneamento? Para tanto, o que se faz mister é reduzir drasticamente as desigualdades sociais e regionais, recuperar a indústria, a fim de assegurar um nível adequado de emprego e defesa, e manter, como o Uruguai, o devido apreço pelo regime democrático.

Se o número de ministérios do governo que ora se inicia for uma boa indicação da qualidade do programa que ele pretende implementar, estamos feitos; teremos um governo supimpa.

Infelizmente, no Brasil, em geral acontece o contrário; o presidente quebra a cabeça para encaixar três dúzias de aliados nos ministérios e depois cada um sai à cata de um programa. Ignorando, na maioria dos casos, quais deveriam ser os afazeres de cada um, prefiro me manter a uma prudente distância do emaranhado programático. Abro uma exceção para a Educação. Pelo menos nessa área, atrevo-me a pensar que o governo entrante têm ciência de que a situação brasileira é catastrófica, não comportando reforminhas encabuladas como as que temos tido há séculos.

É patente que não temos – nem o governo nem nós, cá na planície –, sequer um esboço aceitável do que precisa ser feito. Mas, relembrando o saboroso conselho de Lewis Carroll, “para quem não sabe aonde quer ir, qualquer caminho serve”. Esse, realmente, é o problema. Faz décadas que martelamos uma verdade elementar – não conhecemos o Brasil. Verdade já enunciada em incontáveis versões, mas hoje peço vênia para oferecer mais uma. Sugiro que não sabemos aonde queremos ir porque não nos debruçamos sobre questões inarredáveis como a de nossa capacidade de agir como povo, de nos organizarmos, de nos alçarmos até o degrau superior de uma escada para de lá delinear de forma realista um horizonte que nos sirva como meta e aspiração.

Admitamos, para abreviar a conversa, que não temos chance alguma de atingir o nível de vida da Alemanha ou dos Estados Unidos. Compreensivo, relembro o ideal do “Brasil Grande Potência” dos tempos do general Ernesto Geisel, mas apresso-me a fugir dele, pois meu medo, no momento, é o de que venhamos a perder mais uma ou duas décadas. Os economistas talvez possam estimar de uma maneira mais precisa o lapso de tempo de que precisaríamos para nos igualarmos à Alemanha de hoje. Uns 300 anos, suponho, mas ela já estará bem à frente se e quando lá chegarmos. Especular sobre os Estados Unidos parece mais simples. Nesta década, nossa renda anual por habitante deve estar em torno de um quarto da do Mississippi, o Estado mais pobre da federação norte-americana. Não tenho em mãos os dados necessários para uma comparação adequada, mas lembro que os 10% mais ricos do Brasil detêm algo como 55% da riqueza e da renda de nosso país. Essa marca, desconfio que nem o Alabama é capaz de atingir.

Estamos, pois, numa encruzilhada. Podemos insistir no projeto do Brasil Grande Potência – pelo menos é certo que podemos suprir alimentos e outras commodities para o mundo todo. O problema é que no mínimo metade de nossa população em idade escolar está num nível provavelmente inferior ao do Alabama e do Mississippi; e esse problema nem um milagre resolveria, pois de nada adiantaria educarmos tal multidão em poucos anos, se não tivermos como oferecer-lhe empregos estáveis e razoavelmente bem remunerados. Nesse particular, convém lembrar que nossa pujante agricultura já não cria tantos empregos, e que o setor industrial, que já representou 27% do PIB, hoje anda pela casa dos 11%.

Para não fechar este texto num timbre soturno, ocorre-me rascunhar alguma coisa sobre o sistema político. Se lográssemos aprimorar rapidamente as instituições de governo e a relação delas com a sociedade, quem sabe poderíamos cogitar um futuro um pouco mais ambicioso? Vejamos alguns números. Em sua valiosa publicação sobre o grau de “democraticidade” de todo o mundo relativo a 2020, a Economist Intelligence Unit (afiliada à revista The Economist) colocou o Brasil e a Argentina mais ou menos no meio da escala, numa categoria que a revista designa como “democracias defeituosas”. Referindo-se a um período de queda generalizada, devido à pandemia, a estrela do mencionado levantamento foi Taiwan, que subiu 20 posições na classificação, do 31.º para o 11.º lugar, e mudou de categoria, passando da condição de “democracia defeituosa” para a de “democracia plena”. Na direção oposta – ou seja, um desempenho notavelmente vexaminoso – sobressaíram os casos da França e dos Estados Unidos, que permaneceram bem colocados na classificação geral, mas caíram do status de “democracia plena” para a de “democracia defeituosa”. A América Latina obviamente não sai bem na foto, mas com uma importante exceção: o Uruguai, único país “plenamente democrático” da região, ocupando o 8.º lugar.

