Quando apresentou, no ano passado, o primeiro Projeto de Lei Orçamentária Anual sob a égide do novo arcabouço fiscal, que acabara de ser aprovado pelo Congresso, a equipe econômica anunciou metas ousadas para as contas públicas: empate entre receitas e despesas (déficit zero) em 2024 e superávits consecutivos, de 0,5% e de 1% do PIB, em 2025 e 2026. O equilíbrio fiscal previsto para este ano, que já nasceu desacreditado, permanece assim até hoje, embora continue nas estimativas oficiais. Já os saldos positivos de 2025 e 2026 estão prestes a serem revisados, como informou o próprio ministro Fernando Haddad.
Diante do desempenho fiscal, da forma como vem sendo executado o Orçamento federal e da índole gastadora do governo, surpresa seria se as metas futuras não fossem revistas. Para o resultado deste ano, o grosso das projeções de analistas financeiros aponta também para uma revisão mais à frente. No ano passado, o primeiro da terceira gestão Lula, registrou um rombo de R$ 230,5 bilhões, ou 2,12% do PIB. É difícil apostar em equilíbrio depois de uma amostra como essa. Pior ainda é imaginar superávits de R$ 61 bilhões em 2025 e de R$ 132 bilhões em 2026, levando em conta o valor atual do PIB.
Em programação orçamentária não há mágica: o resultado positivo ocorre quando as receitas superam as despesas. O problema é que todo o esforço para o fechamento das contas públicas tem se concentrado no aumento das receitas, agenda que, como admitiu recentemente a ministra do Planejamento, Simone Tebet, “está se exaurindo”. Propostas para reduzir a vazão das torneiras dos gastos têm esbarrado na resistência ora do Congresso, ora do próprio Executivo, ávido por transferir das pranchetas para os palanques os imponentes projetos do Novo PAC.
Tebet, que junto com Haddad, Rui Costa (Casa Civil) e Esther Dwek (Orçamento) integra o grupo de ministros da Junta de Execução Orçamentária (JEA), até deu a deixa ao falar sobre a possibilidade de incluir no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) recomendações para redução de despesas. Mas não serão medidas detalhadas, apenas sinais de alerta para tentar colocar o corte de gastos entre as prioridades – obviamente não para este ano eleitoral. A própria calibragem das metas de 2025 e 2026 só está sendo feita agora devido ao fato de que o prazo para a entrega da PLDO ao Congresso termina no próximo dia 15.
O arcabouço fiscal, que substituiu o teto de gastos, teve como um dos objetivos prioritários flexibilizar o aumento de gastos, antes vinculado ao comportamento da inflação. Vitórias animadoras de projetos da equipe econômica no Congresso permitiram um avanço arrecadatório no fim de 2023 e início de 2024, mas que são extras, não uma receita corrente. É o caso, por exemplo, do início da tributação de fundos de investimentos exclusivos, que robusteceu o caixa do Tesouro. Mas o governo ainda está devendo medidas de vulto do lado das despesas.
O presidente Lula já deu sucessivas provas de que fez sua escolha: entre a austeridade, que garantirá equilíbrio às contas públicas e reduzirá o custo dos investimentos, e a gastança, que supostamente lhe trará dividendos políticos e eleitorais ao custo de inflação e juros altos, o petista certamente ficará com esta última. Afinal, como disse a inesquecível Dilma Rousseff, criatura de Lula, “gasto é vida”.
Por isso, é praticamente impossível imaginar que Lula ceda aos apelos de seus assessores técnicos, por mais fundamentados que sejam. Mais difícil ainda, contudo, é acreditar numa boa e independente gestão de gastos por um Executivo comprovadamente refém do Congresso.
Recentemente, o diretor do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas, Luiz Schimura, lembrou que, em 2014, 83% dos recursos discricionários distribuídos pela União a Estados, municípios e entidades privadas foram feitos diretamente pelo Executivo e 17% por emendas parlamentares. Em 2023, as emendas representaram 46%, refletindo o poder do Legislativo no Orçamento. Como frisou o economista, a visão geral é de que a multiplicação das emendas pulveriza os recursos em ações paroquiais, em detrimento de uma estratégia nacional de investimento do Estado.
Tudo somado, fica muito difícil acreditar em metas fiscais e compromissos com a gestão responsável do dinheiro público.