Diz muito o fato de, apesar da arrecadação federal recorde de R$ 467,185 bilhões nos dois primeiros meses do ano, o primeiro relatório bimestral de receitas e despesas de 2024 ter reconhecido um déficit de R$ 9,3 bilhões para este ano, o equivalente a 0,1% do Produto Interno Bruto. A coleta excepcional – tanto por ser vultosa quanto atípica – de impostos e tributos também foi insuficiente para evitar o bloqueio orçamentário que, como já era esperado, ficou em R$ 2,9 bilhões.
Não significa que o saldo das contas públicas tenha sido ruim, muito pelo contrário. Como planejado pela equipe econômica, o bloqueio foi reduzido ao mínimo e o déficit projetado está dentro dos limites do marco fiscal. A questão é que a máquina arrecadatória do governo girou em alta rotação em janeiro e fevereiro sob o efeito de novas medidas, em especial a taxação de investimentos dos super-ricos.
A lei dos fundos exclusivos (alguns exclusivíssimos, desenhados para um só investidor) e das offshores (aplicações financeiras mantidas em paraísos fiscais) cortou quase à metade a alíquota para quem antecipasse o pagamento do Imposto de Renda sobre o estoque de rendimentos até o fim do ano passado. As parcelas pagas no início deste ano engrossaram a arrecadação, mas esse efeito não será recorrente no restante do ano.
A conclusão é óbvia e vem sendo insistentemente repetida em advertências sobre a política fiscal do governo: não basta apostar apenas na arrecadação; o equilíbrio das contas públicas é claramente dependente do fechamento das torneiras das despesas. A ampliação de receitas foi muito forte, como atestam os dados do Ministério da Fazenda. Os R$ 186,5 bilhões recolhidos em fevereiro, por exemplo, foram recorde histórico para o mês desde o início da série histórica, há quase 30 anos.
O esforço para controlar a situação fiscal precisa passar pelo corte de despesas. E não apenas em medidas de combate aos desvios de recursos, como ocorreu, também no primeiro bimestre, em consequência da repressão às fraudes na Previdência Social. Esse cuidado rigoroso com o dinheiro público é o mínimo esperado da União. Mas é difícil esperar redução de gastos efetiva de um governo que trata a liberação de recursos como investimento e, pior, parece incluir nesse conceito também o capital político.
Noves fora, o resultado fiscal deste início de ano dá fôlego ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em sua campanha quase quixotesca pelo déficit zero. É bom frisar que o déficit fiscal zero é um propósito a ser perseguido de fato, não importa o horizonte. É nessa premissa que as expectativas do governo precisam estar ancoradas para colher frutos pelo caminho.
Infelizmente, o presidente Lula da Silva já deixou claro que não compartilha dessa lógica. Em fevereiro, quando o salto na receita era tido como certo, saiu-se com mais uma declaração desarrazoada sobre o seu raciocínio. “Você gasta o quanto você arrecada. Se aumentar a arrecadação, a gente tem mais dinheiro para gastar.” Essa é a aritmética do desastre.