Professor emérito da USP, ex-ministro das Relações Exteriores (1992 e 2001-2002) e presidente da Fapesp, Celso Lafer escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|A Declaração Universal e a ciência


Importância do direito à ciência é crescente em função da velocidade com que a cultura científica altera as condições da vida

Por Celso Lafer

A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi adotada e proclamada pela Assembleia-Geral da ONU em 10 de dezembro de 1948. Ela tem o significado de um evento inaugural ao reconhecer a importância do “direito a ter direitos” das pessoas como critério organizador da convivência coletiva. Ela traçou uma política de direito que foi aprofundando por meio de tratados internacionais o alcance de uma plataforma emancipatória do ser humano, inerente ao seu preâmbulo e ao articulado dos seus 30 artigos.

Uma dimensão emancipatória contemplada pela declaração que tem sido menos destacada é o direito à ciência. Trata-se, como diz o enunciado do seu artigo 27, de um direito de participar “do progresso científico e de seus benefícios”. Sua importância é crescente em função da velocidade do processo com o qual a cultura científica da pesquisa básica e aplicada altera de maneira constitutiva as condições da vida no interconectado mundo contemporâneo.

É o que gera novos riscos e oportunidades para o ser humano, por exemplo no âmbito da saúde e do meio ambiente que só a ciência tem condição de gestionar.

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Daí o alcance do direito à ciência que a declaração anteviu, com clarividência, e que se contrapõe à intransitividade negacionista do seu papel.

O artigo 27 não existe por si só. Integra o articulado dos quatro pilares da arquitetura da Declaração Universal.

É no seu abrangente contexto de interdependência e complementaridade que a declaração especifica a obrigação positiva de estender a todos os benefícios da criatividade humana. Tem como base a abrangente afirmação universal da generalização do princípio da igualdade e o seu corolário lógico – a não discriminação, pelo qual se iniciou, no século 17, nos âmbitos nacionais, a sua positivação. É o que dispõe a Declaração Universal no seu pórtico (artigos 1 e 2) para recorrer à formulação de René Cassin, que foi um de seus redatores. O pórtico é o pano de fundo que inspirou a elaboração da declaração, elaborada na perspectiva ex parte populi e não na visão de governantes e dos riscos do arbítrio da “razão de Estado”, pois tem como fonte material as atrocidades do Holocausto nazista.

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É por essa razão que os direitos humanos, no seu conjunto, no dizer do jurista italiano Luigi Ferrajoli, formulam “leis dos mais débeis que se contrapõem à lei dos mais fortes”, na dinâmica dos laços entre o indivíduo e a sociedade.

A declaração não se circunscreve a enfrentar os problemas que estão na sua origem e que continuam presentes. Projetou, com suas normas, valores fundamentais modeladores do futuro. É o caso do direito à ciência, como destaca Andrea Boggio. Com efeito, o artigo 27 realça e aponta para a importância crescente, no mundo contemporâneo, dos vínculos entre ciência, sociedade e suas instituições.

O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966, na vis directiva da declaração, retoma a importância da matéria. Seu artigo 15 reconhece a cada indivíduo o direito de “desfrutar o progresso científico e suas aplicações” e afirma a obrigação do Estado de “respeitar a liberdade indispensável à pesquisa científica”. Reconhece igualmente os benefícios do fomento à cooperação internacional no domínio da ciência, que embasa a atualidade da diplomacia da ciência a que me dediquei no período em que presidi a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

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O avanço do conhecimento científico e os benefícios de suas descobertas ampliam o escopo do direito à saúde e da assistência médica na prevenção e tratamento das enfermidades e das epidemias. É o que permite dar maior efetividade à saúde como bem público.

É no âmbito do meio ambiente e da transversalidade dos seus problemas que a ciência desempenha um papel crítico no encaminhamento dos seus crescentes desafios. A Declaração de Estocolmo de 1972 destacou premonitoriamente o papel da ciência e da tecnologia para descobrir, evitar e combater os riscos que ameaçam o meio ambiente e conceber soluções para seu encaminhamento.

Na Conferência do Rio de 1992, que acompanhei de perto como seu vice-presidente, relembro que a ciência e o conhecimento foram a fonte material das duas grandes convenções que dela emanaram: a do clima e a da diversidade biológica. Ambas enfatizaram nas suas normas a relevância do papel da ciência para o aprofundamento dos compromissos dos Estados, na dinâmica da regularidade de suas COPs.

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Desnecessário reiterar os riscos que rondam a sustentabilidade do mundo que a ciência desvenda e ao mesmo tempo oferece um horizonte de descobertas para uma gestão em benefício da humanidade dos seres que a integram.

Em síntese, o direito à ciência ilumina o papel da ciência e do conhecimento na condução das políticas públicas e na diplomacia das negociações internacionais, adensa a relevância da diplomacia da cooperação internacional na matéria e destaca o papel da ciência como um meio próprio de aprimorar a convivência coletiva – o valor fundante inspirador da Declaração Universal.

