Pesquisador em Educação e doutor em Economia pela Universidade Vanderbilt (EUA), Claudio de Moura e Castro escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|Por que enguiça a formação profissional?


Vivemos numa sociedade que sempre desvalorizou o trabalho, e mais ainda quando ele é manual. Isso precisa mudar

Por Claudio de Moura Castro

Todos os países de sucesso oferecem de 30% a 70% do ensino médio em carreiras profissionais. O Brasil mal consegue chegar a 10%. Como nossa produtividade empacou nas últimas décadas, é razoável supor que falhou a nossa força de trabalho, por não ter tido onde aprender seus ofícios.

Os economistas gostam de acreditar que as pessoas são racionais e escolhem suas carreiras pensando nas vantagens econômicas esperadas. E, salvo erros de pontaria, os cursos técnicos ou profissionais podem ser bastante rentáveis. Mas esse atrativo parece insuficiente.

É que buscamos as respostas no lugar errado. O porte anêmico dos cursos técnicos não resulta da perversidade ou da ignorância. E tampouco nos falta competência na área. No setor industrial, nos seus cursos de formação para profissões manuais qualificadas, alunos do Senai já venceram a maior competição internacional para esses ofícios (World Skills), e mais de uma vez.

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Pego carona no exemplo do World Skills para apontar o cerne da questão. Ganhamos de países como Suíça, Alemanha e Japão. No entanto, o feito praticamente não foi noticiado ou festejado. Não passou de uma noticiazinha, sei lá em que página do jornal. Pior, mais uma vez tenta-se cortar o orçamento do Senai, o único sistema escolar de padrão internacional que temos.

A Sociologia explica: a culpa está na cultura, nas crenças e nos valores. Vivemos numa sociedade que sempre desvalorizou o trabalho, e mais ainda quando ele é manual.

A escravidão está longe de ser a única causa. Já diziam os visitantes do século 19 que somos uma sociedade do palavrório e dos bacharéis. A afirmativa de que branco se recusava a trabalhar é repetida por vários viajantes. Conta-nos Debret que viu um senhor contratar um escravo para carregar a sua compra. Tratava-se de uma simples caneta. Outro visitante cometeu a gafe de elogiar a dona da casa pelos esplêndidos doces. Ofendida, a anfitriã retrucou que eram feitos pelas escravas, não por ela.

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Ainda não nos livramos desses preconceitos. O próprio MEC glorifica os diplomas universitários, sugerindo que sucesso é tê-los. Por que os créditos educativos e as bolsas são para os bacharelados, e não para os técnicos e tecnólogos, cujos alunos são mais necessitados? Por que as escolas técnicas federais são frequentadas pelas elites, como vias de acesso aos vestibulares mais competitivos? Por que essas escolas – e mais o Senai e o Senac – querem virar faculdades e desdenham de seus cursos técnicos? A resposta é uma só: tudo isso está perfeitamente em linha com a nossa herança ibérica, com seus valores e normas sociais. Refletem o elitismo herdado do atraso, do escravagismo e do semifeudalismo.

Participei de uma grande feira de profissões onde estavam 10 mil alunos da rede pública. Como sou marceneiro amador, fui convidado para um painel, visando a interessá-los nesta profissão. Na sala com cem cadeiras, começamos com umas 20 ocupadas. Zero perguntas. Zero interesse na profissão. Ao término, os dois ou três que restaram não eram estudantes. E as multidões congestionavam os stands das faculdades.

Muitas marcenarias estão fechando, pois não conseguem quem se disponha a lá trabalhar e aprender o ofício. Isso, apesar de não haver marceneiros desempregados. É generalizada a rejeição aos ofícios manuais. E os diplomas técnicos têm uma imagem algo murcha.

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No fundo, os preconceitos da elite se infiltram nas classes mais modestas. Nos países avançados, os profissionais manuais qualificados marcam sua identidade pelas roupas que trajam e pelas suas ferramentas, orgulhosamente exibidas. Na Europa, ainda há limpadores de chaminés usando cartolas. Reconhecemos a distância um americano da construção civil, pelo botinão e o cinto com penduricalhos. Os nossos embrulham em jornal as parcas ferramentas, para não serem identificados com a profissão.