Quem sabe por aí poderíamos nos certificar se há mesmo alguma luz no fim do túnel? Esquecendo a Alemanha, os Estados Unidos e a grande potência do general Geisel, poderíamos encarar com realismo a hipótese de um país capaz de propiciar melhores condições de vida aos cidadãos, garantindo-lhes saúde e saneamento? Para tanto, o que se faz mister é reduzir drasticamente as desigualdades sociais e regionais, recuperar a indústria, a fim de assegurar um nível adequado de emprego e defesa, e manter, como o Uruguai, o devido apreço pelo regime democrático.

Se o número de ministérios do governo que ora se inicia for uma boa indicação da qualidade do programa que ele pretende implementar, estamos feitos; teremos um governo supimpa.

Infelizmente, no Brasil, em geral acontece o contrário; o presidente quebra a cabeça para encaixar três dúzias de aliados nos ministérios e depois cada um sai à cata de um programa. Ignorando, na maioria dos casos, quais deveriam ser os afazeres de cada um, prefiro me manter a uma prudente distância do emaranhado programático. Abro uma exceção para a Educação. Pelo menos nessa área, atrevo-me a pensar que o governo entrante têm ciência de que a situação brasileira é catastrófica, não comportando reforminhas encabuladas como as que temos tido há séculos.

É patente que não temos – nem o governo nem nós, cá na planície –, sequer um esboço aceitável do que precisa ser feito. Mas, relembrando o saboroso conselho de Lewis Carroll, “para quem não sabe aonde quer ir, qualquer caminho serve”. Esse, realmente, é o problema. Faz décadas que martelamos uma verdade elementar – não conhecemos o Brasil. Verdade já enunciada em incontáveis versões, mas hoje peço vênia para oferecer mais uma. Sugiro que não sabemos aonde queremos ir porque não nos debruçamos sobre questões inarredáveis como a de nossa capacidade de agir como povo, de nos organizarmos, de nos alçarmos até o degrau superior de uma escada para de lá delinear de forma realista um horizonte que nos sirva como meta e aspiração.

Admitamos, para abreviar a conversa, que não temos chance alguma de atingir o nível de vida da Alemanha ou dos Estados Unidos. Compreensivo, relembro o ideal do “Brasil Grande Potência” dos tempos do general Ernesto Geisel, mas apresso-me a fugir dele, pois meu medo, no momento, é o de que venhamos a perder mais uma ou duas décadas. Os economistas talvez possam estimar de uma maneira mais precisa o lapso de tempo de que precisaríamos para nos igualarmos à Alemanha de hoje. Uns 300 anos, suponho, mas ela já estará bem à frente se e quando lá chegarmos. Especular sobre os Estados Unidos parece mais simples. Nesta década, nossa renda anual por habitante deve estar em torno de um quarto da do Mississippi, o Estado mais pobre da federação norte-americana. Não tenho em mãos os dados necessários para uma comparação adequada, mas lembro que os 10% mais ricos do Brasil detêm algo como 55% da riqueza e da renda de nosso país. Essa marca, desconfio que nem o Alabama é capaz de atingir.

Estamos, pois, numa encruzilhada. Podemos insistir no projeto do Brasil Grande Potência – pelo menos é certo que podemos suprir alimentos e outras commodities para o mundo todo. O problema é que no mínimo metade de nossa população em idade escolar está num nível provavelmente inferior ao do Alabama e do Mississippi; e esse problema nem um milagre resolveria, pois de nada adiantaria educarmos tal multidão em poucos anos, se não tivermos como oferecer-lhe empregos estáveis e razoavelmente bem remunerados. Nesse particular, convém lembrar que nossa pujante agricultura já não cria tantos empregos, e que o setor industrial, que já representou 27% do PIB, hoje anda pela casa dos 11%.