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PROFESSOR EMÉRITO DA FACULDADE DE DIREITO DA USP, FOI MINISTRO DAS RELAÇÕES EXTERIORES (1992, 2001-2002)

A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi adotada e proclamada pela Assembleia-Geral da ONU em 10 de dezembro de 1948. Ela tem o significado de um evento inaugural ao reconhecer a importância do “direito a ter direitos” das pessoas como critério organizador da convivência coletiva. Ela traçou uma política de direito que foi aprofundando por meio de tratados internacionais o alcance de uma plataforma emancipatória do ser humano, inerente ao seu preâmbulo e ao articulado dos seus 30 artigos.

Uma dimensão emancipatória contemplada pela declaração que tem sido menos destacada é o direito à ciência. Trata-se, como diz o enunciado do seu artigo 27, de um direito de participar “do progresso científico e de seus benefícios”. Sua importância é crescente em função da velocidade do processo com o qual a cultura científica da pesquisa básica e aplicada altera de maneira constitutiva as condições da vida no interconectado mundo contemporâneo.

É o que gera novos riscos e oportunidades para o ser humano, por exemplo no âmbito da saúde e do meio ambiente que só a ciência tem condição de gestionar.

Daí o alcance do direito à ciência que a declaração anteviu, com clarividência, e que se contrapõe à intransitividade negacionista do seu papel.

O artigo 27 não existe por si só. Integra o articulado dos quatro pilares da arquitetura da Declaração Universal.

É no seu abrangente contexto de interdependência e complementaridade que a declaração especifica a obrigação positiva de estender a todos os benefícios da criatividade humana. Tem como base a abrangente afirmação universal da generalização do princípio da igualdade e o seu corolário lógico – a não discriminação, pelo qual se iniciou, no século 17, nos âmbitos nacionais, a sua positivação. É o que dispõe a Declaração Universal no seu pórtico (artigos 1 e 2) para recorrer à formulação de René Cassin, que foi um de seus redatores. O pórtico é o pano de fundo que inspirou a elaboração da declaração, elaborada na perspectiva ex parte populi e não na visão de governantes e dos riscos do arbítrio da “razão de Estado”, pois tem como fonte material as atrocidades do Holocausto nazista.

É por essa razão que os direitos humanos, no seu conjunto, no dizer do jurista italiano Luigi Ferrajoli, formulam “leis dos mais débeis que se contrapõem à lei dos mais fortes”, na dinâmica dos laços entre o indivíduo e a sociedade.

A declaração não se circunscreve a enfrentar os problemas que estão na sua origem e que continuam presentes. Projetou, com suas normas, valores fundamentais modeladores do futuro. É o caso do direito à ciência, como destaca Andrea Boggio. Com efeito, o artigo 27 realça e aponta para a importância crescente, no mundo contemporâneo, dos vínculos entre ciência, sociedade e suas instituições.

O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966, na vis directiva da declaração, retoma a importância da matéria. Seu artigo 15 reconhece a cada indivíduo o direito de “desfrutar o progresso científico e suas aplicações” e afirma a obrigação do Estado de “respeitar a liberdade indispensável à pesquisa científica”. Reconhece igualmente os benefícios do fomento à cooperação internacional no domínio da ciência, que embasa a atualidade da diplomacia da ciência a que me dediquei no período em que presidi a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

O avanço do conhecimento científico e os benefícios de suas descobertas ampliam o escopo do direito à saúde e da assistência médica na prevenção e tratamento das enfermidades e das epidemias. É o que permite dar maior efetividade à saúde como bem público.

É no âmbito do meio ambiente e da transversalidade dos seus problemas que a ciência desempenha um papel crítico no encaminhamento dos seus crescentes desafios. A Declaração de Estocolmo de 1972 destacou premonitoriamente o papel da ciência e da tecnologia para descobrir, evitar e combater os riscos que ameaçam o meio ambiente e conceber soluções para seu encaminhamento.

Na Conferência do Rio de 1992, que acompanhei de perto como seu vice-presidente, relembro que a ciência e o conhecimento foram a fonte material das duas grandes convenções que dela emanaram: a do clima e a da diversidade biológica. Ambas enfatizaram nas suas normas a relevância do papel da ciência para o aprofundamento dos compromissos dos Estados, na dinâmica da regularidade de suas COPs.

Desnecessário reiterar os riscos que rondam a sustentabilidade do mundo que a ciência desvenda e ao mesmo tempo oferece um horizonte de descobertas para uma gestão em benefício da humanidade dos seres que a integram.

Em síntese, o direito à ciência ilumina o papel da ciência e do conhecimento na condução das políticas públicas e na diplomacia das negociações internacionais, adensa a relevância da diplomacia da cooperação internacional na matéria e destaca o papel da ciência como um meio próprio de aprimorar a convivência coletiva – o valor fundante inspirador da Declaração Universal.