A pequenez do nosso ensino profissional não é um complô das elites nem um preconceito sinistro da nossa administração escolar. Quase tudo o que lá acontece está alinhado com os valores da sociedade. Não é que faltem bons resultados econômicos para os graduados. É a simples e sistemática desvalorização social das profissões de pobre, em contraste com uma exaltação dos ofícios de mãos limpas.

Esses preconceitos não são invenções tupiniquins, pois aparecem em outras sociedades, até nas mais igualitárias. Mas, na nossa, atingem proporções fulminantes.

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Há exceções. Senai e Senac souberam criar microcosmos, capazes de valorizar as profissões que ensinam. Lá dentro, constrói-se o ethos do profissionalismo e da autoestima. Mas são apenas ilhas, num oceano hostil. De fato, até dentro dos cursos técnicos públicos nota-se o contraste entre a altivez dos professores e os humildes e cabisbaixos instrutores de ofício. E mesmo no Senai já se observam algumas derrapagens.

No fundo, o conserto destas distorções não virá de leis, campanhas ou investimentos bilionários. O que precisa mudar são os valores da sociedade, pois ela só faz bem o que admira. Apesar de significativa, nossa modernização não foi suficiente para erradicar esses arcaísmos aristocráticos. E pagamos o preço.

*

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M.A., PH.D., É PESQUISADOR EM EDUCAÇÃO

Todos os países de sucesso oferecem de 30% a 70% do ensino médio em carreiras profissionais. O Brasil mal consegue chegar a 10%. Como nossa produtividade empacou nas últimas décadas, é razoável supor que falhou a nossa força de trabalho, por não ter tido onde aprender seus ofícios.

Os economistas gostam de acreditar que as pessoas são racionais e escolhem suas carreiras pensando nas vantagens econômicas esperadas. E, salvo erros de pontaria, os cursos técnicos ou profissionais podem ser bastante rentáveis. Mas esse atrativo parece insuficiente.

É que buscamos as respostas no lugar errado. O porte anêmico dos cursos técnicos não resulta da perversidade ou da ignorância. E tampouco nos falta competência na área. No setor industrial, nos seus cursos de formação para profissões manuais qualificadas, alunos do Senai já venceram a maior competição internacional para esses ofícios (World Skills), e mais de uma vez.

Pego carona no exemplo do World Skills para apontar o cerne da questão. Ganhamos de países como Suíça, Alemanha e Japão. No entanto, o feito praticamente não foi noticiado ou festejado. Não passou de uma noticiazinha, sei lá em que página do jornal. Pior, mais uma vez tenta-se cortar o orçamento do Senai, o único sistema escolar de padrão internacional que temos.

A Sociologia explica: a culpa está na cultura, nas crenças e nos valores. Vivemos numa sociedade que sempre desvalorizou o trabalho, e mais ainda quando ele é manual.

A escravidão está longe de ser a única causa. Já diziam os visitantes do século 19 que somos uma sociedade do palavrório e dos bacharéis. A afirmativa de que branco se recusava a trabalhar é repetida por vários viajantes. Conta-nos Debret que viu um senhor contratar um escravo para carregar a sua compra. Tratava-se de uma simples caneta. Outro visitante cometeu a gafe de elogiar a dona da casa pelos esplêndidos doces. Ofendida, a anfitriã retrucou que eram feitos pelas escravas, não por ela.

Ainda não nos livramos desses preconceitos. O próprio MEC glorifica os diplomas universitários, sugerindo que sucesso é tê-los. Por que os créditos educativos e as bolsas são para os bacharelados, e não para os técnicos e tecnólogos, cujos alunos são mais necessitados? Por que as escolas técnicas federais são frequentadas pelas elites, como vias de acesso aos vestibulares mais competitivos? Por que essas escolas – e mais o Senai e o Senac – querem virar faculdades e desdenham de seus cursos técnicos? A resposta é uma só: tudo isso está perfeitamente em linha com a nossa herança ibérica, com seus valores e normas sociais. Refletem o elitismo herdado do atraso, do escravagismo e do semifeudalismo.

Participei de uma grande feira de profissões onde estavam 10 mil alunos da rede pública. Como sou marceneiro amador, fui convidado para um painel, visando a interessá-los nesta profissão. Na sala com cem cadeiras, começamos com umas 20 ocupadas. Zero perguntas. Zero interesse na profissão. Ao término, os dois ou três que restaram não eram estudantes. E as multidões congestionavam os stands das faculdades.

