Em julho de 2019, deputados e senadores requereram a abertura de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) para investigar, entre outros temas, “os ataques cibernéticos que atentam contra a democracia e o debate público” e “a utilização de perfis falsos para influenciar os resultados das eleições 2018”. Instaurada em setembro daquele ano, a CPMI das Fake News funcionou até março de 2020, quando sua atividade foi suspensa em razão da pandemia. Após promessas de reativação, a comissão continua parada, sem expectativa de retomada dos trabalhos.
É uma pena esse desfecho da CPMI das Fake News, sem conclusão formal das investigações. Em seus meses de funcionamento, a comissão descobriu indícios muito significativos sobre as campanhas de desinformação no País e suas estruturas de financiamento. Houve depoimentos reveladores, como o da deputada Joice Hasselmann (PSDB-SP), que confirmou a existência do “gabinete do ódio” no Palácio do Planalto. Formado por assessores especiais da Presidência da República – ou seja, bancado com dinheiro público –, o grupo tinha o objetivo de propagar notícias falsas e difamações. “De maneira, digamos, legal, comprovável imediatamente, (são destinados) praticamente R$ 500 mil, de dinheiro público, para perseguir desafetos”, disse a deputada na ocasião.
Além de depoimentos reveladores, a CPMI das Fake News obteve provas documentais importantes. A partir de requerimento dos parlamentares, o Facebook identificou que o perfil do Instagram “snapnaro”, vezeiro em atacar e difamar adversários do bolsonarismo, foi editado a partir de uma rede de computadores do Senado entre fevereiro e maio de 2019. No período, foram feitos 95 acessos pela rede do Senado. No mesmo dia em que Joice Hasselmann prestou depoimento à comissão, o perfil “snapnaro”, que existia desde maio de 2017, foi apagado. Esse é apenas um exemplo, entre tantos outros, de como a CPMI das Fake News conseguiu de fato revelar esquemas ilegais operados a partir da estrutura estatal.
Noutro caso, o Facebook informou à CPMI das Fake News que uma página usada para desferir ataques virtuais contra o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso havia sido registrada a partir de um telefone utilizado por um assessor parlamentar do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP). Ou seja, a comissão cumpriu de fato sua tarefa de investigar os ataques cibernéticos contra a democracia. E talvez seja exatamente por isso, por ela ter feito o seu trabalho, que houve e há tanto interesse em mantê-la suspensa, sem término formal.
O contraste entre a relevância de suas descobertas e a atual situação da CPMI das Fake News é ainda mais estridente tendo em vista que a desinformação e os ataques contra a democracia só cresceram desde 2019. É de reconhecer que o Congresso foi muito certeiro na abertura dessa investigação no primeiro ano de governo Bolsonaro, identificando logo uma das principais frentes do bolsonarismo contra o regime democrático. Basta ver a campanha de desinformação que, ao longo de todo o governo, Jair Bolsonaro vem empreendendo contra o sistema eleitoral.
É preciso admitir, no entanto, que o Legislativo, depois desse acerto inicial com a CPMI das Fake News, reduziu consideravelmente sua participação na defesa do Estado Democrático de Direito. Dentro do sistema constitucional de freios e contrapesos, essa retração do Congresso – em especial, da Câmara dos Deputados sob a presidência de Arthur Lira (PP-AL) – acabou por destacar, em tom de protagonista, a atuação do STF em defesa da Constituição.
Tudo fica um pouco desequilibrado quando o Congresso não cumpre seus deveres constitucionais até o fim. Às vezes, o maior obstáculo surge exatamente quando o Legislativo começa a realizar bem seu trabalho, o que desperta resistências. Foi assim com a CPMI das Fake News e, também, com a CPI da Pandemia. Depois de tudo o que veio à tona, verifica-se um enorme esforço para que tudo volte à escuridão e ao esquecimento. É papel do Congresso não permitir que seu bom trabalho seja jogado fora.