Professor emérito da USP, ex-ministro das Relações Exteriores (1992 e 2001-2002) e presidente da Fapesp, Celso Lafer escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|FHC e o Real, 30 anos


É justo dizer que, graças à sua atuação, Fernando Henrique Cardoso ampliou até os dias de hoje o controle da sociedade brasileira sobre o seu destino

Por Celso Lafer

Há 30 anos teve início o Real, que debelou anos de alta e crônica inflação, com efeito corrosivo no dia a dia da vida das pessoas. Teve um impacto perdurável. Transformou a sociedade brasileira, propiciando a previsibilidade econômica e social das expectativas.

A moeda não serve apenas para comprar e vender. É, como a língua e a bandeira, um símbolo nacional, na observação antropológica de Darcy Ribeiro. Tem, com sua dimensão de credibilidade, uma função aglutinadora fundamental. Foi o que observou FHC em A Arte da Política, livro de reflexão sobre a sua experiência, em que dá relevante destaque ao que foi a tarefa política da implantação do Real, um dos seus duradouros legados para o País.

O legado de um homem de Estado se mede, ensina Joaquim Nabuco em Balmaceda, pelo inventário de como encontrou o País e como o deixou. O saldo do legado de FHC é múltiplo e altamente superavitário. Um dos seus grandes componentes é o Real, fruto da sua atuação como ministro da Fazenda do governo Itamar Franco e que se aperfeiçoou nos seus dois mandatos presidenciais.

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A consolidação do Real como moeda tornou-se uma adquirida conquista da sociedade brasileira. FHC foi seu grande e democrático timoneiro. Teve a liderança no delinear dos rumos, soube mobilizar o conhecimento técnico para viabilizar os rumos da estabilização e, com o seu domínio das “artes da política” e sua capacidade de se comunicar e convencer a sociedade brasileira, construiu o caminho do Real.

A coragem, o sentimento de suas próprias forças, é uma indispensável virtude política. FHC possui esta virtude forte e a revelou ao deixar o “à vontade” de sua qualificada atuação no Itamaraty e o seu papel na articulação política do governo, e aceitar o convite-convocação do presidente Itamar para ser o seu quarto ministro da Fazenda. Uma responsabilidade assumida em meio a uma inflação de 30% ao mês, tendo como pano de fundo quatro recentes planos de estabilização fracassados. Cabe lembrar que era grande o ceticismo dos atores políticos e econômicos na capacidade de FHC, nas incertezas da conjuntura da época e no pouco tempo que tinha pela frente, em razão do término do mandato de Itamar para levar a bom termo a sua desafiante empreitada.

FHC identificou no imprevisto do convite-convocação para assumir o Ministério da Fazenda – que ele não buscou e não estava nos seus planos – uma grande oportunidade para servir, ao seu tempo na vida brasileira. Ulysses Guimarães, com sabedoria política, observou que há horas difíceis para uma tomada de posição. Pontuou que todo político tem o seu Rubicão. Atravessa-o e se consagra ou estanca na sua margem e se liquida. FHC, ao aceitar o Ministério da Fazenda, atravessou o seu Rubicão e se consagrou como estadista.

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Itamar Franco não era uma personalidade fácil, mas era um homem de bem, preocupado com a inflação. FHC tinha o benefício do seu prévio convívio e conhecimento no Senado. Itamar deu a FHC liberdade para a formação de sua equipe técnica.

Uma das características da liderança de FHC e de sua visão estratégica era a sua convicção de que “o grande político é o homem que consegue juntar pessoas de talento”. Reuniu uma equipe de qualificados economistas que se tinham dedicado aos temas da teoria econômica da inflação, examinando com vocação acadêmica as razões que levaram ao fracasso planos anteriores e concebendo alternativas inovadoras. Tinha no relacionamento com a sua equipe o indispensável dom da autoridade reconhecida e consentida.

