O jornalista Carlos Alberto Di Franco escreve quinzenalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|Deus está em alta


A religião, sintoma de alienação na geração passada, ganha espaço nos dias que correm, sobretudo no mundo dos jovens

Por Carlos Alberto Di Franco

Hoje vou tratar de um assunto diferente. Talvez surpreendente nas páginas de um jornal: Deus está em alta. Isso mesmo. A nostalgia de valores transcendentes é patente. No Brasil e na camada mais jovem da população. Impressiona-me, e muito, o nível intelectual da moçada. Uma turma bem situada na vida profissional, mas que busca um sentido mais profundo para a sua vida. É curioso. Quando parece que o materialismo prático está ganhando de goleada, o jogo vira. Sempre foi assim na bimilenária experiência do cristianismo.

Relembro, aqui, um caso antológico: a experiência de um conhecido jornalista francês. Corria o dia 8 de julho de 1935: um rapaz de 20 anos que estava à procura de um amigo, com quem tinha combinado jantar, entrava, por engano, numa capela de Paris. Chamava-se André Frossard. Era filho do líder sindical L. O. Frossard, jornalista e primeiro-secretário do Partido Comunista Francês. Dizia-se “cético e ateu de extrema esquerda. Ainda mais do que cético, ainda mais do que ateu, indiferente e ocupado em coisa bem diversa do que um Deus que nem pensava mais negar”. Cinco minutos depois, saía de lá “católico, apostólico, romano, (...) transportado, levantado, retomado e envolvido pela onda de uma alegria inexaurível”.

O impacto existencial dessa conversão ficou registrado num livro que ocupou muito tempo as listas dos best-sellers: Deus Existe, Eu O Encontrei. André Frossard, jornalista de prestígio, cronista do Figaro, redator-chefe da revista Temps Présent e, de 1988 até sua morte, em 1997, membro da Academia Francesa de Letras, faz parte daquela estirpe de intelectuais que cinzelam a cultura dos povos.

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Trata-se de um livro estimulante, quase interativo. O autor, armado de uma coragem afiada e de um bom humor cativante, assume um desafio inusitado. Frossard condensa, em 47 “questões”, cerca de 2 mil perguntas que lhe foram feitas por estudantes franceses. Em cada questão, expõe primeiro as objeções, assumindo lealmente o ponto de vista crítico, e depois formula respostas que extrai da sua “experiência da fé”. Por que viver? Ciência e fé são compatíveis? Deus é da esquerda ou da direita? A fé e o Big Bang. A bioética. A aids. O sofrimento humano. A liberdade. Eis, respingados ao acaso, alguns dos temas que compõem um mosaico de grande atualidade jornalística.

A liberdade, adverte Frossard, “não consiste em fazer o que se tem vontade, mas também o que não se quereria, por bom senso, por respeito aos outros e muitas vezes por amor, primeiro princípio de tudo aquilo que é, foi ou será”.

Num mundo tantas vezes dominado por uma visão utilitária e hedonista, Frossard rasga o generoso horizonte da autêntica liberdade. De fato, poucas ideias gozam, da parte dos homens em geral, de apreço tão imediato e universal quanto a liberdade, mas nem todos se aprofundam igualmente na sua essência. Muitos se conformam com uma concepção superficial desse conceito: a liberdade sugere-lhes simples espontaneidade, ausência de compromissos, e isso já é suficiente. Na sua defesa da liberdade, contudo, Frossard não fica num conceito descomprometido, mas mergulha na raiz existencial da liberdade: o amor.

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A liberdade, para ele, tem uma vertente transcendental, uma orientação para Deus. Não é que a liberdade deixe de ser uma realidade humana para se tornar só ou principalmente um conceito de tipo religioso. Bem ao contrário. Precisamente por dizer respeito a Deus e ao fim último da vida, essa concepção da liberdade é radicalmente humana.

O livro de Frossard é de grande atualidade. O pêndulo da História aponta o reencontro do homem com suas raízes genuínas, sua inquieta peregrinação rumo ao Criador. Na verdade, a busca de Deus é um fato sociológico. A religião, sintoma de alienação na geração passada, ganha espaço nos dias que correm, sobretudo no mundo dos jovens.

