O Partido Liberal (PL) é de longe o maior partido do Brasil. Tem 93 deputados na Câmara, bancada que supera com folga, por exemplo, os 80 da federação liderada pelo PT, partido do presidente Lula da Silva. É, portanto, um partido com força suficiente para, se quisesse, influenciar decisivamente os rumos do País. O problema é que o PL está entregue aos desígnios do ex-presidente Jair Bolsonaro, o que já foi afirmado com todas as letras pelo dono da agremiação, Valdemar Costa Neto. Como Jair Bolsonaro não tem nem nunca teve o menor interesse pelo destino do Brasil, e sim apenas por suas pendengas pessoais, o PL se tornou uma espécie de vanguarda da irresponsabilidade bolsonarista, como ficou mais uma vez provado durante a recente votação da regulamentação da reforma tributária.
Consta que Bolsonaro havia orientado a bancada de seu partido, o PL, a votar contra a proposta de incluir proteína animal na cesta básica para isentá-la de imposto. A lógica, segundo soube, é que a inclusão beneficiaria a JBS, empresa dos irmãos Joesley e Wesley Batista, o que seria considerado inaceitável por Bolsonaro, já que os irmãos são “amigos de Lula”.
Ou seja, em nenhum momento o grande líder do maior partido do Brasil levou em consideração as eventuais consequências, para o País, da isenção de impostos sobre a proteína animal. Sua única preocupação era impedir que a reforma beneficiasse os “amigos de Lula”.
Nenhuma surpresa, pois já se sabe há décadas que Bolsonaro nada entende de política, mas é especialista em pirraça, sobretudo em relação ao PT e a Lula. Em julho do ano passado, quando o PL discutia como se posicionar sobre a reforma tributária, Bolsonaro pressionou a bancada a votar contra, e ficou furioso quando o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, argumentou, corretamente, que a reforma tributária é uma pauta naturalmente defendida pela direita. Bolsonaro o atalhou e ditou: “Pessoal, se o PL estiver unido, não aprova nada”.
Para Bolsonaro, a coisa toda é muito simples: nada do que venha do PT ou de Lula, seja o que for, deve ter apoio do PL. Não se discutem os méritos das propostas. A rejeição é liminar. Em outubro do ano passado, o ex-presidente reafirmou sua oposição ao projeto de reforma tributária porque, segundo ele, “tudo o que vem do PT você tem que desconfiar”, porque “só tem incompetente e bandido” no partido de Lula. “Pode esperar o que dessa turma? Se não conseguiu entender: é do PT, vote ‘não’; PT encaminha ‘não’, vote ‘sim’. A chance de você errar é zero.”
Nesse caso, pouco importa que o projeto da reforma tributária não “veio do PT” (recorde-se: a Proposta de Emenda Constitucional foi apresentada em 2019 pelo deputado Baleia Rossi, do MDB, e foi relatada pelo deputado Aguinaldo Ribeiro, do PP, e pelo senador Eduardo Braga, do MDB). O que interessa, no discurso bolsonarista, é que a proposta teve apoio do governo e isso, por si só, bastaria para desmoralizá-la. Obviamente, nada disso tem a ver com política.
A reconstituição do episódio envolvendo Bolsonaro na quarta-feira passada é didática a esse respeito. O PL avaliava apresentar destaque para isentar de impostos a proteína animal, conforme demanda da bancada ruralista. O presidente da Câmara, Arthur Lira, que era contrário à inclusão da isenção, foi ao encontro de Bolsonaro para pedir que trabalhasse contra o destaque. O ex-presidente concordou em fazê-lo, porque a desoneração ajudaria a empresa dos “amigos do Lula”. Mas então um grupo de deputados do PL foi a Bolsonaro para lhe dizer que, se o objetivo era atrapalhar os “amigos do Lula”, então o certo seria apoiar a desoneração, porque o imposto sobre as carnes prejudicaria muito mais os concorrentes menores da JBS. Bolsonaro então se convenceu a apoiar a desoneração e o destaque foi apresentado pelo PL no início da noite.
Em nenhum momento das conversas, portanto, Bolsonaro se preocupou com os efeitos abrangentes e de longo prazo da desoneração da proteína animal. E esses efeitos serão duros: a manobra fará com que o novo IVA seja um dos mais altos do mundo. Essa estripulia recairá sobre todos os brasileiros, principalmente os mais pobres, enquanto os irmãos Batista, com a inimizade de Bolsonaro ou a amizade de Lula, seguirão fazendo bons negócios.