Professor emérito da USP, ex-ministro das Relações Exteriores (1992 e 2001-2002) e presidente da Fapesp, Celso Lafer escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|2023: rumos e desafios da política externa de Lula


Na interação entre o ‘interno’ e o ‘externo’, é relevante que o novo governo tenha sensibilidade para ampliar sua validação.

Por Celso Lafer

O legado da política externa do governo Bolsonaro é muito negativo. Isolou o Brasil no mundo; dilapidou o capital diplomático do País; diminuiu o potencial de articulação com nossos grandes parceiros; comprometeu nossa ação nas instâncias multilaterais que sempre foram histórico ativo do País. 

O governo Bolsonaro não soube traduzir objetiva e apropriadamente necessidades internas em possibilidades externas – a tarefa da política externa como política pública.

É consensual esta avaliação entre analistas da diplomacia brasileira. Foi significativo que personalidades que exerceram responsabilidades nas relações internacionais em diferentes governos e com distintas trajetórias e opiniões políticas tenham se manifestado sobre a matéria. Publicamos juntos neste jornal, em 8 de maio de 2020, artigo sobre a necessidade da reconstrução da política externa, assinado por Fernando Henrique Cardoso, Aloysio Nunes Ferreira, Celso Amorim, Francisco Rezek, José Serra, Rubens Ricupero, Hussein Kalout e por mim (A reconstrução da política externa brasileira, pág. A7).

continua após a publicidade

O texto antecipou uma abrangente coligação de apoios, que foi além do PT e contribuiu de maneira relevante para a eleição de Lula no segundo turno.

Recuperar a presença do Brasil no mundo e na nossa região será uma tarefa da terceira presidência Lula. É um dos seus explícitos propósitos, reiterado no seu discurso logo após as urnas terem consagrado sua vitória. Ela será facilitada pela expressiva percepção do que ele representa para interlocutores internacionais e do que isso significa para a renovada presença do Brasil no mundo. A abrangente repercussão de sua eleição no plano internacional é um nítido contraponto ao negativo legado da presidência Bolsonaro.

Lula já antecipou uma mudança de rumo na área ambiental, no plano interno e internacional, que tem o respaldo do apoio de Marina Silva e nos compromissos que assumiu nesta matéria. Representa a prioridade que deverá conferir a um dos mais urgentes temas da pauta internacional. Trará a recuperação da liderança brasileira neste campo, e conta com um acervo positivo de realizações e conhecimentos cujo ponto de partida foi a Rio-92. Tem o lastro que provém do fato de que nenhum dos grandes problemas da pauta ambiental – da mudança climática à preservação da biodiversidade – pode ser apropriadamente equacionado sem uma construtiva atuação do Brasil. Daí a importância atribuída à sua presença e à sua palavra na COP-27.

continua após a publicidade

A nova política externa de Lula tem o capital diplomático e político acumulado nas suas presidências anteriores. Precisará, no entanto, fazer ajustes e reavaliações em relação ao passado, tanto por razões externas quanto internas.

O cenário internacional está permeado por tensões e incertezas distintas das que enfrentou antes. Destaco a crescente relevância na competição Estados Unidos/China por hegemonia e seus desdobramentos na distribuição geopolítica do poder. É o que faz da dinâmica instável de suas relações bilaterais um componente de primeira grandeza no contexto internacional, que também tem incidência na América do Sul com repercussão em nossa inserção regional.

Menciono a guerra na Ucrânia e seus efeitos, que vão muito além das partes diretamente envolvidas no conflito. O uso unilateral da força pela Rússia de Vladimir Putin representa uma ruptura com o padrão do aceitável pelas normas internacionais, proibitivas de guerras de conquista e preservadoras da integridade territorial dos Estados. Trata-se de conduta que coloca em questão uma grande regra de equilíbrio político do sistema internacional, consagrado na Carta da ONU à luz da experiência que antecedeu e instigou a 2.ª Guerra Mundial. Ela é magnificada pelo fato de a Rússia ser potência nuclear e membro permanente do Conselho de Segurança.

continua após a publicidade

Daí a significativa ampliação das tensões de segurança no plano internacional, os seus impactos no plano energético e as alterações nas cadeias globais de bens e serviços. A crise ucraniana atinge a dinâmica da política e da economia mundial e seus efeitos diretos e indiretos nos alcançam, ainda que com menor intensidade do que outras regiões.

Realço a erosão do sistema multilateral do comércio da OMC e de suas regras, num contexto muito distinto daquele com o qual me confrontei como chanceler de Fernando Henrique Cardoso e Celso Amorim como chanceler de Lula.

