Déficit zero, só no papel


Honrar precatórios em dia não é boa intenção, mas obrigação de todo governo. Se esse é o objetivo, que se tenha a coragem de fazê-lo da forma correta, revendo o arcabouço e a meta fiscal

Por Notas & Informações

A promessa de zerar o déficit primário em 2024 gerou desconfiança desde que foi anunciada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, no dia da apresentação do novo arcabouço, no fim do mês de março. Mais do que descrença nas administrações petistas, historicamente conhecidas pelo ímpeto por aumentar gastos e driblar limites, o que realmente pesou na avaliação dos especialistas em contas públicas foi o consistente desequilíbrio fiscal que o País apresenta há mais de dez anos.

O nível crescente de despesas obrigatórias, aliado à compreensível resistência do Legislativo em aumentar a carga tributária, criou um rombo orçamentário estrutural. Por óbvio, ele não seria facilmente revertido, nem mesmo por um governo realmente comprometido com a austeridade. Nas últimas semanas, no entanto, tem ficado mais claro como o governo pretende cumprir essa audaciosa meta fiscal: deturpando-a.

O primeiro indício dessa intenção foi a mensagem modificativa enviada ao projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) nos últimos dias. Nela o governo pede ao Congresso que autorize o desconto, para fins de apuração da meta fiscal, de um valor de até R$ 5 bilhões em despesas de estatais relacionadas ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). É a materialização de um entendimento que o presidente Lula da Silva manifesta há tantos anos: investimento não é gasto – só para ele, claro.

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Com muito boa vontade, seria possível argumentar que R$ 5 bilhões representam pouco no Orçamento. A mais nova manobra, no entanto, é ainda mais indecorosa – na forma, no conteúdo e nos valores potencialmente envolvidos. Como revelou o jornal Folha de S.Paulo, o governo quer recorrer a uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para reclassificar os precatórios como despesa financeira. Dessa maneira, o pagamento de dívidas da União já reconhecidas pela Justiça ficaria fora dos limites do arcabouço e poderia ser feito sem comprometer a meta fiscal.

A medida distorce os conceitos mais básicos da contabilidade pública. Boa parte dos precatórios diz respeito a vencimentos de funcionários públicos e a benefícios da Previdência Social. Quase sempre, eles têm origem em uma perniciosa e contumaz prática da União, que se recusa a reconhecer esses passivos no momento em que deveria fazê-lo. Quando isso acontece, resta aos cidadãos afetados reivindicá-los pela via judicial, uma batalha que dura muitos anos.

Não há dúvida sobre o fato de que os precatórios são despesas primárias. Não se enquadram no conceito de despesas financeiras, que se referem ao pagamento de juros da dívida e ao resgate de títulos públicos. A única razão para classificar os precatórios nessa categoria é impedir que o pagamento deles consuma o espaço de outras despesas e gere mais um gigantesco déficit fiscal.

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O problema dos precatórios não é novo ou restrito ao governo atual. Negando a realidade, o então ministro da Economia Paulo Guedes optou por comparar seu comportamento ao de um meteoro. Adiar os pagamentos por quatro anos, por meio de um sublimite, não passou de calote para beneficiar Jair Bolsonaro no ano da eleição.

Não adiantou, mas o legado bolsonarista criou uma bola de neve de quase R$ 200 bilhões a ser quitada em 2027. O valor consumiria todo o espaço das despesas discricionárias e paralisaria a máquina pública, como mostram documentos oficiais elaborados por técnicos do governo. Como se vê, diferentemente dos corpos celestes, essas dívidas têm um comportamento bem previsível.

Para dar fim a esse escândalo, no entanto, o governo Lula quer engendrar outro que daria orgulho aos pais da contabilidade criativa: quitar todo o volume de dívidas represadas sem afetar o resultado fiscal. Ora, honrar os precatórios em dia não é boa intenção, mas obrigação de todo e qualquer governo. Se esse é o objetivo, que se tenha a coragem de fazê-lo como se deve, revendo o arcabouço, o espaço disponível para gastos e a própria meta fiscal. Seria uma demonstração de coerência, transparência e maturidade institucional – e de um compromisso fiscal real, não fantasioso.

