Pesquisador em Educação e doutor em Economia pela Universidade Vanderbilt (EUA), Claudio de Moura e Castro escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|Atoleiros da razão


Ainda há quem creia ser plana a Terra. Estultice proclamada por gente que estudou muitos anos

Por Claudio de Moura Castro

Ao fazer mestrado e doutoramento, deslumbrei-me com o método científico. Passei a acreditar que perguntas sobre a realidade observável, se são importantes ou difíceis, podem ser mais bem respondidas pela ciência. E merecem mais confiança as pesquisas mais fiéis às regras do método científico. Não se acharam falhas na sua aplicação? Então somos obrigados a aceitar os resultados. Formado, virei pesquisador e fervoroso herdeiro do Iluminismo, acreditando que a ciência nos aproxima da verdade. Mas, como Sócrates, sempre com grande humildade, só sei que nada sei.

O Ocidente seguiu uma longa e penosa trajetória até sobrenadarem as vantagens de uma razão soberana. Custou para deixarmos de ser reféns do dogma, da superstição e dos palpiteiros de plantão.

Na Idade Média, a verdade era decretada pela Igreja. E ai de quem discordasse! O Renascimento voltou aos ideais gregos de liberdade para pensar. Ainda assim, Giordano Bruno foi queimado vivo por achar que a Terra rodava em volta do Sol. Galileu escapou porque se desdisse e era primo do papa.

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O pleno reinado da razão teve de esperar o Iluminismo. E com ele se consolidou o método científico como sua principal ferramenta para explorar o mundo. A ciência progrediu, desfrutando respeito e liberdade. Ainda assim, Darwin mexeu num vespeiro. Não se tentou queimá-lo vivo, mas provocou um dos maiores tumultos intelectuais de todos os tempos. Foi um duelo em que a razão prevaleceu. Vivas!

Se a discussão é sobre Deus, fé, valores ou julgamentos, a ciência nada tem a dizer. Porém, vai-se consolidando a posição ímpar do método científico para dirimir dúvidas sobre a realidade. Se dá para ver e medir, a ciência terá as melhores respostas.

Todavia o Iluminismo não conseguiu iluminar a todos. Ainda no meu doutoramento americano, fiquei chocado com o pai de um conhecido morando num interior remoto. Achava que Washington já havia sido tomada pelos comunistas e a Guerra do Vietnã era apenas uma disputa entre facções. Isso com jornal e televisão dentro de casa.

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Ignoremos o capiau americano. A situação de hoje não é muito melhor. Alguns podem ser iluminados num assunto e obscurantistas em outros. Ainda há quem creia ser plana a Terra. Estultices como essa são proclamadas por gente que estudou muitos anos. Ou seja, educação não é cura garantida.

Criticado por ter uma crença boba, a pessoa se fecha para evidências contrárias que possam demolir sua crendice. Quando confrontada, a cabeça está bloqueada, surdez e cegueira totais. Se há busca, é por fragmentos de notícias que confirmem sua hipótese, não uma busca desapaixonada. Na ciência, torcemos pela nossa tese, mas somos obrigados a ser neutros na análise.

A covid-19 mostrou que o Iluminismo não chegou a pessoas bem capazes de raciocinar e obter informações – não são o vaqueiro do meu amigo cearense que não acredita nas viagens à Lua, nem os 30% de evangélicos americanos.

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São números confiáveis os da incidência de efeitos indesejados das vacinas. E conhecemos a taxa de contaminação pelo vírus em pessoas vacinadas e não vacinadas. A diferença dos riscos de vacinar-se ou não é escandalosamente grande. Porém tais números nada dizem aos que recusam vacinas.

Inicialmente não havia pesquisas sobre a proteção trazida por máscaras. Mas hoje sabemos, com segurança, que reduzem muito o contágio. Mas não são poucos os descrentes.

É bem verdade que há interesses políticos, buscando confundir o público com conspirações, fake news ou argumentos capciosos. Uma das estratégias é criar uma torrente de números conflitantes, para que os confiáveis se percam nesse monturo. Mas isso apenas requer mais atenção à credibilidade das fontes. E, para alguns, tudo é relativo, cada um tem a sua verdade. Resolvido!

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Isso tudo me dá grande angústia. Por que a razão não prevalece?