No plano interno, a eleição de Lula foi fruto de uma coligação de abrangente apoio, diferente da que caracterizou o exclusivismo petista de suas anteriores vitórias e suas correspondentes inclinações diplomáticas. O momento atual é distinto. Por isso, na interação entre o interno e o externo, é relevante que tenha sensibilidade para ampliar sua validação, ou seja, venha a fazer, sem a perda de identidade, da sua política externa igualmente um componente da sua governança que contribua para sua legitimação num país que as eleições de 2022 revelaram muito dividido e polarizado.

continua após a publicidade

*

PROFESSOR EMÉRITO DA FACULDADE DE DIREITO DA USP, FOI MINISTRO DE RELAÇÕES EXTERIORES (1992 E 2001-2002)

O legado da política externa do governo Bolsonaro é muito negativo. Isolou o Brasil no mundo; dilapidou o capital diplomático do País; diminuiu o potencial de articulação com nossos grandes parceiros; comprometeu nossa ação nas instâncias multilaterais que sempre foram histórico ativo do País. 

O governo Bolsonaro não soube traduzir objetiva e apropriadamente necessidades internas em possibilidades externas – a tarefa da política externa como política pública.

É consensual esta avaliação entre analistas da diplomacia brasileira. Foi significativo que personalidades que exerceram responsabilidades nas relações internacionais em diferentes governos e com distintas trajetórias e opiniões políticas tenham se manifestado sobre a matéria. Publicamos juntos neste jornal, em 8 de maio de 2020, artigo sobre a necessidade da reconstrução da política externa, assinado por Fernando Henrique Cardoso, Aloysio Nunes Ferreira, Celso Amorim, Francisco Rezek, José Serra, Rubens Ricupero, Hussein Kalout e por mim (A reconstrução da política externa brasileira, pág. A7).

O texto antecipou uma abrangente coligação de apoios, que foi além do PT e contribuiu de maneira relevante para a eleição de Lula no segundo turno.

Recuperar a presença do Brasil no mundo e na nossa região será uma tarefa da terceira presidência Lula. É um dos seus explícitos propósitos, reiterado no seu discurso logo após as urnas terem consagrado sua vitória. Ela será facilitada pela expressiva percepção do que ele representa para interlocutores internacionais e do que isso significa para a renovada presença do Brasil no mundo. A abrangente repercussão de sua eleição no plano internacional é um nítido contraponto ao negativo legado da presidência Bolsonaro.

Lula já antecipou uma mudança de rumo na área ambiental, no plano interno e internacional, que tem o respaldo do apoio de Marina Silva e nos compromissos que assumiu nesta matéria. Representa a prioridade que deverá conferir a um dos mais urgentes temas da pauta internacional. Trará a recuperação da liderança brasileira neste campo, e conta com um acervo positivo de realizações e conhecimentos cujo ponto de partida foi a Rio-92. Tem o lastro que provém do fato de que nenhum dos grandes problemas da pauta ambiental – da mudança climática à preservação da biodiversidade – pode ser apropriadamente equacionado sem uma construtiva atuação do Brasil. Daí a importância atribuída à sua presença e à sua palavra na COP-27.

A nova política externa de Lula tem o capital diplomático e político acumulado nas suas presidências anteriores. Precisará, no entanto, fazer ajustes e reavaliações em relação ao passado, tanto por razões externas quanto internas.

O cenário internacional está permeado por tensões e incertezas distintas das que enfrentou antes. Destaco a crescente relevância na competição Estados Unidos/China por hegemonia e seus desdobramentos na distribuição geopolítica do poder. É o que faz da dinâmica instável de suas relações bilaterais um componente de primeira grandeza no contexto internacional, que também tem incidência na América do Sul com repercussão em nossa inserção regional.

Menciono a guerra na Ucrânia e seus efeitos, que vão muito além das partes diretamente envolvidas no conflito. O uso unilateral da força pela Rússia de Vladimir Putin representa uma ruptura com o padrão do aceitável pelas normas internacionais, proibitivas de guerras de conquista e preservadoras da integridade territorial dos Estados. Trata-se de conduta que coloca em questão uma grande regra de equilíbrio político do sistema internacional, consagrado na Carta da ONU à luz da experiência que antecedeu e instigou a 2.ª Guerra Mundial. Ela é magnificada pelo fato de a Rússia ser potência nuclear e membro permanente do Conselho de Segurança.

Daí a significativa ampliação das tensões de segurança no plano internacional, os seus impactos no plano energético e as alterações nas cadeias globais de bens e serviços. A crise ucraniana atinge a dinâmica da política e da economia mundial e seus efeitos diretos e indiretos nos alcançam, ainda que com menor intensidade do que outras regiões.

Realço a erosão do sistema multilateral do comércio da OMC e de suas regras, num contexto muito distinto daquele com o qual me confrontei como chanceler de Fernando Henrique Cardoso e Celso Amorim como chanceler de Lula.

No plano interno, a eleição de Lula foi fruto de uma coligação de abrangente apoio, diferente da que caracterizou o exclusivismo petista de suas anteriores vitórias e suas correspondentes inclinações diplomáticas. O momento atual é distinto. Por isso, na interação entre o interno e o externo, é relevante que tenha sensibilidade para ampliar sua validação, ou seja, venha a fazer, sem a perda de identidade, da sua política externa igualmente um componente da sua governança que contribua para sua legitimação num país que as eleições de 2022 revelaram muito dividido e polarizado.

