O presidente Lula da Silva anunciou que vai restabelecer a “normalidade diplomática” com a Venezuela em dois meses. Faz muito bem. No entanto, coisa muito diferente é sua promessa de “tratar Venezuela e Cuba com muito carinho”.
Países não têm amigos, têm interesses. Com a Venezuela, em especial, o Brasil compartilha mais de 2 mil km de fronteiras e tem relações comerciais históricas: a Venezuela importa quase 80% de tudo o que consome, incluindo muitos produtos agropecuários brasileiros, e tem uma das maiores reservas de petróleo do mundo, exportando ao Brasil toda uma série de derivados petroquímicos. Além de seus interesses comerciais, o Brasil precisa de uma representação na Venezuela que resguarde os direitos dos mais de 20 mil brasileiros que lá vivem, assim como de uma representação da Venezuela que ajude a resguardar os direitos dos cerca de 340 mil imigrantes e refugiados venezuelanos no Brasil.
Mas normalidade diplomática não significa tratar como normais ditaduras militares, comandadas por caudilhos e seus clãs, que mergulham seus povos a cada dia mais na opressão e na miséria. Se a ideia é respeitar os povos venezuelano e cubano, o melhor começo é reconhecer que vivem sob Estados de exceção. Mas Lula, que já disse que a Venezuela tem “excesso” de democracia, insiste em tratar esses regimes totalitários não só como democracias plenas, mas como vítimas do imperialismo norte-americano. Afinal, como disse recentemente, não fosse pelo embargo dos EUA, Cuba seria uma “Holanda”, ou seja, uma democracia capitalista com irretocável histórico de tolerância civil, política e religiosa.
“O que eu quero para o Brasil, quero para a Venezuela: respeito à minha soberania e respeito à autodeterminação do meu povo”, disse Lula. Afora os delírios bolsonaristas à época de Donald Trump, que não encontraram um mínimo respaldo nos poderes civis e militares brasileiros, o Brasil nunca representou qualquer ameaça à soberania da Venezuela. Já invocar a autodeterminação do povo venezuelano ou cubano – como se tivessem livremente se autodeterminado a serem oprimidos pelas tiranias mais brutais da América Latina – é um insulto.
Lula poderia criticar os embargos, como fazem muitos analistas geopolíticos, por serem contraproducentes. Se retirados, eles poderiam dinamizar a economia desses países, insuflar o anseio por mais liberdade e eliminar o pretexto de seus déspotas para sustentar seu Estado policialesco. Mas é no mínimo curioso que ele considere que esses países são oprimidos por um regime “imperialista” que se autodeterminou a não fazer negócios com eles. Afinal, se o socialismo é tão superior ao capitalismo, por que eles precisariam da maior potência capitalista do mundo para serem livres e prósperos?
Acrescentando insulto à injúria, Lula não só escarnece do sofrimento dos venezuelanos e cubanos, como dá sinais de que pode sobrepor suas amizades aos interesses do Brasil – de novo.
Lula diz que o BNDES voltará a financiar projetos para “ajudar” países vizinhos. Como se sabe, nas mãos do PT, o BNDES torrou dinheiro público em projetos sem relevância para o interesse nacional, liberando financiamentos a empresas brasileiras contratadas por governos estrangeiros para grandes obras. Muitos desses financiamentos foram mantidos sob sigilo e praticamente todos foram dados a empresas envolvidas nos esquemas investigados pela Lava Jato. Na prática, o BNDES se tornava credor do contratante a juros camaradas subsidiados com o dinheiro do contribuinte.
Só os calotes de Cuba e Venezuela somam mais de US$ 529 milhões – quase R$ 2,7 bilhões. Como o risco foi assumido inteiramente pelo governo brasileiro, o BNDES acionou o Fundo de Garantia à Exportação do Tesouro. Ou seja, quem quitou a dívida não foram nem as empreiteiras nem os governos estrangeiros, mas o contribuinte brasileiro.
Em outras palavras, o “carinho” de Lula com ditadores companheiros não só ajuda a perpetuar a miséria e a opressão das populações sob seu tacão, mas pode custar muito caro ao bolso dos brasileiros.