Jornalistas competentes, imunes ao vírus da superficialidade, sabem decifrar o fenômeno religioso. Outros, reféns de um sectarismo anacrônico, sucumbem à patologia dos chavões. Alguns, por exemplo, equivocadamente imaginam que o influxo cristão sobre os assuntos temporais não deveria existir. Gostariam de ver a Igreja reduzida a uma espécie de ONG da boa vontade. A História, no entanto, demonstra que a Igreja sempre será “sinal de contradição”. E os seus seguidores, embora iguais aos demais, são ao mesmo tempo instrumentos de transformação.

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A aparente tensão entre o cristão, cidadão do mundo, mas não refém do mundanismo, tem levantado uma falsa contraposição entre convicção e liberdade. Estabelece-se uma absurda incompatibilidade entre realidades que deveriam caminhar juntas. Entre uma pessoa de fé e um fanático existe uma fronteira nítida: o apreço pela liberdade. O fanático impõe, empenha-se em aliciar. A pessoa de fé, ao contrário, assenta serenamente em seus valores. Por isso a sua convicção não a move a impor, mas estimula a propor, a expor à livre aceitação dos outros as ideias que acredita dignas de serem compartilhadas.

A invulgar cultura do autor – seu tom coloquial, sem formalismo – e a sinceridade das suas reflexões são algumas notas características de um texto estimulante.

*

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JORNALISTA. E-MAIL: DIFRANCO@ISE.ORG.BR

Hoje vou tratar de um assunto diferente. Talvez surpreendente nas páginas de um jornal: Deus está em alta. Isso mesmo. A nostalgia de valores transcendentes é patente. No Brasil e na camada mais jovem da população. Impressiona-me, e muito, o nível intelectual da moçada. Uma turma bem situada na vida profissional, mas que busca um sentido mais profundo para a sua vida. É curioso. Quando parece que o materialismo prático está ganhando de goleada, o jogo vira. Sempre foi assim na bimilenária experiência do cristianismo.

Relembro, aqui, um caso antológico: a experiência de um conhecido jornalista francês. Corria o dia 8 de julho de 1935: um rapaz de 20 anos que estava à procura de um amigo, com quem tinha combinado jantar, entrava, por engano, numa capela de Paris. Chamava-se André Frossard. Era filho do líder sindical L. O. Frossard, jornalista e primeiro-secretário do Partido Comunista Francês. Dizia-se “cético e ateu de extrema esquerda. Ainda mais do que cético, ainda mais do que ateu, indiferente e ocupado em coisa bem diversa do que um Deus que nem pensava mais negar”. Cinco minutos depois, saía de lá “católico, apostólico, romano, (...) transportado, levantado, retomado e envolvido pela onda de uma alegria inexaurível”.

O impacto existencial dessa conversão ficou registrado num livro que ocupou muito tempo as listas dos best-sellers: Deus Existe, Eu O Encontrei. André Frossard, jornalista de prestígio, cronista do Figaro, redator-chefe da revista Temps Présent e, de 1988 até sua morte, em 1997, membro da Academia Francesa de Letras, faz parte daquela estirpe de intelectuais que cinzelam a cultura dos povos.

Trata-se de um livro estimulante, quase interativo. O autor, armado de uma coragem afiada e de um bom humor cativante, assume um desafio inusitado. Frossard condensa, em 47 “questões”, cerca de 2 mil perguntas que lhe foram feitas por estudantes franceses. Em cada questão, expõe primeiro as objeções, assumindo lealmente o ponto de vista crítico, e depois formula respostas que extrai da sua “experiência da fé”. Por que viver? Ciência e fé são compatíveis? Deus é da esquerda ou da direita? A fé e o Big Bang. A bioética. A aids. O sofrimento humano. A liberdade. Eis, respingados ao acaso, alguns dos temas que compõem um mosaico de grande atualidade jornalística.