*

PROFESSOR EMÉRITO DA FACULDADE DE DIREITO DA USP, FOI MINISTRO DE RELAÇÕES EXTERIORES (1992 E 2001-2002)

O legado da política externa do governo Bolsonaro é muito negativo. Isolou o Brasil no mundo; dilapidou o capital diplomático do País; diminuiu o potencial de articulação com nossos grandes parceiros; comprometeu nossa ação nas instâncias multilaterais que sempre foram histórico ativo do País. 

O governo Bolsonaro não soube traduzir objetiva e apropriadamente necessidades internas em possibilidades externas – a tarefa da política externa como política pública.

É consensual esta avaliação entre analistas da diplomacia brasileira. Foi significativo que personalidades que exerceram responsabilidades nas relações internacionais em diferentes governos e com distintas trajetórias e opiniões políticas tenham se manifestado sobre a matéria. Publicamos juntos neste jornal, em 8 de maio de 2020, artigo sobre a necessidade da reconstrução da política externa, assinado por Fernando Henrique Cardoso, Aloysio Nunes Ferreira, Celso Amorim, Francisco Rezek, José Serra, Rubens Ricupero, Hussein Kalout e por mim (A reconstrução da política externa brasileira, pág. A7).

O texto antecipou uma abrangente coligação de apoios, que foi além do PT e contribuiu de maneira relevante para a eleição de Lula no segundo turno.

Recuperar a presença do Brasil no mundo e na nossa região será uma tarefa da terceira presidência Lula. É um dos seus explícitos propósitos, reiterado no seu discurso logo após as urnas terem consagrado sua vitória. Ela será facilitada pela expressiva percepção do que ele representa para interlocutores internacionais e do que isso significa para a renovada presença do Brasil no mundo. A abrangente repercussão de sua eleição no plano internacional é um nítido contraponto ao negativo legado da presidência Bolsonaro.

Lula já antecipou uma mudança de rumo na área ambiental, no plano interno e internacional, que tem o respaldo do apoio de Marina Silva e nos compromissos que assumiu nesta matéria. Representa a prioridade que deverá conferir a um dos mais urgentes temas da pauta internacional. Trará a recuperação da liderança brasileira neste campo, e conta com um acervo positivo de realizações e conhecimentos cujo ponto de partida foi a Rio-92. Tem o lastro que provém do fato de que nenhum dos grandes problemas da pauta ambiental – da mudança climática à preservação da biodiversidade – pode ser apropriadamente equacionado sem uma construtiva atuação do Brasil. Daí a importância atribuída à sua presença e à sua palavra na COP-27.

A nova política externa de Lula tem o capital diplomático e político acumulado nas suas presidências anteriores. Precisará, no entanto, fazer ajustes e reavaliações em relação ao passado, tanto por razões externas quanto internas.

O cenário internacional está permeado por tensões e incertezas distintas das que enfrentou antes. Destaco a crescente relevância na competição Estados Unidos/China por hegemonia e seus desdobramentos na distribuição geopolítica do poder. É o que faz da dinâmica instável de suas relações bilaterais um componente de primeira grandeza no contexto internacional, que também tem incidência na América do Sul com repercussão em nossa inserção regional.

Menciono a guerra na Ucrânia e seus efeitos, que vão muito além das partes diretamente envolvidas no conflito. O uso unilateral da força pela Rússia de Vladimir Putin representa uma ruptura com o padrão do aceitável pelas normas internacionais, proibitivas de guerras de conquista e preservadoras da integridade territorial dos Estados. Trata-se de conduta que coloca em questão uma grande regra de equilíbrio político do sistema internacional, consagrado na Carta da ONU à luz da experiência que antecedeu e instigou a 2.ª Guerra Mundial. Ela é magnificada pelo fato de a Rússia ser potência nuclear e membro permanente do Conselho de Segurança.

Daí a significativa ampliação das tensões de segurança no plano internacional, os seus impactos no plano energético e as alterações nas cadeias globais de bens e serviços. A crise ucraniana atinge a dinâmica da política e da economia mundial e seus efeitos diretos e indiretos nos alcançam, ainda que com menor intensidade do que outras regiões.

Realço a erosão do sistema multilateral do comércio da OMC e de suas regras, num contexto muito distinto daquele com o qual me confrontei como chanceler de Fernando Henrique Cardoso e Celso Amorim como chanceler de Lula.

No plano interno, a eleição de Lula foi fruto de uma coligação de abrangente apoio, diferente da que caracterizou o exclusivismo petista de suas anteriores vitórias e suas correspondentes inclinações diplomáticas. O momento atual é distinto. Por isso, na interação entre o interno e o externo, é relevante que tenha sensibilidade para ampliar sua validação, ou seja, venha a fazer, sem a perda de identidade, da sua política externa igualmente um componente da sua governança que contribua para sua legitimação num país que as eleições de 2022 revelaram muito dividido e polarizado.

*

PROFESSOR EMÉRITO DA FACULDADE DE DIREITO DA USP, FOI MINISTRO DE RELAÇÕES EXTERIORES (1992 E 2001-2002)

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.