Estudos recentes lançam luzes sobre o tema. O ponto de partida é entender como formamos nossas opiniões. Começamos a perceber que não se faz uma busca desarmada das respostas. As convicções são adquiridas dentro do grupo primário (em casa, no bar, nas redes sociais) ou vêm dos nossos gurus favoritos. Se pensam assim meus pares, tem de ser verdade. Não se duvida, não se abrem portas que ameacem as crenças. Lá se vai, defenestrada, a dúvida sistemática de Descartes.

Nos meus tempos de Ipea, meus colegas de esquerda execravam uma tal “vaca mecânica”, que produzia uma bebida rica em proteínas de soja. Exultaram quando o presidente Figueiredo fez careta e cuspiu ao ser-lhe oferecido um copo. Porém, poucos anos depois, veio Fidel Castro ao Brasil e pediu que lhe fossem presenteados os tais aparelhos, pois estavam abandonados. No dia seguinte, no escritório, comentava-se que não eram uma ideia tão má assim.

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Como as crenças perfilhadas não são fruto da razão, não se buscam na ciência correções de curso. É assim e pronto. Só se o guru mudar de opinião.

Não perdi minha fé no Iluminismo e na ciência. E sofro ao vê-los vilipendiados nos atoleiros da razão.

M.A., PH.D., É PESQUISADOR EM EDUCAÇÃO

Ao fazer mestrado e doutoramento, deslumbrei-me com o método científico. Passei a acreditar que perguntas sobre a realidade observável, se são importantes ou difíceis, podem ser mais bem respondidas pela ciência. E merecem mais confiança as pesquisas mais fiéis às regras do método científico. Não se acharam falhas na sua aplicação? Então somos obrigados a aceitar os resultados. Formado, virei pesquisador e fervoroso herdeiro do Iluminismo, acreditando que a ciência nos aproxima da verdade. Mas, como Sócrates, sempre com grande humildade, só sei que nada sei.

O Ocidente seguiu uma longa e penosa trajetória até sobrenadarem as vantagens de uma razão soberana. Custou para deixarmos de ser reféns do dogma, da superstição e dos palpiteiros de plantão.

Na Idade Média, a verdade era decretada pela Igreja. E ai de quem discordasse! O Renascimento voltou aos ideais gregos de liberdade para pensar. Ainda assim, Giordano Bruno foi queimado vivo por achar que a Terra rodava em volta do Sol. Galileu escapou porque se desdisse e era primo do papa.

O pleno reinado da razão teve de esperar o Iluminismo. E com ele se consolidou o método científico como sua principal ferramenta para explorar o mundo. A ciência progrediu, desfrutando respeito e liberdade. Ainda assim, Darwin mexeu num vespeiro. Não se tentou queimá-lo vivo, mas provocou um dos maiores tumultos intelectuais de todos os tempos. Foi um duelo em que a razão prevaleceu. Vivas!

Se a discussão é sobre Deus, fé, valores ou julgamentos, a ciência nada tem a dizer. Porém, vai-se consolidando a posição ímpar do método científico para dirimir dúvidas sobre a realidade. Se dá para ver e medir, a ciência terá as melhores respostas.

Todavia o Iluminismo não conseguiu iluminar a todos. Ainda no meu doutoramento americano, fiquei chocado com o pai de um conhecido morando num interior remoto. Achava que Washington já havia sido tomada pelos comunistas e a Guerra do Vietnã era apenas uma disputa entre facções. Isso com jornal e televisão dentro de casa.

Ignoremos o capiau americano. A situação de hoje não é muito melhor. Alguns podem ser iluminados num assunto e obscurantistas em outros. Ainda há quem creia ser plana a Terra. Estultices como essa são proclamadas por gente que estudou muitos anos. Ou seja, educação não é cura garantida.

Criticado por ter uma crença boba, a pessoa se fecha para evidências contrárias que possam demolir sua crendice. Quando confrontada, a cabeça está bloqueada, surdez e cegueira totais. Se há busca, é por fragmentos de notícias que confirmem sua hipótese, não uma busca desapaixonada. Na ciência, torcemos pela nossa tese, mas somos obrigados a ser neutros na análise.

A covid-19 mostrou que o Iluminismo não chegou a pessoas bem capazes de raciocinar e obter informações – não são o vaqueiro do meu amigo cearense que não acredita nas viagens à Lua, nem os 30% de evangélicos americanos.