A liberdade, adverte Frossard, “não consiste em fazer o que se tem vontade, mas também o que não se quereria, por bom senso, por respeito aos outros e muitas vezes por amor, primeiro princípio de tudo aquilo que é, foi ou será”.

Num mundo tantas vezes dominado por uma visão utilitária e hedonista, Frossard rasga o generoso horizonte da autêntica liberdade. De fato, poucas ideias gozam, da parte dos homens em geral, de apreço tão imediato e universal quanto a liberdade, mas nem todos se aprofundam igualmente na sua essência. Muitos se conformam com uma concepção superficial desse conceito: a liberdade sugere-lhes simples espontaneidade, ausência de compromissos, e isso já é suficiente. Na sua defesa da liberdade, contudo, Frossard não fica num conceito descomprometido, mas mergulha na raiz existencial da liberdade: o amor.

A liberdade, para ele, tem uma vertente transcendental, uma orientação para Deus. Não é que a liberdade deixe de ser uma realidade humana para se tornar só ou principalmente um conceito de tipo religioso. Bem ao contrário. Precisamente por dizer respeito a Deus e ao fim último da vida, essa concepção da liberdade é radicalmente humana.

O livro de Frossard é de grande atualidade. O pêndulo da História aponta o reencontro do homem com suas raízes genuínas, sua inquieta peregrinação rumo ao Criador. Na verdade, a busca de Deus é um fato sociológico. A religião, sintoma de alienação na geração passada, ganha espaço nos dias que correm, sobretudo no mundo dos jovens.

Jornalistas competentes, imunes ao vírus da superficialidade, sabem decifrar o fenômeno religioso. Outros, reféns de um sectarismo anacrônico, sucumbem à patologia dos chavões. Alguns, por exemplo, equivocadamente imaginam que o influxo cristão sobre os assuntos temporais não deveria existir. Gostariam de ver a Igreja reduzida a uma espécie de ONG da boa vontade. A História, no entanto, demonstra que a Igreja sempre será “sinal de contradição”. E os seus seguidores, embora iguais aos demais, são ao mesmo tempo instrumentos de transformação.

A aparente tensão entre o cristão, cidadão do mundo, mas não refém do mundanismo, tem levantado uma falsa contraposição entre convicção e liberdade. Estabelece-se uma absurda incompatibilidade entre realidades que deveriam caminhar juntas. Entre uma pessoa de fé e um fanático existe uma fronteira nítida: o apreço pela liberdade. O fanático impõe, empenha-se em aliciar. A pessoa de fé, ao contrário, assenta serenamente em seus valores. Por isso a sua convicção não a move a impor, mas estimula a propor, a expor à livre aceitação dos outros as ideias que acredita dignas de serem compartilhadas.

A invulgar cultura do autor – seu tom coloquial, sem formalismo – e a sinceridade das suas reflexões são algumas notas características de um texto estimulante.

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JORNALISTA. E-MAIL: DIFRANCO@ISE.ORG.BR

Hoje vou tratar de um assunto diferente. Talvez surpreendente nas páginas de um jornal: Deus está em alta. Isso mesmo. A nostalgia de valores transcendentes é patente. No Brasil e na camada mais jovem da população. Impressiona-me, e muito, o nível intelectual da moçada. Uma turma bem situada na vida profissional, mas que busca um sentido mais profundo para a sua vida. É curioso. Quando parece que o materialismo prático está ganhando de goleada, o jogo vira. Sempre foi assim na bimilenária experiência do cristianismo.

Relembro, aqui, um caso antológico: a experiência de um conhecido jornalista francês. Corria o dia 8 de julho de 1935: um rapaz de 20 anos que estava à procura de um amigo, com quem tinha combinado jantar, entrava, por engano, numa capela de Paris. Chamava-se André Frossard. Era filho do líder sindical L. O. Frossard, jornalista e primeiro-secretário do Partido Comunista Francês. Dizia-se “cético e ateu de extrema esquerda. Ainda mais do que cético, ainda mais do que ateu, indiferente e ocupado em coisa bem diversa do que um Deus que nem pensava mais negar”. Cinco minutos depois, saía de lá “católico, apostólico, romano, (...) transportado, levantado, retomado e envolvido pela onda de uma alegria inexaurível”.