Para não fechar este texto num timbre soturno, ocorre-me rascunhar alguma coisa sobre o sistema político. Se lográssemos aprimorar rapidamente as instituições de governo e a relação delas com a sociedade, quem sabe poderíamos cogitar um futuro um pouco mais ambicioso? Vejamos alguns números. Em sua valiosa publicação sobre o grau de “democraticidade” de todo o mundo relativo a 2020, a Economist Intelligence Unit (afiliada à revista The Economist) colocou o Brasil e a Argentina mais ou menos no meio da escala, numa categoria que a revista designa como “democracias defeituosas”. Referindo-se a um período de queda generalizada, devido à pandemia, a estrela do mencionado levantamento foi Taiwan, que subiu 20 posições na classificação, do 31.º para o 11.º lugar, e mudou de categoria, passando da condição de “democracia defeituosa” para a de “democracia plena”. Na direção oposta – ou seja, um desempenho notavelmente vexaminoso – sobressaíram os casos da França e dos Estados Unidos, que permaneceram bem colocados na classificação geral, mas caíram do status de “democracia plena” para a de “democracia defeituosa”. A América Latina obviamente não sai bem na foto, mas com uma importante exceção: o Uruguai, único país “plenamente democrático” da região, ocupando o 8.º lugar.

Quem sabe por aí poderíamos nos certificar se há mesmo alguma luz no fim do túnel? Esquecendo a Alemanha, os Estados Unidos e a grande potência do general Geisel, poderíamos encarar com realismo a hipótese de um país capaz de propiciar melhores condições de vida aos cidadãos, garantindo-lhes saúde e saneamento? Para tanto, o que se faz mister é reduzir drasticamente as desigualdades sociais e regionais, recuperar a indústria, a fim de assegurar um nível adequado de emprego e defesa, e manter, como o Uruguai, o devido apreço pelo regime democrático.

Se o número de ministérios do governo que ora se inicia for uma boa indicação da qualidade do programa que ele pretende implementar, estamos feitos; teremos um governo supimpa.

Infelizmente, no Brasil, em geral acontece o contrário; o presidente quebra a cabeça para encaixar três dúzias de aliados nos ministérios e depois cada um sai à cata de um programa. Ignorando, na maioria dos casos, quais deveriam ser os afazeres de cada um, prefiro me manter a uma prudente distância do emaranhado programático. Abro uma exceção para a Educação. Pelo menos nessa área, atrevo-me a pensar que o governo entrante têm ciência de que a situação brasileira é catastrófica, não comportando reforminhas encabuladas como as que temos tido há séculos.

É patente que não temos – nem o governo nem nós, cá na planície –, sequer um esboço aceitável do que precisa ser feito. Mas, relembrando o saboroso conselho de Lewis Carroll, “para quem não sabe aonde quer ir, qualquer caminho serve”. Esse, realmente, é o problema. Faz décadas que martelamos uma verdade elementar – não conhecemos o Brasil. Verdade já enunciada em incontáveis versões, mas hoje peço vênia para oferecer mais uma. Sugiro que não sabemos aonde queremos ir porque não nos debruçamos sobre questões inarredáveis como a de nossa capacidade de agir como povo, de nos organizarmos, de nos alçarmos até o degrau superior de uma escada para de lá delinear de forma realista um horizonte que nos sirva como meta e aspiração.