São números confiáveis os da incidência de efeitos indesejados das vacinas. E conhecemos a taxa de contaminação pelo vírus em pessoas vacinadas e não vacinadas. A diferença dos riscos de vacinar-se ou não é escandalosamente grande. Porém tais números nada dizem aos que recusam vacinas.

Inicialmente não havia pesquisas sobre a proteção trazida por máscaras. Mas hoje sabemos, com segurança, que reduzem muito o contágio. Mas não são poucos os descrentes.

É bem verdade que há interesses políticos, buscando confundir o público com conspirações, fake news ou argumentos capciosos. Uma das estratégias é criar uma torrente de números conflitantes, para que os confiáveis se percam nesse monturo. Mas isso apenas requer mais atenção à credibilidade das fontes. E, para alguns, tudo é relativo, cada um tem a sua verdade. Resolvido!

Isso tudo me dá grande angústia. Por que a razão não prevalece?

Estudos recentes lançam luzes sobre o tema. O ponto de partida é entender como formamos nossas opiniões. Começamos a perceber que não se faz uma busca desarmada das respostas. As convicções são adquiridas dentro do grupo primário (em casa, no bar, nas redes sociais) ou vêm dos nossos gurus favoritos. Se pensam assim meus pares, tem de ser verdade. Não se duvida, não se abrem portas que ameacem as crenças. Lá se vai, defenestrada, a dúvida sistemática de Descartes.

Nos meus tempos de Ipea, meus colegas de esquerda execravam uma tal “vaca mecânica”, que produzia uma bebida rica em proteínas de soja. Exultaram quando o presidente Figueiredo fez careta e cuspiu ao ser-lhe oferecido um copo. Porém, poucos anos depois, veio Fidel Castro ao Brasil e pediu que lhe fossem presenteados os tais aparelhos, pois estavam abandonados. No dia seguinte, no escritório, comentava-se que não eram uma ideia tão má assim.

Como as crenças perfilhadas não são fruto da razão, não se buscam na ciência correções de curso. É assim e pronto. Só se o guru mudar de opinião.

Não perdi minha fé no Iluminismo e na ciência. E sofro ao vê-los vilipendiados nos atoleiros da razão.

M.A., PH.D., É PESQUISADOR EM EDUCAÇÃO

Ao fazer mestrado e doutoramento, deslumbrei-me com o método científico. Passei a acreditar que perguntas sobre a realidade observável, se são importantes ou difíceis, podem ser mais bem respondidas pela ciência. E merecem mais confiança as pesquisas mais fiéis às regras do método científico. Não se acharam falhas na sua aplicação? Então somos obrigados a aceitar os resultados. Formado, virei pesquisador e fervoroso herdeiro do Iluminismo, acreditando que a ciência nos aproxima da verdade. Mas, como Sócrates, sempre com grande humildade, só sei que nada sei.

O Ocidente seguiu uma longa e penosa trajetória até sobrenadarem as vantagens de uma razão soberana. Custou para deixarmos de ser reféns do dogma, da superstição e dos palpiteiros de plantão.

Na Idade Média, a verdade era decretada pela Igreja. E ai de quem discordasse! O Renascimento voltou aos ideais gregos de liberdade para pensar. Ainda assim, Giordano Bruno foi queimado vivo por achar que a Terra rodava em volta do Sol. Galileu escapou porque se desdisse e era primo do papa.

O pleno reinado da razão teve de esperar o Iluminismo. E com ele se consolidou o método científico como sua principal ferramenta para explorar o mundo. A ciência progrediu, desfrutando respeito e liberdade. Ainda assim, Darwin mexeu num vespeiro. Não se tentou queimá-lo vivo, mas provocou um dos maiores tumultos intelectuais de todos os tempos. Foi um duelo em que a razão prevaleceu. Vivas!

Se a discussão é sobre Deus, fé, valores ou julgamentos, a ciência nada tem a dizer. Porém, vai-se consolidando a posição ímpar do método científico para dirimir dúvidas sobre a realidade. Se dá para ver e medir, a ciência terá as melhores respostas.