Muitas marcenarias estão fechando, pois não conseguem quem se disponha a lá trabalhar e aprender o ofício. Isso, apesar de não haver marceneiros desempregados. É generalizada a rejeição aos ofícios manuais. E os diplomas técnicos têm uma imagem algo murcha.

No fundo, os preconceitos da elite se infiltram nas classes mais modestas. Nos países avançados, os profissionais manuais qualificados marcam sua identidade pelas roupas que trajam e pelas suas ferramentas, orgulhosamente exibidas. Na Europa, ainda há limpadores de chaminés usando cartolas. Reconhecemos a distância um americano da construção civil, pelo botinão e o cinto com penduricalhos. Os nossos embrulham em jornal as parcas ferramentas, para não serem identificados com a profissão.

A pequenez do nosso ensino profissional não é um complô das elites nem um preconceito sinistro da nossa administração escolar. Quase tudo o que lá acontece está alinhado com os valores da sociedade. Não é que faltem bons resultados econômicos para os graduados. É a simples e sistemática desvalorização social das profissões de pobre, em contraste com uma exaltação dos ofícios de mãos limpas.

Esses preconceitos não são invenções tupiniquins, pois aparecem em outras sociedades, até nas mais igualitárias. Mas, na nossa, atingem proporções fulminantes.

Há exceções. Senai e Senac souberam criar microcosmos, capazes de valorizar as profissões que ensinam. Lá dentro, constrói-se o ethos do profissionalismo e da autoestima. Mas são apenas ilhas, num oceano hostil. De fato, até dentro dos cursos técnicos públicos nota-se o contraste entre a altivez dos professores e os humildes e cabisbaixos instrutores de ofício. E mesmo no Senai já se observam algumas derrapagens.

No fundo, o conserto destas distorções não virá de leis, campanhas ou investimentos bilionários. O que precisa mudar são os valores da sociedade, pois ela só faz bem o que admira. Apesar de significativa, nossa modernização não foi suficiente para erradicar esses arcaísmos aristocráticos. E pagamos o preço.

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M.A., PH.D., É PESQUISADOR EM EDUCAÇÃO

Todos os países de sucesso oferecem de 30% a 70% do ensino médio em carreiras profissionais. O Brasil mal consegue chegar a 10%. Como nossa produtividade empacou nas últimas décadas, é razoável supor que falhou a nossa força de trabalho, por não ter tido onde aprender seus ofícios.

Os economistas gostam de acreditar que as pessoas são racionais e escolhem suas carreiras pensando nas vantagens econômicas esperadas. E, salvo erros de pontaria, os cursos técnicos ou profissionais podem ser bastante rentáveis. Mas esse atrativo parece insuficiente.

É que buscamos as respostas no lugar errado. O porte anêmico dos cursos técnicos não resulta da perversidade ou da ignorância. E tampouco nos falta competência na área. No setor industrial, nos seus cursos de formação para profissões manuais qualificadas, alunos do Senai já venceram a maior competição internacional para esses ofícios (World Skills), e mais de uma vez.

Pego carona no exemplo do World Skills para apontar o cerne da questão. Ganhamos de países como Suíça, Alemanha e Japão. No entanto, o feito praticamente não foi noticiado ou festejado. Não passou de uma noticiazinha, sei lá em que página do jornal. Pior, mais uma vez tenta-se cortar o orçamento do Senai, o único sistema escolar de padrão internacional que temos.

A Sociologia explica: a culpa está na cultura, nas crenças e nos valores. Vivemos numa sociedade que sempre desvalorizou o trabalho, e mais ainda quando ele é manual.

A escravidão está longe de ser a única causa. Já diziam os visitantes do século 19 que somos uma sociedade do palavrório e dos bacharéis. A afirmativa de que branco se recusava a trabalhar é repetida por vários viajantes. Conta-nos Debret que viu um senhor contratar um escravo para carregar a sua compra. Tratava-se de uma simples caneta. Outro visitante cometeu a gafe de elogiar a dona da casa pelos esplêndidos doces. Ofendida, a anfitriã retrucou que eram feitos pelas escravas, não por ela.