Admitamos, para abreviar a conversa, que não temos chance alguma de atingir o nível de vida da Alemanha ou dos Estados Unidos. Compreensivo, relembro o ideal do “Brasil Grande Potência” dos tempos do general Ernesto Geisel, mas apresso-me a fugir dele, pois meu medo, no momento, é o de que venhamos a perder mais uma ou duas décadas. Os economistas talvez possam estimar de uma maneira mais precisa o lapso de tempo de que precisaríamos para nos igualarmos à Alemanha de hoje. Uns 300 anos, suponho, mas ela já estará bem à frente se e quando lá chegarmos. Especular sobre os Estados Unidos parece mais simples. Nesta década, nossa renda anual por habitante deve estar em torno de um quarto da do Mississippi, o Estado mais pobre da federação norte-americana. Não tenho em mãos os dados necessários para uma comparação adequada, mas lembro que os 10% mais ricos do Brasil detêm algo como 55% da riqueza e da renda de nosso país. Essa marca, desconfio que nem o Alabama é capaz de atingir.

Estamos, pois, numa encruzilhada. Podemos insistir no projeto do Brasil Grande Potência – pelo menos é certo que podemos suprir alimentos e outras commodities para o mundo todo. O problema é que no mínimo metade de nossa população em idade escolar está num nível provavelmente inferior ao do Alabama e do Mississippi; e esse problema nem um milagre resolveria, pois de nada adiantaria educarmos tal multidão em poucos anos, se não tivermos como oferecer-lhe empregos estáveis e razoavelmente bem remunerados. Nesse particular, convém lembrar que nossa pujante agricultura já não cria tantos empregos, e que o setor industrial, que já representou 27% do PIB, hoje anda pela casa dos 11%.

Para não fechar este texto num timbre soturno, ocorre-me rascunhar alguma coisa sobre o sistema político. Se lográssemos aprimorar rapidamente as instituições de governo e a relação delas com a sociedade, quem sabe poderíamos cogitar um futuro um pouco mais ambicioso? Vejamos alguns números. Em sua valiosa publicação sobre o grau de “democraticidade” de todo o mundo relativo a 2020, a Economist Intelligence Unit (afiliada à revista The Economist) colocou o Brasil e a Argentina mais ou menos no meio da escala, numa categoria que a revista designa como “democracias defeituosas”. Referindo-se a um período de queda generalizada, devido à pandemia, a estrela do mencionado levantamento foi Taiwan, que subiu 20 posições na classificação, do 31.º para o 11.º lugar, e mudou de categoria, passando da condição de “democracia defeituosa” para a de “democracia plena”. Na direção oposta – ou seja, um desempenho notavelmente vexaminoso – sobressaíram os casos da França e dos Estados Unidos, que permaneceram bem colocados na classificação geral, mas caíram do status de “democracia plena” para a de “democracia defeituosa”. A América Latina obviamente não sai bem na foto, mas com uma importante exceção: o Uruguai, único país “plenamente democrático” da região, ocupando o 8.º lugar.

Quem sabe por aí poderíamos nos certificar se há mesmo alguma luz no fim do túnel? Esquecendo a Alemanha, os Estados Unidos e a grande potência do general Geisel, poderíamos encarar com realismo a hipótese de um país capaz de propiciar melhores condições de vida aos cidadãos, garantindo-lhes saúde e saneamento? Para tanto, o que se faz mister é reduzir drasticamente as desigualdades sociais e regionais, recuperar a indústria, a fim de assegurar um nível adequado de emprego e defesa, e manter, como o Uruguai, o devido apreço pelo regime democrático.

Se o número de ministérios do governo que ora se inicia for uma boa indicação da qualidade do programa que ele pretende implementar, estamos feitos; teremos um governo supimpa.

Infelizmente, no Brasil, em geral acontece o contrário; o presidente quebra a cabeça para encaixar três dúzias de aliados nos ministérios e depois cada um sai à cata de um programa. Ignorando, na maioria dos casos, quais deveriam ser os afazeres de cada um, prefiro me manter a uma prudente distância do emaranhado programático. Abro uma exceção para a Educação. Pelo menos nessa área, atrevo-me a pensar que o governo entrante têm ciência de que a situação brasileira é catastrófica, não comportando reforminhas encabuladas como as que temos tido há séculos.