Todavia o Iluminismo não conseguiu iluminar a todos. Ainda no meu doutoramento americano, fiquei chocado com o pai de um conhecido morando num interior remoto. Achava que Washington já havia sido tomada pelos comunistas e a Guerra do Vietnã era apenas uma disputa entre facções. Isso com jornal e televisão dentro de casa.

Ignoremos o capiau americano. A situação de hoje não é muito melhor. Alguns podem ser iluminados num assunto e obscurantistas em outros. Ainda há quem creia ser plana a Terra. Estultices como essa são proclamadas por gente que estudou muitos anos. Ou seja, educação não é cura garantida.

Criticado por ter uma crença boba, a pessoa se fecha para evidências contrárias que possam demolir sua crendice. Quando confrontada, a cabeça está bloqueada, surdez e cegueira totais. Se há busca, é por fragmentos de notícias que confirmem sua hipótese, não uma busca desapaixonada. Na ciência, torcemos pela nossa tese, mas somos obrigados a ser neutros na análise.

A covid-19 mostrou que o Iluminismo não chegou a pessoas bem capazes de raciocinar e obter informações – não são o vaqueiro do meu amigo cearense que não acredita nas viagens à Lua, nem os 30% de evangélicos americanos.

São números confiáveis os da incidência de efeitos indesejados das vacinas. E conhecemos a taxa de contaminação pelo vírus em pessoas vacinadas e não vacinadas. A diferença dos riscos de vacinar-se ou não é escandalosamente grande. Porém tais números nada dizem aos que recusam vacinas.

Inicialmente não havia pesquisas sobre a proteção trazida por máscaras. Mas hoje sabemos, com segurança, que reduzem muito o contágio. Mas não são poucos os descrentes.

É bem verdade que há interesses políticos, buscando confundir o público com conspirações, fake news ou argumentos capciosos. Uma das estratégias é criar uma torrente de números conflitantes, para que os confiáveis se percam nesse monturo. Mas isso apenas requer mais atenção à credibilidade das fontes. E, para alguns, tudo é relativo, cada um tem a sua verdade. Resolvido!

Isso tudo me dá grande angústia. Por que a razão não prevalece?

Estudos recentes lançam luzes sobre o tema. O ponto de partida é entender como formamos nossas opiniões. Começamos a perceber que não se faz uma busca desarmada das respostas. As convicções são adquiridas dentro do grupo primário (em casa, no bar, nas redes sociais) ou vêm dos nossos gurus favoritos. Se pensam assim meus pares, tem de ser verdade. Não se duvida, não se abrem portas que ameacem as crenças. Lá se vai, defenestrada, a dúvida sistemática de Descartes.

Nos meus tempos de Ipea, meus colegas de esquerda execravam uma tal “vaca mecânica”, que produzia uma bebida rica em proteínas de soja. Exultaram quando o presidente Figueiredo fez careta e cuspiu ao ser-lhe oferecido um copo. Porém, poucos anos depois, veio Fidel Castro ao Brasil e pediu que lhe fossem presenteados os tais aparelhos, pois estavam abandonados. No dia seguinte, no escritório, comentava-se que não eram uma ideia tão má assim.

Como as crenças perfilhadas não são fruto da razão, não se buscam na ciência correções de curso. É assim e pronto. Só se o guru mudar de opinião.

Não perdi minha fé no Iluminismo e na ciência. E sofro ao vê-los vilipendiados nos atoleiros da razão.

M.A., PH.D., É PESQUISADOR EM EDUCAÇÃO

Ao fazer mestrado e doutoramento, deslumbrei-me com o método científico. Passei a acreditar que perguntas sobre a realidade observável, se são importantes ou difíceis, podem ser mais bem respondidas pela ciência. E merecem mais confiança as pesquisas mais fiéis às regras do método científico. Não se acharam falhas na sua aplicação? Então somos obrigados a aceitar os resultados. Formado, virei pesquisador e fervoroso herdeiro do Iluminismo, acreditando que a ciência nos aproxima da verdade. Mas, como Sócrates, sempre com grande humildade, só sei que nada sei.

O Ocidente seguiu uma longa e penosa trajetória até sobrenadarem as vantagens de uma razão soberana. Custou para deixarmos de ser reféns do dogma, da superstição e dos palpiteiros de plantão.