Ainda não nos livramos desses preconceitos. O próprio MEC glorifica os diplomas universitários, sugerindo que sucesso é tê-los. Por que os créditos educativos e as bolsas são para os bacharelados, e não para os técnicos e tecnólogos, cujos alunos são mais necessitados? Por que as escolas técnicas federais são frequentadas pelas elites, como vias de acesso aos vestibulares mais competitivos? Por que essas escolas – e mais o Senai e o Senac – querem virar faculdades e desdenham de seus cursos técnicos? A resposta é uma só: tudo isso está perfeitamente em linha com a nossa herança ibérica, com seus valores e normas sociais. Refletem o elitismo herdado do atraso, do escravagismo e do semifeudalismo.

Participei de uma grande feira de profissões onde estavam 10 mil alunos da rede pública. Como sou marceneiro amador, fui convidado para um painel, visando a interessá-los nesta profissão. Na sala com cem cadeiras, começamos com umas 20 ocupadas. Zero perguntas. Zero interesse na profissão. Ao término, os dois ou três que restaram não eram estudantes. E as multidões congestionavam os stands das faculdades.

Muitas marcenarias estão fechando, pois não conseguem quem se disponha a lá trabalhar e aprender o ofício. Isso, apesar de não haver marceneiros desempregados. É generalizada a rejeição aos ofícios manuais. E os diplomas técnicos têm uma imagem algo murcha.

No fundo, os preconceitos da elite se infiltram nas classes mais modestas. Nos países avançados, os profissionais manuais qualificados marcam sua identidade pelas roupas que trajam e pelas suas ferramentas, orgulhosamente exibidas. Na Europa, ainda há limpadores de chaminés usando cartolas. Reconhecemos a distância um americano da construção civil, pelo botinão e o cinto com penduricalhos. Os nossos embrulham em jornal as parcas ferramentas, para não serem identificados com a profissão.

A pequenez do nosso ensino profissional não é um complô das elites nem um preconceito sinistro da nossa administração escolar. Quase tudo o que lá acontece está alinhado com os valores da sociedade. Não é que faltem bons resultados econômicos para os graduados. É a simples e sistemática desvalorização social das profissões de pobre, em contraste com uma exaltação dos ofícios de mãos limpas.

Esses preconceitos não são invenções tupiniquins, pois aparecem em outras sociedades, até nas mais igualitárias. Mas, na nossa, atingem proporções fulminantes.

Há exceções. Senai e Senac souberam criar microcosmos, capazes de valorizar as profissões que ensinam. Lá dentro, constrói-se o ethos do profissionalismo e da autoestima. Mas são apenas ilhas, num oceano hostil. De fato, até dentro dos cursos técnicos públicos nota-se o contraste entre a altivez dos professores e os humildes e cabisbaixos instrutores de ofício. E mesmo no Senai já se observam algumas derrapagens.

No fundo, o conserto destas distorções não virá de leis, campanhas ou investimentos bilionários. O que precisa mudar são os valores da sociedade, pois ela só faz bem o que admira. Apesar de significativa, nossa modernização não foi suficiente para erradicar esses arcaísmos aristocráticos. E pagamos o preço.

*

M.A., PH.D., É PESQUISADOR EM EDUCAÇÃO

Todos os países de sucesso oferecem de 30% a 70% do ensino médio em carreiras profissionais. O Brasil mal consegue chegar a 10%. Como nossa produtividade empacou nas últimas décadas, é razoável supor que falhou a nossa força de trabalho, por não ter tido onde aprender seus ofícios.

Os economistas gostam de acreditar que as pessoas são racionais e escolhem suas carreiras pensando nas vantagens econômicas esperadas. E, salvo erros de pontaria, os cursos técnicos ou profissionais podem ser bastante rentáveis. Mas esse atrativo parece insuficiente.

É que buscamos as respostas no lugar errado. O porte anêmico dos cursos técnicos não resulta da perversidade ou da ignorância. E tampouco nos falta competência na área. No setor industrial, nos seus cursos de formação para profissões manuais qualificadas, alunos do Senai já venceram a maior competição internacional para esses ofícios (World Skills), e mais de uma vez.