É patente que não temos – nem o governo nem nós, cá na planície –, sequer um esboço aceitável do que precisa ser feito. Mas, relembrando o saboroso conselho de Lewis Carroll, “para quem não sabe aonde quer ir, qualquer caminho serve”. Esse, realmente, é o problema. Faz décadas que martelamos uma verdade elementar – não conhecemos o Brasil. Verdade já enunciada em incontáveis versões, mas hoje peço vênia para oferecer mais uma. Sugiro que não sabemos aonde queremos ir porque não nos debruçamos sobre questões inarredáveis como a de nossa capacidade de agir como povo, de nos organizarmos, de nos alçarmos até o degrau superior de uma escada para de lá delinear de forma realista um horizonte que nos sirva como meta e aspiração.

Admitamos, para abreviar a conversa, que não temos chance alguma de atingir o nível de vida da Alemanha ou dos Estados Unidos. Compreensivo, relembro o ideal do “Brasil Grande Potência” dos tempos do general Ernesto Geisel, mas apresso-me a fugir dele, pois meu medo, no momento, é o de que venhamos a perder mais uma ou duas décadas. Os economistas talvez possam estimar de uma maneira mais precisa o lapso de tempo de que precisaríamos para nos igualarmos à Alemanha de hoje. Uns 300 anos, suponho, mas ela já estará bem à frente se e quando lá chegarmos. Especular sobre os Estados Unidos parece mais simples. Nesta década, nossa renda anual por habitante deve estar em torno de um quarto da do Mississippi, o Estado mais pobre da federação norte-americana. Não tenho em mãos os dados necessários para uma comparação adequada, mas lembro que os 10% mais ricos do Brasil detêm algo como 55% da riqueza e da renda de nosso país. Essa marca, desconfio que nem o Alabama é capaz de atingir.

Estamos, pois, numa encruzilhada. Podemos insistir no projeto do Brasil Grande Potência – pelo menos é certo que podemos suprir alimentos e outras commodities para o mundo todo. O problema é que no mínimo metade de nossa população em idade escolar está num nível provavelmente inferior ao do Alabama e do Mississippi; e esse problema nem um milagre resolveria, pois de nada adiantaria educarmos tal multidão em poucos anos, se não tivermos como oferecer-lhe empregos estáveis e razoavelmente bem remunerados. Nesse particular, convém lembrar que nossa pujante agricultura já não cria tantos empregos, e que o setor industrial, que já representou 27% do PIB, hoje anda pela casa dos 11%.

Para não fechar este texto num timbre soturno, ocorre-me rascunhar alguma coisa sobre o sistema político. Se lográssemos aprimorar rapidamente as instituições de governo e a relação delas com a sociedade, quem sabe poderíamos cogitar um futuro um pouco mais ambicioso? Vejamos alguns números. Em sua valiosa publicação sobre o grau de “democraticidade” de todo o mundo relativo a 2020, a Economist Intelligence Unit (afiliada à revista The Economist) colocou o Brasil e a Argentina mais ou menos no meio da escala, numa categoria que a revista designa como “democracias defeituosas”. Referindo-se a um período de queda generalizada, devido à pandemia, a estrela do mencionado levantamento foi Taiwan, que subiu 20 posições na classificação, do 31.º para o 11.º lugar, e mudou de categoria, passando da condição de “democracia defeituosa” para a de “democracia plena”. Na direção oposta – ou seja, um desempenho notavelmente vexaminoso – sobressaíram os casos da França e dos Estados Unidos, que permaneceram bem colocados na classificação geral, mas caíram do status de “democracia plena” para a de “democracia defeituosa”. A América Latina obviamente não sai bem na foto, mas com uma importante exceção: o Uruguai, único país “plenamente democrático” da região, ocupando o 8.º lugar.

Quem sabe por aí poderíamos nos certificar se há mesmo alguma luz no fim do túnel? Esquecendo a Alemanha, os Estados Unidos e a grande potência do general Geisel, poderíamos encarar com realismo a hipótese de um país capaz de propiciar melhores condições de vida aos cidadãos, garantindo-lhes saúde e saneamento? Para tanto, o que se faz mister é reduzir drasticamente as desigualdades sociais e regionais, recuperar a indústria, a fim de assegurar um nível adequado de emprego e defesa, e manter, como o Uruguai, o devido apreço pelo regime democrático.

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