O próximo mês de janeiro será um marco importante para o jornalismo brasileiro. O Estadão completará 150 anos. No dia 4 de janeiro de 1875, uma segunda-feira, nascia o jornal A Província de São Paulo. Fundado por um grupo de liberais de ideais republicanos quando o Brasil ainda vivia sob o regime imperial, o jornal trazia na capa de sua primeira edição os princípios que fariam da publicação uma das mais longevas do País.
“Não sendo órgão de partido algum nem estando em seus intuitos advogar os interesses de qualquer deles, e por isso mesmo colocando-se em posição de escapar às imposições do governo, às paixões partidárias e às seduções inerentes aos que aspiram ao poder e seus proventos, conta A Província de São Paulo fazer da sua independência o apanágio de sua força e a medida da severa moderação, sisudez, franqueza, lealdade e critério em que fundará o salutar prestígio a que destina-se a imprensa livre e consciente”, dizia o texto publicado junto ao nome dos 21 fundadores.
Desde a fundação, O Estado de S. Paulo, como o jornal passou a se chamar após a Proclamação da República (ou Estadão, como a sociedade apelidou espontaneamente o diário), noticiou e teve atuação decisiva nos principais acontecimentos da cidade, do País e do mundo. Passados a abolição da escravidão e o início do regime republicano, causas que defendeu em suas páginas, o jornal, além da sua função de informar, protagonizaria momentos importantes da História.
O Estadão sempre foi, e continuará sendo, fiel observador e um corajoso protagonista da nossa história. Tenho o orgulho de, a cada 15 dias, neste espaço opinativo, manter uma conversa agradável com você, amigo leitor. Sempre gozei de completa liberdade no tratamento dos temas mais variados. Em nenhum momento, ao longo de um tempo não pequeno, recebi quaisquer orientações e muito menos vetos. O Estadão acredita na liberdade e no sadio pluralismo, desde que praticado com honestidade intelectual.
Ao comemorar seus 150 anos, uma marca invejável, o Estadão olha para o futuro e encara novos desafios e novas oportunidades. Não perde, no entanto, um sadio realismo e uma oportuna autocrítica.
O jornalismo está fustigado não apenas por uma crise grave. Vive uma mudança cultural vertiginosa, enlouquecida, mas fascinante. A revolução digital é um processo disruptivo. Quebra todos os moldes e exige uma baita reinvenção. Quem não tiver disposição de mudar a própria cabeça, rápida e efetivamente, deve mudar de ramo.
O jornalismo vai morrer? Não. Nunca se consumiu tanta informação como na atualidade. O modelo de negócios está na UTI. A publicidade tradicional evaporou-se. E não voltará. Além disso, perdemos o domínio da narrativa.
O modo de produzir informação e o diálogo com o consumidor romperam o modelo tradicional. Não é mais vertical, mas horizontal. As pessoas rejeitam intermediações – dos partidos, das igrejas, das corporações, dos veículos de comunicação. O que fazer? Olhar para trás? Tentar fazer mudanças cosméticas? Não. Precisamos olhar para a frente e descobrir incríveis oportunidades.
Mas é preciso, previamente, fazer uma autocrítica corajosa a respeito do modo como vemos o mundo e dialogamos com ele. Navegamos, todos, freneticamente no espaço virtual. Uma enxurrada de estímulos dispersa a inteligência. Ficamos reféns da superficialidade. Perdemos contexto e sensibilidade crítica.
É preciso reinventar o jornalismo e recuperar, num contexto muito mais transparente e interativo, as competências e a magia do jornalismo de sempre.
É preciso contar boas histórias. Com transparência e sem filtros ideológicos. O bom jornalista ilumina a cena, o repórter manipulador constrói a história.
Sucumbe-se, frequentemente, ao politicamente correto. Certas matérias, algemadas por chavões inconsistentes que há muito deveriam ter sido banidos das redações, mostram o flagrante descompasso entre essas interpretações e a força eloquente dos números e dos fatos. Resultado: a credibilidade, verdadeiro capital de um veículo, se esvai pelo ralo dos preconceitos.
A crise do jornalismo está intimamente relacionada com a perda de qualidade do conteúdo, com o perigoso abandono de sua vocação pública e com sua equivocada transformação em produto mais próprio para consumo privado. É preciso recuperar o entusiasmo do “velho ofício”. É urgente investir fortemente na formação e qualificação dos profissionais. O valor do jornalismo se chama informação de alta qualidade, talento, critério, ética, inovação. O Brasil precisa da segurança da informação confiável.
A revalorização da reportagem e o revigoramento do jornalismo analítico devem estar entre as prioridades estratégicas. É preciso encantar o leitor com matérias que rompam com a monotonia do jornalismo declaratório. Menos Brasil oficial e mais vida. Menos aspas e mais apuração. Menos frivolidade e mais consistência. Além disso, os consumidores estão cansados do baixo-astral da imprensa. A ótica jornalística é, e deve ser, fiscalizadora. Mas é preciso reservar espaço para a boa notícia. Ela também existe. E vende o produto.
Um brinde ao Estadão e feliz Natal a todos!
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JORNALISTA. E-MAIL: DIFRANCO@ISE.ORG.BR