Na Idade Média, a verdade era decretada pela Igreja. E ai de quem discordasse! O Renascimento voltou aos ideais gregos de liberdade para pensar. Ainda assim, Giordano Bruno foi queimado vivo por achar que a Terra rodava em volta do Sol. Galileu escapou porque se desdisse e era primo do papa.

O pleno reinado da razão teve de esperar o Iluminismo. E com ele se consolidou o método científico como sua principal ferramenta para explorar o mundo. A ciência progrediu, desfrutando respeito e liberdade. Ainda assim, Darwin mexeu num vespeiro. Não se tentou queimá-lo vivo, mas provocou um dos maiores tumultos intelectuais de todos os tempos. Foi um duelo em que a razão prevaleceu. Vivas!

Se a discussão é sobre Deus, fé, valores ou julgamentos, a ciência nada tem a dizer. Porém, vai-se consolidando a posição ímpar do método científico para dirimir dúvidas sobre a realidade. Se dá para ver e medir, a ciência terá as melhores respostas.

Todavia o Iluminismo não conseguiu iluminar a todos. Ainda no meu doutoramento americano, fiquei chocado com o pai de um conhecido morando num interior remoto. Achava que Washington já havia sido tomada pelos comunistas e a Guerra do Vietnã era apenas uma disputa entre facções. Isso com jornal e televisão dentro de casa.

Ignoremos o capiau americano. A situação de hoje não é muito melhor. Alguns podem ser iluminados num assunto e obscurantistas em outros. Ainda há quem creia ser plana a Terra. Estultices como essa são proclamadas por gente que estudou muitos anos. Ou seja, educação não é cura garantida.

Criticado por ter uma crença boba, a pessoa se fecha para evidências contrárias que possam demolir sua crendice. Quando confrontada, a cabeça está bloqueada, surdez e cegueira totais. Se há busca, é por fragmentos de notícias que confirmem sua hipótese, não uma busca desapaixonada. Na ciência, torcemos pela nossa tese, mas somos obrigados a ser neutros na análise.

A covid-19 mostrou que o Iluminismo não chegou a pessoas bem capazes de raciocinar e obter informações – não são o vaqueiro do meu amigo cearense que não acredita nas viagens à Lua, nem os 30% de evangélicos americanos.

São números confiáveis os da incidência de efeitos indesejados das vacinas. E conhecemos a taxa de contaminação pelo vírus em pessoas vacinadas e não vacinadas. A diferença dos riscos de vacinar-se ou não é escandalosamente grande. Porém tais números nada dizem aos que recusam vacinas.

Inicialmente não havia pesquisas sobre a proteção trazida por máscaras. Mas hoje sabemos, com segurança, que reduzem muito o contágio. Mas não são poucos os descrentes.

É bem verdade que há interesses políticos, buscando confundir o público com conspirações, fake news ou argumentos capciosos. Uma das estratégias é criar uma torrente de números conflitantes, para que os confiáveis se percam nesse monturo. Mas isso apenas requer mais atenção à credibilidade das fontes. E, para alguns, tudo é relativo, cada um tem a sua verdade. Resolvido!

Isso tudo me dá grande angústia. Por que a razão não prevalece?

Estudos recentes lançam luzes sobre o tema. O ponto de partida é entender como formamos nossas opiniões. Começamos a perceber que não se faz uma busca desarmada das respostas. As convicções são adquiridas dentro do grupo primário (em casa, no bar, nas redes sociais) ou vêm dos nossos gurus favoritos. Se pensam assim meus pares, tem de ser verdade. Não se duvida, não se abrem portas que ameacem as crenças. Lá se vai, defenestrada, a dúvida sistemática de Descartes.

Nos meus tempos de Ipea, meus colegas de esquerda execravam uma tal “vaca mecânica”, que produzia uma bebida rica em proteínas de soja. Exultaram quando o presidente Figueiredo fez careta e cuspiu ao ser-lhe oferecido um copo. Porém, poucos anos depois, veio Fidel Castro ao Brasil e pediu que lhe fossem presenteados os tais aparelhos, pois estavam abandonados. No dia seguinte, no escritório, comentava-se que não eram uma ideia tão má assim.

Como as crenças perfilhadas não são fruto da razão, não se buscam na ciência correções de curso. É assim e pronto. Só se o guru mudar de opinião.

Não perdi minha fé no Iluminismo e na ciência. E sofro ao vê-los vilipendiados nos atoleiros da razão.

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