O impacto existencial dessa conversão ficou registrado num livro que ocupou muito tempo as listas dos best-sellers: Deus Existe, Eu O Encontrei. André Frossard, jornalista de prestígio, cronista do Figaro, redator-chefe da revista Temps Présent e, de 1988 até sua morte, em 1997, membro da Academia Francesa de Letras, faz parte daquela estirpe de intelectuais que cinzelam a cultura dos povos.

Trata-se de um livro estimulante, quase interativo. O autor, armado de uma coragem afiada e de um bom humor cativante, assume um desafio inusitado. Frossard condensa, em 47 “questões”, cerca de 2 mil perguntas que lhe foram feitas por estudantes franceses. Em cada questão, expõe primeiro as objeções, assumindo lealmente o ponto de vista crítico, e depois formula respostas que extrai da sua “experiência da fé”. Por que viver? Ciência e fé são compatíveis? Deus é da esquerda ou da direita? A fé e o Big Bang. A bioética. A aids. O sofrimento humano. A liberdade. Eis, respingados ao acaso, alguns dos temas que compõem um mosaico de grande atualidade jornalística.

A liberdade, adverte Frossard, “não consiste em fazer o que se tem vontade, mas também o que não se quereria, por bom senso, por respeito aos outros e muitas vezes por amor, primeiro princípio de tudo aquilo que é, foi ou será”.

Num mundo tantas vezes dominado por uma visão utilitária e hedonista, Frossard rasga o generoso horizonte da autêntica liberdade. De fato, poucas ideias gozam, da parte dos homens em geral, de apreço tão imediato e universal quanto a liberdade, mas nem todos se aprofundam igualmente na sua essência. Muitos se conformam com uma concepção superficial desse conceito: a liberdade sugere-lhes simples espontaneidade, ausência de compromissos, e isso já é suficiente. Na sua defesa da liberdade, contudo, Frossard não fica num conceito descomprometido, mas mergulha na raiz existencial da liberdade: o amor.

A liberdade, para ele, tem uma vertente transcendental, uma orientação para Deus. Não é que a liberdade deixe de ser uma realidade humana para se tornar só ou principalmente um conceito de tipo religioso. Bem ao contrário. Precisamente por dizer respeito a Deus e ao fim último da vida, essa concepção da liberdade é radicalmente humana.

O livro de Frossard é de grande atualidade. O pêndulo da História aponta o reencontro do homem com suas raízes genuínas, sua inquieta peregrinação rumo ao Criador. Na verdade, a busca de Deus é um fato sociológico. A religião, sintoma de alienação na geração passada, ganha espaço nos dias que correm, sobretudo no mundo dos jovens.

Jornalistas competentes, imunes ao vírus da superficialidade, sabem decifrar o fenômeno religioso. Outros, reféns de um sectarismo anacrônico, sucumbem à patologia dos chavões. Alguns, por exemplo, equivocadamente imaginam que o influxo cristão sobre os assuntos temporais não deveria existir. Gostariam de ver a Igreja reduzida a uma espécie de ONG da boa vontade. A História, no entanto, demonstra que a Igreja sempre será “sinal de contradição”. E os seus seguidores, embora iguais aos demais, são ao mesmo tempo instrumentos de transformação.

A aparente tensão entre o cristão, cidadão do mundo, mas não refém do mundanismo, tem levantado uma falsa contraposição entre convicção e liberdade. Estabelece-se uma absurda incompatibilidade entre realidades que deveriam caminhar juntas. Entre uma pessoa de fé e um fanático existe uma fronteira nítida: o apreço pela liberdade. O fanático impõe, empenha-se em aliciar. A pessoa de fé, ao contrário, assenta serenamente em seus valores. Por isso a sua convicção não a move a impor, mas estimula a propor, a expor à livre aceitação dos outros as ideias que acredita dignas de serem compartilhadas.

A invulgar cultura do autor – seu tom coloquial, sem formalismo – e a sinceridade das suas reflexões são algumas notas características de um texto estimulante.

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