As cidades estão na linha de frente do combate ao vírus. Nos primeiros meses, 95% dos casos foram registrados nas cidades. A pandemia revelou a extensão das vulnerabilidades e desigualdades urbanas, mas também a centralidade da ação local. “O modo como as cidades emergirão terá um enorme impacto na saúde pública, coesão social, prosperidade e nossas perspectivas para atingir os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS)”, disse o secretário-geral da ONU, António Guterres, no lançamento de um estudo da ONU Habitat sobre Cidades e Pandemia: rumo a um futuro mais justo, verde e saudável.
O estudo explora quatro prioridades para a elaboração de políticas públicas. Primeiro, repensar a forma e a função da cidade, em particular como as morfologias urbanas podem ser reconfiguradas em diversas escalas não só para melhorar sua resiliência aos efeitos da pandemia e futuras doenças, mas para torná-las mais sustentáveis e produtivas. Segundo, focar na pobreza e desigualdades sistêmicas, desenhando intervenções que mitiguem os impactos desproporcionais da covid. Terceiro, reconstruir um “novo normal” para a economia urbana, desenvolvendo auxílios sob medida para pequenos negócios, trabalhadores informais e setores vulneráveis. Por fim, esclarecer a legislação urbana e os arranjos de governança, reconhecendo a necessidade de mais integração e cooperação entre as instâncias nacionais, regionais e municipais.
No Brasil, o Programa Cidades Sustentáveis, em parceria com a Rede de Soluções de Desenvolvimento Sustentável, vinculada à ONU, lançou o Índice de Desenvolvimento Sustentável, com métricas que permitem aos municípios avaliar seu desempenho em relação aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável para 2030.
“As cidades mais avançadas do ponto de vista do desenvolvimento sustentável serão mais resistentes”, disse o coordenador do programa, Jorge Abrahão. “As cidades que conseguirem erradicar a pobreza, que conseguirem permitir o acesso à saúde de qualidade, que entregarem uma educação universal pública de qualidade para a sua população, que enfrentem as questões de infraestrutura, de água e de esgotamento sanitário que não permitiram na pandemia a higiene recomendada pelos órgãos de saúde, por exemplo, essas cidades vão ser mais resistentes às crises, sejam elas econômicas, sociais, climáticas ou sanitárias.”
Das 100 cidades com melhor desempenho entre as 770 analisadas, 80 (incluindo as 23 primeiras) estão em São Paulo. As outras 20 estão no Sul e Sudeste. Por outro lado, entre as 100 cidades na lanterna, 86 estão no Norte e Nordeste. Agravando essas disparidades, o desgoverno federal tornou ainda mais importante a criação de ferramentas para ações articuladas entre os governos regionais. O emprego dos indicadores de desenvolvimento sustentável pode ajudar a criar bases comuns de cooperação não só entre as esferas do poder público, mas entre elas e a sociedade civil.
“O bom uso de objetivos, metas e indicadores de compreensão universal, um dos pilares da formulação e implementação da Agenda 2030, é uma via de mão dupla que une governos locais e cidadãos: além de permitir que governos avaliem com maior precisão e clareza o andamento das políticas públicas implementadas, dá também ao cidadão a oportunidade de entender o que está se passando em seu território”, disseram em artigo publicado no Estado os pesquisadores L.P Bresciani e V.V. Alonso. “Pode-se dizer que os ODS são uma ferramenta de prestação de contas à sociedade, e de fortalecimento da participação política cidadã.”
A implementação ou a revisão dos Planos Diretores que empenharão cidades por todo o Brasil nos próximos anos é uma oportunidade de integração dos ODS nas políticas municipais. Se incorporados de maneira conscienciosa, conforme as necessidades e condições locais, esses indicadores podem facilitar a reconfiguração das formas urbanas para reduzir os impactos econômicos, sociais e ambientais da atual epidemia e de outras futuras, construindo, ao mesmo tempo, cidades mais prósperas, verdes e justas.