A promessa de zerar o déficit primário em 2024 gerou desconfiança desde que foi anunciada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, no dia da apresentação do novo arcabouço, no fim do mês de março. Mais do que descrença nas administrações petistas, historicamente conhecidas pelo ímpeto por aumentar gastos e driblar limites, o que realmente pesou na avaliação dos especialistas em contas públicas foi o consistente desequilíbrio fiscal que o País apresenta há mais de dez anos.

O nível crescente de despesas obrigatórias, aliado à compreensível resistência do Legislativo em aumentar a carga tributária, criou um rombo orçamentário estrutural. Por óbvio, ele não seria facilmente revertido, nem mesmo por um governo realmente comprometido com a austeridade. Nas últimas semanas, no entanto, tem ficado mais claro como o governo pretende cumprir essa audaciosa meta fiscal: deturpando-a.

O primeiro indício dessa intenção foi a mensagem modificativa enviada ao projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) nos últimos dias. Nela o governo pede ao Congresso que autorize o desconto, para fins de apuração da meta fiscal, de um valor de até R$ 5 bilhões em despesas de estatais relacionadas ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). É a materialização de um entendimento que o presidente Lula da Silva manifesta há tantos anos: investimento não é gasto – só para ele, claro.

Com muito boa vontade, seria possível argumentar que R$ 5 bilhões representam pouco no Orçamento. A mais nova manobra, no entanto, é ainda mais indecorosa – na forma, no conteúdo e nos valores potencialmente envolvidos. Como revelou o jornal Folha de S.Paulo, o governo quer recorrer a uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para reclassificar os precatórios como despesa financeira. Dessa maneira, o pagamento de dívidas da União já reconhecidas pela Justiça ficaria fora dos limites do arcabouço e poderia ser feito sem comprometer a meta fiscal.

A medida distorce os conceitos mais básicos da contabilidade pública. Boa parte dos precatórios diz respeito a vencimentos de funcionários públicos e a benefícios da Previdência Social. Quase sempre, eles têm origem em uma perniciosa e contumaz prática da União, que se recusa a reconhecer esses passivos no momento em que deveria fazê-lo. Quando isso acontece, resta aos cidadãos afetados reivindicá-los pela via judicial, uma batalha que dura muitos anos.

Não há dúvida sobre o fato de que os precatórios são despesas primárias. Não se enquadram no conceito de despesas financeiras, que se referem ao pagamento de juros da dívida e ao resgate de títulos públicos. A única razão para classificar os precatórios nessa categoria é impedir que o pagamento deles consuma o espaço de outras despesas e gere mais um gigantesco déficit fiscal.

O problema dos precatórios não é novo ou restrito ao governo atual. Negando a realidade, o então ministro da Economia Paulo Guedes optou por comparar seu comportamento ao de um meteoro. Adiar os pagamentos por quatro anos, por meio de um sublimite, não passou de calote para beneficiar Jair Bolsonaro no ano da eleição.

Não adiantou, mas o legado bolsonarista criou uma bola de neve de quase R$ 200 bilhões a ser quitada em 2027. O valor consumiria todo o espaço das despesas discricionárias e paralisaria a máquina pública, como mostram documentos oficiais elaborados por técnicos do governo. Como se vê, diferentemente dos corpos celestes, essas dívidas têm um comportamento bem previsível.

Para dar fim a esse escândalo, no entanto, o governo Lula quer engendrar outro que daria orgulho aos pais da contabilidade criativa: quitar todo o volume de dívidas represadas sem afetar o resultado fiscal. Ora, honrar os precatórios em dia não é boa intenção, mas obrigação de todo e qualquer governo. Se esse é o objetivo, que se tenha a coragem de fazê-lo como se deve, revendo o arcabouço, o espaço disponível para gastos e a própria meta fiscal. Seria uma demonstração de coerência, transparência e maturidade institucional – e de um compromisso fiscal real, não fantasioso.