A organização do plano complementou-se com uma indispensável articulação no Congresso, cujas inúmeras dificuldades na tramitação de necessária legislação FHC deslindou com seus dotes de parlamentar respeitado e apreciado pelos pares. Obteve encaminhamento da dívida externa que adicionou credibilidade internacional à sua gestão. Arrematou o caminho do Real com a originalidade da URV.

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A URV, uma unidade de conta com reajustes diários, conviveu temporariamente com o desvalido cruzeiro até sua extinção, quando foi substituído pelo real com a paridade estipulada pelo dólar. Como sintetizou FHC, a URV foi matando a inflação com seu próprio veneno.

Explicar o Real e a URV para a sociedade brasileira não era tarefa fácil, não apenas pela sua complexidade técnica. Era necessário superar com transparência as desconfianças do passado recente e indicar que o plano não envolvia congelamento de preços e salários ou qualquer tipo de medida arbitrária ou surpreendente.

Foi a convicção democrática de FHC que abriu os caminhos do Real. É o que explica seu empenho obsessivo de persuadir a sociedade brasileira, de formar os consensos mínimos dentro do governo, no Congresso, com os partidos e entre os agentes que tomam as decisões ou impedem que sejam tomadas.

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Nos 30 anos do Real e na proximidade dos 93 anos de FHC, é justo dizer, pelo recorte deste artigo, que graças à sua atuação ele ampliou até os dias de hoje o controle da sociedade brasileira sobre o seu destino.

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PROFESSOR EMÉRITO DA FACULDADE DE DIREITO DA USP, FOI MINISTRO DAS RELAÇÕES EXTERIORES (1992, 2001-2002)

Há 30 anos teve início o Real, que debelou anos de alta e crônica inflação, com efeito corrosivo no dia a dia da vida das pessoas. Teve um impacto perdurável. Transformou a sociedade brasileira, propiciando a previsibilidade econômica e social das expectativas.

A moeda não serve apenas para comprar e vender. É, como a língua e a bandeira, um símbolo nacional, na observação antropológica de Darcy Ribeiro. Tem, com sua dimensão de credibilidade, uma função aglutinadora fundamental. Foi o que observou FHC em A Arte da Política, livro de reflexão sobre a sua experiência, em que dá relevante destaque ao que foi a tarefa política da implantação do Real, um dos seus duradouros legados para o País.

O legado de um homem de Estado se mede, ensina Joaquim Nabuco em Balmaceda, pelo inventário de como encontrou o País e como o deixou. O saldo do legado de FHC é múltiplo e altamente superavitário. Um dos seus grandes componentes é o Real, fruto da sua atuação como ministro da Fazenda do governo Itamar Franco e que se aperfeiçoou nos seus dois mandatos presidenciais.

A consolidação do Real como moeda tornou-se uma adquirida conquista da sociedade brasileira. FHC foi seu grande e democrático timoneiro. Teve a liderança no delinear dos rumos, soube mobilizar o conhecimento técnico para viabilizar os rumos da estabilização e, com o seu domínio das “artes da política” e sua capacidade de se comunicar e convencer a sociedade brasileira, construiu o caminho do Real.

A coragem, o sentimento de suas próprias forças, é uma indispensável virtude política. FHC possui esta virtude forte e a revelou ao deixar o “à vontade” de sua qualificada atuação no Itamaraty e o seu papel na articulação política do governo, e aceitar o convite-convocação do presidente Itamar para ser o seu quarto ministro da Fazenda. Uma responsabilidade assumida em meio a uma inflação de 30% ao mês, tendo como pano de fundo quatro recentes planos de estabilização fracassados. Cabe lembrar que era grande o ceticismo dos atores políticos e econômicos na capacidade de FHC, nas incertezas da conjuntura da época e no pouco tempo que tinha pela frente, em razão do término do mandato de Itamar para levar a bom termo a sua desafiante empreitada.

