O volume de empréstimos concedidos por instituições financeiras para empresas caiu 8,6% em fevereiro na comparação com janeiro, para R$ 166 bilhões. De acordo com dados divulgados pelo Banco Central (BC), também houve recuo nas concessões para pessoas físicas, quadro que confirma maior rigidez por parte dos bancos na avaliação e na aprovação das propostas.
Há uma conjunção de fatores a explicar esse comportamento. A fraude bilionária na Americanas, empresa que tinha excelente nota de crédito entre as agências classificadoras de risco, elevou a cautela das instituições financeiras. No exterior, a crise bancária nos Estados Unidos e na Europa ampliou as incertezas em relação à desaceleração da economia mundial, mas isso não foi suficiente para convencer os países a reverem suas políticas monetárias. No Brasil, por sua vez, o Banco Central manteve a Selic em 13,75%.
Para o mercado de crédito, o resultado dessa combinação não poderia ser diferente. Os financiamentos não apenas secaram, como estão muito mais caros – e não há sinais de que isso mudará tão cedo. Para algumas empresas, a situação é ainda mais desafiadora. Quem sobreviveu aos efeitos da pandemia tem tido dificuldades para rolar dívidas contraídas no auge do surto de covid-19, quando os juros estavam em um patamar muito mais baixo.
Longe de ser uma situação que envolve um setor em específico, trata-se de um problema que afeta empresas de forma geral. Como mostrou o Estadão, a Gol trocou títulos que venciam em 2024 e 2026, com taxas entre 3,75% e 8%, por papéis com vencimento em 2028 e juros de 18%. Quem não consegue rolar as dívidas tem apelado a recuperações judiciais ou extrajudiciais. Ao todo, 195 companhias pediram proteção da Justiça para renegociar suas dívidas, um aumento de 60% em relação aos dois primeiros meses de 2022 – e a previsão é que essa tendência se mantenha ao longo do ano todo.
Entre as pessoas físicas, a conjuntura tampouco tem sido mais favorável. Segundo a Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e o Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil), 65,45 milhões de consumidores estavam com o nome sujo na praça em fevereiro – ou quatro em cada dez adultos. Outros indicadores, como a produção industrial, as vendas do comércio, a confiança do consumidor e o comportamento do mercado de trabalho, reforçam a percepção sobre a desaceleração da economia, condição necessária para conter a inflação, que ainda permanece muito alta no setor de serviços.
Nesse contexto, o presidente Lula da Silva reforçou os ataques ao presidente do BC, Roberto Campos Neto. Ele não está solitário nessas críticas. Segundo pesquisa Datafolha realizada no fim de março, 71% dos brasileiros acham que a taxa de juros está mais alta do que deveria, e 80% dos consultados consideram que Lula age bem ao pressionar o BC a reduzi-la. Já o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse ter a impressão de que o Banco Central tem subestimado a gravidade da situação do mercado de crédito e no mercado de capitais, bem como suas consequências na economia real.
Embora tenha reconhecido que o cenário se tornou mais adverso desde o episódio da Americanas, o Banco Central tem feito um esforço por uma comunicação clara a respeito dos riscos que leva em conta na tomada de suas decisões. Além de ter descartado uma crise generalizada de crédito no curto prazo, a instituição reiterou seu compromisso com as metas de inflação, o que é incompatível, ao menos neste momento, com uma eventual redução da taxa básica de juros.
Em meio a tantas incertezas, é função do BC monitorar e avaliar esses riscos com muito cuidado. Mas, a despeito das pressões, a instituição não pode esquecer que a manutenção do poder de compra da moeda é sua principal missão e, também, a maior contribuição que tem a dar para conduzir o País a um crescimento econômico estável e duradouro. Somente isso pode proporcionar um ambiente com condições de crédito mais baratas e sustentáveis, não apenas para as empresas, como também para a própria população.