A promessa de zerar o déficit primário em 2024 gerou desconfiança desde que foi anunciada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, no dia da apresentação do novo arcabouço, no fim do mês de março. Mais do que descrença nas administrações petistas, historicamente conhecidas pelo ímpeto por aumentar gastos e driblar limites, o que realmente pesou na avaliação dos especialistas em contas públicas foi o consistente desequilíbrio fiscal que o País apresenta há mais de dez anos.

O nível crescente de despesas obrigatórias, aliado à compreensível resistência do Legislativo em aumentar a carga tributária, criou um rombo orçamentário estrutural. Por óbvio, ele não seria facilmente revertido, nem mesmo por um governo realmente comprometido com a austeridade. Nas últimas semanas, no entanto, tem ficado mais claro como o governo pretende cumprir essa audaciosa meta fiscal: deturpando-a.

O primeiro indício dessa intenção foi a mensagem modificativa enviada ao projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) nos últimos dias. Nela o governo pede ao Congresso que autorize o desconto, para fins de apuração da meta fiscal, de um valor de até R$ 5 bilhões em despesas de estatais relacionadas ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). É a materialização de um entendimento que o presidente Lula da Silva manifesta há tantos anos: investimento não é gasto – só para ele, claro.

Com muito boa vontade, seria possível argumentar que R$ 5 bilhões representam pouco no Orçamento. A mais nova manobra, no entanto, é ainda mais indecorosa – na forma, no conteúdo e nos valores potencialmente envolvidos. Como revelou o jornal Folha de S.Paulo, o governo quer recorrer a uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para reclassificar os precatórios como despesa financeira. Dessa maneira, o pagamento de dívidas da União já reconhecidas pela Justiça ficaria fora dos limites do arcabouço e poderia ser feito sem comprometer a meta fiscal.

A medida distorce os conceitos mais básicos da contabilidade pública. Boa parte dos precatórios diz respeito a vencimentos de funcionários públicos e a benefícios da Previdência Social. Quase sempre, eles têm origem em uma perniciosa e contumaz prática da União, que se recusa a reconhecer esses passivos no momento em que deveria fazê-lo. Quando isso acontece, resta aos cidadãos afetados reivindicá-los pela via judicial, uma batalha que dura muitos anos.

Não há dúvida sobre o fato de que os precatórios são despesas primárias. Não se enquadram no conceito de despesas financeiras, que se referem ao pagamento de juros da dívida e ao resgate de títulos públicos. A única razão para classificar os precatórios nessa categoria é impedir que o pagamento deles consuma o espaço de outras despesas e gere mais um gigantesco déficit fiscal.

O problema dos precatórios não é novo ou restrito ao governo atual. Negando a realidade, o então ministro da Economia Paulo Guedes optou por comparar seu comportamento ao de um meteoro. Adiar os pagamentos por quatro anos, por meio de um sublimite, não passou de calote para beneficiar Jair Bolsonaro no ano da eleição.

Não adiantou, mas o legado bolsonarista criou uma bola de neve de quase R$ 200 bilhões a ser quitada em 2027. O valor consumiria todo o espaço das despesas discricionárias e paralisaria a máquina pública, como mostram documentos oficiais elaborados por técnicos do governo. Como se vê, diferentemente dos corpos celestes, essas dívidas têm um comportamento bem previsível.

Para dar fim a esse escândalo, no entanto, o governo Lula quer engendrar outro que daria orgulho aos pais da contabilidade criativa: quitar todo o volume de dívidas represadas sem afetar o resultado fiscal. Ora, honrar os precatórios em dia não é boa intenção, mas obrigação de todo e qualquer governo. Se esse é o objetivo, que se tenha a coragem de fazê-lo como se deve, revendo o arcabouço, o espaço disponível para gastos e a própria meta fiscal. Seria uma demonstração de coerência, transparência e maturidade institucional – e de um compromisso fiscal real, não fantasioso.

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