FHC identificou no imprevisto do convite-convocação para assumir o Ministério da Fazenda – que ele não buscou e não estava nos seus planos – uma grande oportunidade para servir, ao seu tempo na vida brasileira. Ulysses Guimarães, com sabedoria política, observou que há horas difíceis para uma tomada de posição. Pontuou que todo político tem o seu Rubicão. Atravessa-o e se consagra ou estanca na sua margem e se liquida. FHC, ao aceitar o Ministério da Fazenda, atravessou o seu Rubicão e se consagrou como estadista.

Itamar Franco não era uma personalidade fácil, mas era um homem de bem, preocupado com a inflação. FHC tinha o benefício do seu prévio convívio e conhecimento no Senado. Itamar deu a FHC liberdade para a formação de sua equipe técnica.

Uma das características da liderança de FHC e de sua visão estratégica era a sua convicção de que “o grande político é o homem que consegue juntar pessoas de talento”. Reuniu uma equipe de qualificados economistas que se tinham dedicado aos temas da teoria econômica da inflação, examinando com vocação acadêmica as razões que levaram ao fracasso planos anteriores e concebendo alternativas inovadoras. Tinha no relacionamento com a sua equipe o indispensável dom da autoridade reconhecida e consentida.

A organização do plano complementou-se com uma indispensável articulação no Congresso, cujas inúmeras dificuldades na tramitação de necessária legislação FHC deslindou com seus dotes de parlamentar respeitado e apreciado pelos pares. Obteve encaminhamento da dívida externa que adicionou credibilidade internacional à sua gestão. Arrematou o caminho do Real com a originalidade da URV.

A URV, uma unidade de conta com reajustes diários, conviveu temporariamente com o desvalido cruzeiro até sua extinção, quando foi substituído pelo real com a paridade estipulada pelo dólar. Como sintetizou FHC, a URV foi matando a inflação com seu próprio veneno.

Explicar o Real e a URV para a sociedade brasileira não era tarefa fácil, não apenas pela sua complexidade técnica. Era necessário superar com transparência as desconfianças do passado recente e indicar que o plano não envolvia congelamento de preços e salários ou qualquer tipo de medida arbitrária ou surpreendente.

Foi a convicção democrática de FHC que abriu os caminhos do Real. É o que explica seu empenho obsessivo de persuadir a sociedade brasileira, de formar os consensos mínimos dentro do governo, no Congresso, com os partidos e entre os agentes que tomam as decisões ou impedem que sejam tomadas.

Nos 30 anos do Real e na proximidade dos 93 anos de FHC, é justo dizer, pelo recorte deste artigo, que graças à sua atuação ele ampliou até os dias de hoje o controle da sociedade brasileira sobre o seu destino.

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PROFESSOR EMÉRITO DA FACULDADE DE DIREITO DA USP, FOI MINISTRO DAS RELAÇÕES EXTERIORES (1992, 2001-2002)

Há 30 anos teve início o Real, que debelou anos de alta e crônica inflação, com efeito corrosivo no dia a dia da vida das pessoas. Teve um impacto perdurável. Transformou a sociedade brasileira, propiciando a previsibilidade econômica e social das expectativas.

A moeda não serve apenas para comprar e vender. É, como a língua e a bandeira, um símbolo nacional, na observação antropológica de Darcy Ribeiro. Tem, com sua dimensão de credibilidade, uma função aglutinadora fundamental. Foi o que observou FHC em A Arte da Política, livro de reflexão sobre a sua experiência, em que dá relevante destaque ao que foi a tarefa política da implantação do Real, um dos seus duradouros legados para o País.

O legado de um homem de Estado se mede, ensina Joaquim Nabuco em Balmaceda, pelo inventário de como encontrou o País e como o deixou. O saldo do legado de FHC é múltiplo e altamente superavitário. Um dos seus grandes componentes é o Real, fruto da sua atuação como ministro da Fazenda do governo Itamar Franco e que se aperfeiçoou nos seus dois mandatos presidenciais.

A consolidação do Real como moeda tornou-se uma adquirida conquista da sociedade brasileira. FHC foi seu grande e democrático timoneiro. Teve a liderança no delinear dos rumos, soube mobilizar o conhecimento técnico para viabilizar os rumos da estabilização e, com o seu domínio das “artes da política” e sua capacidade de se comunicar e convencer a sociedade brasileira, construiu o caminho do Real.

