O prefeito Fernando Haddad é mesmo incansável, não para atacar os muitos e graves problemas que São Paulo enfrenta, como seria de esperar porque é sua obrigação, mas quando se trata de lançar ideias e propostas tiradas de seu baú de hábil marqueteiro de si mesmo. Como parte da “revolução” na mobilidade urbana que estaria promovendo na capital, que só ele, seus áulicos e alguns deslumbrados enxergam, a rede de ciclovias deverá atingir 1,7 mil km até 2030, de acordo com os planos do atual governo, como mostrou reportagem do Estado.
Hoje há 381 km de ciclovias, dos quais 284 km foram implantados por Haddad, total que, se ele cumprir suas promessas, chegará a 400 km ainda neste ano. Faltará 1,3 mil km até aquela data para chegar ao mirabolante 1,7 mil km anunciado. O objetivo da proposta de multiplicar por quatro a atual rede nos próximos 14 anos – que felizmente não vai depender de Haddad, mas de seus sucessores – é fazer a ligação das regiões mais afastadas com o centro. Ela prevê, por exemplo, pista exclusivas para bicicletas na Avenida Teotônio Vilela, na zona sul, e em parte de Radial Leste, do Tatuapé ao Parque Dom Pedro.
Os comentários a respeito dessa proposta feitos por Daniel Guth, um dos dirigentes da Associação dos Ciclistas Urbanos de São Paulo e entusiasta da expansão das ciclovias, estão em sintonia com a falta de seriedade com que o governo Haddad trata essa questão. Primeiro, diz ele que há interesse e demanda na cidade por mais ciclovias. Onde estão os estudos em que se baseia para afirmar isso? Se eles existem, porque não são apontados e, em caso positivo, o que garante sua qualidade técnica?
É preciso reconhecer que o sr. Guth tem a atenuante de seguir o mau exemplo dado pelo atual governo municipal, que nunca apresentou à população qualquer justificativa técnica, de comprovada seriedade, para a rápida expansão daquelas vias exclusivas. Em vez de estudos sobre a demanda por esse tipo de transporte – indispensável, já que as ciclovias têm impacto não negligenciável sobre o sistema viário –, a Prefeitura se limitou a dizer, genericamente, que a oferta estimula a demanda.
O sr. Guth elabora também um estranho raciocínio para defender o 1,7 mil km de ciclovias: “São Paulo tem 17 mil km de vias. Pensar em 1,7 mil km de ciclovias é o mínimo. E não precisamos esperar até 2030 para isso”. Uma coisa nada tem a ver com a outra. A cidade poderia ter a metade de quilômetros de vias e precisar do dobro do que se pretende de ciclovias, ou o contrário disso. Não é a extensão de umas que determina a extensão das outras, mas, nos dois casos citados, a demanda devidamente comprovada.
As ciclovias podem, sim, desempenhar um papel no sistema de transporte. Mas antes de implantá-las é preciso saber, por meio de estudos técnicos, qual é exatamente esse papel e o que ele exige em termos de extensão e localização das vias. Nada disso foi feito. As ciclovias foram implantadas sem planejamento, em meio a um estardalhaço demagógico. Não foi por acaso que elas começaram na região central, em bairros de classe média, até chegar à Avenida Paulista, enquanto patinavam na periferia onde tudo indica que sua necessidade é maior.
Não admira também que, em consequência, a maioria das ciclovias do centro esteja quase sempre deserta. Que boa parte dos ciclistas continue preferindo as faixas dos carros e ônibus e as calçadas, e que a maioria deles se julgue uma classe privilegiada – anda com frequência na contramão, sem equipamentos de segurança e trata os pedestres com a grosseria e a agressividade que condenam nos motoristas de carro. E ai de quem ouse criticá-los.
Não é surpresa, nesse contexto, que um dos poucos itens realmente importantes do plano de mobilidade da Prefeitura – o dos corredores de ônibus – é um fracasso. Ficou muito longe da meta de 150 km fixada por Haddad, por causa de projetos mal feitos questionados pelo Tribunal de Contas do Município (TCM).