Há embustes ideológicos em coberturas e análises, quando não mero desconhecimento dos fatos e da História, ao nos debruçarmos sobre o significado de palavras como esquerda, extrema esquerda, direita e extrema direita (ou direita radical ou ultradireita como alguns preferem, na ausência de uma caracterização melhor). Mais precisamente, a extrema esquerda vem sendo vista como “democrática”, como se se confundisse com uma “social-democracia”, e a direita logo tida por “fascista”. A confusão é total, fazendo com que a luta política fique obscurecida, fortalecendo o totalitarismo e o autoritarismo, e enfraquecendo a democracia.
Tomemos, de início, o caso da França. Naquele país, criou-se uma “Nova Frente Popular” para combater a “extrema direita” e inviabilizá-la eleitoralmente. A esquerda reuniu socialistas, comunistas e, sobretudo, a extrema esquerda, dita “França Insubmissa”, liderada pelo notório Jean-Luc Mélenchon. Foi ela que conquistou o maior número de deputados. A “extrema direita”, capitaneada por Marine Le Pen, do “Reagrupamento Nacional”, seria, assim, considerada como “fascista”. Note-se o ardil no próprio nome: a extrema esquerda e seus aliados usurpam a “Frente Popular” de Léon Blum, um socialista, judeu, que foi primeiro-ministro da França um pouco antes da 2.ª Guerra e procurava evitar, aí sim, a ascensão da extrema direita.
A “França Insubmissa”, a vencedora, tem mais parlamentares do que os outros partidos da esquerda. Procura impor a sua agenda, seja indicando diretamente o primeiro-ministro, seja indiretamente por intermédio de um aliado. Ora, esse grupo é literalmente anticapitalista, com propostas que podem arruinar a economia francesa, defensor de reestatizações e de tributações que podem chegar a 100% para os mais ricos, e antissemita, defensor do Hamas. Seus apoiadores, por sua vez, querem jornadas cada vez menores de trabalho e aposentadorias mais precoces. Quem vai querer investir na França?
Qual foi o seu inimigo? A “extrema direita”, aproveitando-se de suas armas ideológicas para debilitar a república que diz sustentar. Ora, Marine Le Pen fez todo um trabalho de afastar o seu grupo das ideias de seu pai, Jean-Marie Le Pen, esse sim antissemita, negacionista do Holocausto, defensor do marechal Philippe Pétain, colaborador dos nazistas na dita “República de Vichy”, uma parte do território francês por ele controlada em acordo com os nazistas. O herói da 1.ª Guerra Mundial foi sentenciado à prisão perpétua após a 2.ª Guerra. O que fez a líder do Reagrupamento Nacional? Aproximou o seu partido de um ideário tradicional de direita, expulsou o seu pai do partido, tornou-se uma defensora de Israel e, last but not least, depositou flores no túmulo de Charles de Gaulle, esse sim um verdadeiro republicano e inimigo declarado de Pétain.
Aqui no Brasil, Lula da Silva e o PT terminaram também impondo o mesmo ardil ideológico na formação da “frente democrática” em sua luta contra o “bolsonarismo”, tido por “fascista”. Os incautos embarcaram nessa canoa furada. O Lula que emerge das eleições não era o do seu primeiro mandato, conciliador, propenso à união e conduzindo uma política econômica responsável, até diria “neoliberal”! Não. O novo presidente adotou uma ideologia cada vez mais esquerdista, governando, por assim dizer, para a sua própria bolha. A sua convicção democrática foi um mero jogo de cena. É bem verdade que respeita as instituições, não por uma adesão ao ideário democrático, mas porque sabe que não contaria com o apoio de uma sociedade conservadora, do Judiciário, da Câmara de Deputados e do Senado, onde o seu partido é claramente minoritário, do Exército, que não embarcaria numa tal aventura, e de grupos religiosos.
A sua convicção (anti)“democrática” transparece principalmente em sua visão das relações exteriores. Considera a Venezuela como uma “democracia”, submetida a uma feroz ditadura que assassina opositores, controla o processo eleitoral, afunda economicamente o país e generalizou a corrupção. O Poder Judiciário é, lá, completamente manietado e o Poder Legislativo, sufocado. Tudo em nome da luta contra o “imperialismo ianque”, do combate pelo “socialismo”. A invasão russa da Ucrânia, com bombardeios indiscriminados por todo aquele país, não é objeto de nenhuma condenação. O criminoso e a vítima são tidos por equivalentes. Eis sua suposta “neutralidade”. Neutralidade, aliás, totalmente perdida na guerra de Gaza, tendo Lula, de fato, se tornado um propagandista do Hamas.
Na eleição na cidade de São Paulo, observamos o mesmo viés esquerdizante, com Lula e o PT apoiando Guilherme Boulos, do PSOL, em sua suposta luta contra a direita apoiada por Jair Bolsonaro. O alinhamento entre esses dois partidos bem mostra esse viés do PT para a “extrema esquerda”, ao contrário do primeiro mandato de Lula, em que a sua tendência era moderada, em direção da social-democracia, apesar de vociferar contra ela.
A roupagem democrática é nada mais do que uma farsa!
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PROFESSOR DE FILOSOFIA NA UFRGS. E-MAIL: DENISROSENFIELD@TERRA.COM.BR