Pego carona no exemplo do World Skills para apontar o cerne da questão. Ganhamos de países como Suíça, Alemanha e Japão. No entanto, o feito praticamente não foi noticiado ou festejado. Não passou de uma noticiazinha, sei lá em que página do jornal. Pior, mais uma vez tenta-se cortar o orçamento do Senai, o único sistema escolar de padrão internacional que temos.

A Sociologia explica: a culpa está na cultura, nas crenças e nos valores. Vivemos numa sociedade que sempre desvalorizou o trabalho, e mais ainda quando ele é manual.

A escravidão está longe de ser a única causa. Já diziam os visitantes do século 19 que somos uma sociedade do palavrório e dos bacharéis. A afirmativa de que branco se recusava a trabalhar é repetida por vários viajantes. Conta-nos Debret que viu um senhor contratar um escravo para carregar a sua compra. Tratava-se de uma simples caneta. Outro visitante cometeu a gafe de elogiar a dona da casa pelos esplêndidos doces. Ofendida, a anfitriã retrucou que eram feitos pelas escravas, não por ela.

Ainda não nos livramos desses preconceitos. O próprio MEC glorifica os diplomas universitários, sugerindo que sucesso é tê-los. Por que os créditos educativos e as bolsas são para os bacharelados, e não para os técnicos e tecnólogos, cujos alunos são mais necessitados? Por que as escolas técnicas federais são frequentadas pelas elites, como vias de acesso aos vestibulares mais competitivos? Por que essas escolas – e mais o Senai e o Senac – querem virar faculdades e desdenham de seus cursos técnicos? A resposta é uma só: tudo isso está perfeitamente em linha com a nossa herança ibérica, com seus valores e normas sociais. Refletem o elitismo herdado do atraso, do escravagismo e do semifeudalismo.

Participei de uma grande feira de profissões onde estavam 10 mil alunos da rede pública. Como sou marceneiro amador, fui convidado para um painel, visando a interessá-los nesta profissão. Na sala com cem cadeiras, começamos com umas 20 ocupadas. Zero perguntas. Zero interesse na profissão. Ao término, os dois ou três que restaram não eram estudantes. E as multidões congestionavam os stands das faculdades.

Muitas marcenarias estão fechando, pois não conseguem quem se disponha a lá trabalhar e aprender o ofício. Isso, apesar de não haver marceneiros desempregados. É generalizada a rejeição aos ofícios manuais. E os diplomas técnicos têm uma imagem algo murcha.

No fundo, os preconceitos da elite se infiltram nas classes mais modestas. Nos países avançados, os profissionais manuais qualificados marcam sua identidade pelas roupas que trajam e pelas suas ferramentas, orgulhosamente exibidas. Na Europa, ainda há limpadores de chaminés usando cartolas. Reconhecemos a distância um americano da construção civil, pelo botinão e o cinto com penduricalhos. Os nossos embrulham em jornal as parcas ferramentas, para não serem identificados com a profissão.

A pequenez do nosso ensino profissional não é um complô das elites nem um preconceito sinistro da nossa administração escolar. Quase tudo o que lá acontece está alinhado com os valores da sociedade. Não é que faltem bons resultados econômicos para os graduados. É a simples e sistemática desvalorização social das profissões de pobre, em contraste com uma exaltação dos ofícios de mãos limpas.

Esses preconceitos não são invenções tupiniquins, pois aparecem em outras sociedades, até nas mais igualitárias. Mas, na nossa, atingem proporções fulminantes.

Há exceções. Senai e Senac souberam criar microcosmos, capazes de valorizar as profissões que ensinam. Lá dentro, constrói-se o ethos do profissionalismo e da autoestima. Mas são apenas ilhas, num oceano hostil. De fato, até dentro dos cursos técnicos públicos nota-se o contraste entre a altivez dos professores e os humildes e cabisbaixos instrutores de ofício. E mesmo no Senai já se observam algumas derrapagens.

No fundo, o conserto destas distorções não virá de leis, campanhas ou investimentos bilionários. O que precisa mudar são os valores da sociedade, pois ela só faz bem o que admira. Apesar de significativa, nossa modernização não foi suficiente para erradicar esses arcaísmos aristocráticos. E pagamos o preço.

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M.A., PH.D., É PESQUISADOR EM EDUCAÇÃO

Opinião por Claudio de Moura Castro

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