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PROFESSOR EMÉRITO DA FACULDADE DE DIREITO DA USP, FOI MINISTRO DAS RELAÇÕES EXTERIORES (1992, 2001-2002)

A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi adotada e proclamada pela Assembleia-Geral da ONU em 10 de dezembro de 1948. Ela tem o significado de um evento inaugural ao reconhecer a importância do “direito a ter direitos” das pessoas como critério organizador da convivência coletiva. Ela traçou uma política de direito que foi aprofundando por meio de tratados internacionais o alcance de uma plataforma emancipatória do ser humano, inerente ao seu preâmbulo e ao articulado dos seus 30 artigos.

Uma dimensão emancipatória contemplada pela declaração que tem sido menos destacada é o direito à ciência. Trata-se, como diz o enunciado do seu artigo 27, de um direito de participar “do progresso científico e de seus benefícios”. Sua importância é crescente em função da velocidade do processo com o qual a cultura científica da pesquisa básica e aplicada altera de maneira constitutiva as condições da vida no interconectado mundo contemporâneo.

É o que gera novos riscos e oportunidades para o ser humano, por exemplo no âmbito da saúde e do meio ambiente que só a ciência tem condição de gestionar.

Daí o alcance do direito à ciência que a declaração anteviu, com clarividência, e que se contrapõe à intransitividade negacionista do seu papel.

O artigo 27 não existe por si só. Integra o articulado dos quatro pilares da arquitetura da Declaração Universal.

É no seu abrangente contexto de interdependência e complementaridade que a declaração especifica a obrigação positiva de estender a todos os benefícios da criatividade humana. Tem como base a abrangente afirmação universal da generalização do princípio da igualdade e o seu corolário lógico – a não discriminação, pelo qual se iniciou, no século 17, nos âmbitos nacionais, a sua positivação. É o que dispõe a Declaração Universal no seu pórtico (artigos 1 e 2) para recorrer à formulação de René Cassin, que foi um de seus redatores. O pórtico é o pano de fundo que inspirou a elaboração da declaração, elaborada na perspectiva ex parte populi e não na visão de governantes e dos riscos do arbítrio da “razão de Estado”, pois tem como fonte material as atrocidades do Holocausto nazista.

É por essa razão que os direitos humanos, no seu conjunto, no dizer do jurista italiano Luigi Ferrajoli, formulam “leis dos mais débeis que se contrapõem à lei dos mais fortes”, na dinâmica dos laços entre o indivíduo e a sociedade.

A declaração não se circunscreve a enfrentar os problemas que estão na sua origem e que continuam presentes. Projetou, com suas normas, valores fundamentais modeladores do futuro. É o caso do direito à ciência, como destaca Andrea Boggio. Com efeito, o artigo 27 realça e aponta para a importância crescente, no mundo contemporâneo, dos vínculos entre ciência, sociedade e suas instituições.

O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966, na vis directiva da declaração, retoma a importância da matéria. Seu artigo 15 reconhece a cada indivíduo o direito de “desfrutar o progresso científico e suas aplicações” e afirma a obrigação do Estado de “respeitar a liberdade indispensável à pesquisa científica”. Reconhece igualmente os benefícios do fomento à cooperação internacional no domínio da ciência, que embasa a atualidade da diplomacia da ciência a que me dediquei no período em que presidi a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

O avanço do conhecimento científico e os benefícios de suas descobertas ampliam o escopo do direito à saúde e da assistência médica na prevenção e tratamento das enfermidades e das epidemias. É o que permite dar maior efetividade à saúde como bem público.

É no âmbito do meio ambiente e da transversalidade dos seus problemas que a ciência desempenha um papel crítico no encaminhamento dos seus crescentes desafios. A Declaração de Estocolmo de 1972 destacou premonitoriamente o papel da ciência e da tecnologia para descobrir, evitar e combater os riscos que ameaçam o meio ambiente e conceber soluções para seu encaminhamento.

Na Conferência do Rio de 1992, que acompanhei de perto como seu vice-presidente, relembro que a ciência e o conhecimento foram a fonte material das duas grandes convenções que dela emanaram: a do clima e a da diversidade biológica. Ambas enfatizaram nas suas normas a relevância do papel da ciência para o aprofundamento dos compromissos dos Estados, na dinâmica da regularidade de suas COPs.

Desnecessário reiterar os riscos que rondam a sustentabilidade do mundo que a ciência desvenda e ao mesmo tempo oferece um horizonte de descobertas para uma gestão em benefício da humanidade dos seres que a integram.

Em síntese, o direito à ciência ilumina o papel da ciência e do conhecimento na condução das políticas públicas e na diplomacia das negociações internacionais, adensa a relevância da diplomacia da cooperação internacional na matéria e destaca o papel da ciência como um meio próprio de aprimorar a convivência coletiva – o valor fundante inspirador da Declaração Universal.

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PROFESSOR EMÉRITO DA FACULDADE DE DIREITO DA USP, FOI MINISTRO DAS RELAÇÕES EXTERIORES (1992, 2001-2002)

Opinião por Celso Lafer

Professor emérito do Instituto de Relações Internacionais da USP, foi ministro de Relações Exteriores (1992; 2001-2002)

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