Ante a sucessão de episódios de truculência protagonizados por policiais militares (PMs), o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, disse agora não ter mais dúvidas: admitiu que errou na avaliação sobre a eficácia das câmeras nos uniformes dos agentes de segurança e reconheceu a necessidade de estudar o aperfeiçoamento da corporação. “Eu era uma pessoa que estava completamente errada nessa questão”, disse o governador. “Hoje estou absolutamente convencido de que é um instrumento de proteção da sociedade e do policial”, emendou, prometendo “não só manter, mas ampliar o programa”.
Melhor assim. Não importa se a mudança de rota se deu como resultado do choque causado pelas imagens de brutalidade policial ou do instinto de sobrevivência política do governador. O que interessa a todos é a correção de rota. A admissão de Tarcísio não só é auspiciosa, como não deixa de ser um gesto de grandeza – raramente autoridades, mesmo movidas por oportunismo, admitem um erro publicamente. Tarcísio ainda defendeu estudos para entender como investir em melhorias na PM paulista. Ele falou em programa de treinamento, reciclagem, intercâmbio entre polícias e compra de armamento não letal.
São bons caminhos, mas já razoavelmente conhecidos e difundidos por quem entende do assunto. Bastava que o governador e seu secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite, estivessem dispostos a ouvi-los. Não foi o caso, por exemplo, do programa de uso das câmeras corporais. Nesses dois anos, o governador chegou a afirmar categoricamente que o dispositivo não oferecia benefícios à sociedade. Depois passou a dizer que manteria o modelo. Entre idas e vindas, jamais comprou a ideia com entusiasmo, apesar das evidências.
Desde o início do mandato de Tarcísio, a eficácia das câmeras como medida essencial num programa de profissionalização das polícias já era bem conhecida. É uma tendência observada em países como EUA, Canadá e Reino Unido. O modelo ganhou força também no Brasil, com resultados atestados em boa parte dos Estados que começaram a adotar o programa, inclusive São Paulo. Os maiores ganhos estão na redução da letalidade policial, o calcanhar de aquiles do governador e da política da brutalidade concebida e executada por Derrite. No início deste ano, a Fundação Getulio Vargas divulgou um estudo apontando seu efeito direto e calculou que as câmeras evitaram nada menos que 104 mortes na Região Metropolitana nos 14 meses analisados. Também reduziram em 57% o número de mortes decorrentes de ações policiais em relação a unidades onde, até aquele momento, não havia a implantação da tecnologia.
Resta torcer para que o governador não tenha falado da boca para fora. Mas só as câmeras não bastam. Programas do gênero só são eficientes quando envolvem o comprometimento das lideranças, a começar pelo próprio governador e seu secretário de Segurança, que comanda a PM; segundo, há um longo trabalho de infraestrutura, treinamento, convencimento das corporações e compartilhamento seguro de evidências. Tudo isso estava em curso até a chegada de Derrite, e havia bons resultados. Mas o governo paulista não acreditou neles, por implicância puramente ideológica, e agora será preciso recomeçar – antes que mais tragédias aconteçam.