A coragem, o sentimento de suas próprias forças, é uma indispensável virtude política. FHC possui esta virtude forte e a revelou ao deixar o “à vontade” de sua qualificada atuação no Itamaraty e o seu papel na articulação política do governo, e aceitar o convite-convocação do presidente Itamar para ser o seu quarto ministro da Fazenda. Uma responsabilidade assumida em meio a uma inflação de 30% ao mês, tendo como pano de fundo quatro recentes planos de estabilização fracassados. Cabe lembrar que era grande o ceticismo dos atores políticos e econômicos na capacidade de FHC, nas incertezas da conjuntura da época e no pouco tempo que tinha pela frente, em razão do término do mandato de Itamar para levar a bom termo a sua desafiante empreitada.

FHC identificou no imprevisto do convite-convocação para assumir o Ministério da Fazenda – que ele não buscou e não estava nos seus planos – uma grande oportunidade para servir, ao seu tempo na vida brasileira. Ulysses Guimarães, com sabedoria política, observou que há horas difíceis para uma tomada de posição. Pontuou que todo político tem o seu Rubicão. Atravessa-o e se consagra ou estanca na sua margem e se liquida. FHC, ao aceitar o Ministério da Fazenda, atravessou o seu Rubicão e se consagrou como estadista.

Itamar Franco não era uma personalidade fácil, mas era um homem de bem, preocupado com a inflação. FHC tinha o benefício do seu prévio convívio e conhecimento no Senado. Itamar deu a FHC liberdade para a formação de sua equipe técnica.

Uma das características da liderança de FHC e de sua visão estratégica era a sua convicção de que “o grande político é o homem que consegue juntar pessoas de talento”. Reuniu uma equipe de qualificados economistas que se tinham dedicado aos temas da teoria econômica da inflação, examinando com vocação acadêmica as razões que levaram ao fracasso planos anteriores e concebendo alternativas inovadoras. Tinha no relacionamento com a sua equipe o indispensável dom da autoridade reconhecida e consentida.

A organização do plano complementou-se com uma indispensável articulação no Congresso, cujas inúmeras dificuldades na tramitação de necessária legislação FHC deslindou com seus dotes de parlamentar respeitado e apreciado pelos pares. Obteve encaminhamento da dívida externa que adicionou credibilidade internacional à sua gestão. Arrematou o caminho do Real com a originalidade da URV.

A URV, uma unidade de conta com reajustes diários, conviveu temporariamente com o desvalido cruzeiro até sua extinção, quando foi substituído pelo real com a paridade estipulada pelo dólar. Como sintetizou FHC, a URV foi matando a inflação com seu próprio veneno.

Explicar o Real e a URV para a sociedade brasileira não era tarefa fácil, não apenas pela sua complexidade técnica. Era necessário superar com transparência as desconfianças do passado recente e indicar que o plano não envolvia congelamento de preços e salários ou qualquer tipo de medida arbitrária ou surpreendente.

Foi a convicção democrática de FHC que abriu os caminhos do Real. É o que explica seu empenho obsessivo de persuadir a sociedade brasileira, de formar os consensos mínimos dentro do governo, no Congresso, com os partidos e entre os agentes que tomam as decisões ou impedem que sejam tomadas.

Nos 30 anos do Real e na proximidade dos 93 anos de FHC, é justo dizer, pelo recorte deste artigo, que graças à sua atuação ele ampliou até os dias de hoje o controle da sociedade brasileira sobre o seu destino.

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PROFESSOR EMÉRITO DA FACULDADE DE DIREITO DA USP, FOI MINISTRO DAS RELAÇÕES EXTERIORES (1992, 2001-2002)

Opinião por Celso Lafer

Professor emérito do Instituto de Relações Internacionais da USP, foi ministro de Relações Exteriores (1992; 2001-2002)

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