Professor de Filosofia na UFRGS, Denis Lerrer Rosenfield escreve quinzenalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|A guerra


Já ingressamos em uma era em que o Ocidente deverá recorrer ao uso da força na defesa de seus valores de liberdade e igualdade

Por Denis Lerrer Rosenfield

Se os filósofos sempre prezaram a racionalidade, chegando a formular a ideia de que o homem, por definição, seria um animal racional, a história da humanidade, porém, fez um contraponto: o da irracionalidade, se não o da maldade, da relação entre os homens e, mais especificamente, entre Estados. Intenções malignas, voltadas única e exclusivamente para destruição do outro, são apenas uma amostra disso. A violência, perseguida como um fim em si mesma, e não como um meio, continua povoando a História, apesar de tentativas de estabelecer a concórdia e o diálogo como vetores das relações intraestatais.

A cena histórica é frequentemente irracional. A relação entre Estados, enquanto unidades políticas, é regida por aquilo que filósofos como Thomas Hobbes, Jean-Jacques Rousseau e Friedrich Hegel consideravam como estado de natureza. Ou seja, ela seria regida por desejos de dominação e subjugação do outro. Os motivos podem ser variados, como prestígio, glória, ganhos econômicos e apropriação de territórios. Por sua vez, as relações internas aos Estados, individualmente considerados, nas experiências democráticas e constitucionais, vieram a se definir pelo império da lei, pelo livre jogo das instituições, pelas liberdades e pela economia de mercado.

Por um curto período, com a criação da Organização das Nações Unidas (ONU), pareceu estabelecer-se a ideia de que uma instituição supranacional poderia preencher a função da lei e de racionalidade nas relações internacionais. Mal que bem, conseguiu preencher algumas dessas funções enquanto as potências hegemônicas, EUA e União Soviética, foram capazes de firmar formas de convivência, principalmente de equilíbrio nuclear, com a ressalva de que esse último país tivesse reconhecida a sua dominação sobre os países da Europa Oriental. Se se insurgissem, a invasão militar comunista era a regra, como aconteceu na Hungria em 1956, na Checoslováquia em 1968 e na Polônia em 1981.

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Com a queda do Muro de Berlim e o desmoronamento da União Soviética, parecia enfim que o mundo da livre economia de mercado, através do primado do comércio internacional, iria reduzir as tensões entre os Estados. A guerra cessaria de ser um meio de resolver o combate pelos interesses econômicos. Voltar-se-ia para uma ideia elaborada pelo pensador francês Benjamin Constant. Ocorre, todavia, que a guerra tem outras razões, dentre as quais a dominação de outros Estados, a ocupação pura e simples de seu território, quando não a intenção física de aniquilação do adversário, tido por inimigo absoluto.

A Rússia invade a Ucrânia ao arrepio de qualquer lei internacional, por mais precária que seja a consideração de lei no sentido próprio, pela ausência de um poder coercitivo que a implemente e garanta. Interesse econômico propriamente dito não existia, haja vista as dificuldades que esse país enfrenta em seu cenário interno. Levou adiante o seu projeto tzarista e comunista de uma grande nação russa, portadora de uma ideia exclusiva e civilizatória, que deveria se impor, pela violência, aos povos eslavos e bálticos. Não contava com a resistência da Ucrânia, cujo povo e liderança reagiram com bravura e determinação. Contudo, em assim fazendo, a Rússia rompeu com o equilíbrio europeu vigente, fundado na inviolabilidade das fronteiras.

O Irã teocrático, graças ao apoio do ex-presidente Barack Obama e de seu acordo nuclear, teve recursos e mãos livres para estender os seus tentáculos sobre todo o Oriente Médio. Iraque, Síria, Líbano, por intermédio do Hezbollah, e Iêmen tornaram-se seus braços armados, instrumentos de sua dominação colonial. Leis internacionais não têm, para ele, nenhum valor salvo instrumental para justificar seus objetivos geopolíticos, centrados na eliminação do Estado de Israel. Paradoxalmente, tornou-se um membro proeminente da ONU, supostamente defensor dos “direitos humanos”, certamente segundo a moda xiita. Por si só, esse fato mostra a baixeza política e moral dessa organização internacional, afastada de seus ideais kantianos de fundação.

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O Hamas, talvez atualmente a forma mais pura do terror islâmico, vive no culto da morte, na disseminação do ódio, visando, também, à destruição do Estado de Israel. Usa do assassinato, do estupro, da tortura e da captura de reféns. Em vez de administrar o seu território, criando um Estado de bem-estar social, submete os palestinos à sua total dominação, utilizando-os como escudos humanos. E o mais surpreendente, com o apoio da ONU e de seu secretário-geral, António Guterres, vindo a ser um instrumento do terror islâmico e do Irã. Em sua boca, direitos humanos são palavras vazias.

É forçoso reconhecer que o mundo está entrando em uma condição de guerra, sendo necessário repensar esse processo em curso para enfrentá-lo, sem que daí se derive necessariamente uma terceira guerra mundial. Já ingressamos em uma era em que o Ocidente, particularmente a Europa, deverá recorrer ao uso da força na defesa de seus valores de liberdade e igualdade. Se não o fizer, por falta de vontade, sucumbirá.

*

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É PROFESSOR DE FILOSOFIA NA UFRGS. E-MAIL: DENISROSENFIELD@TERRA.COM.BR

Se os filósofos sempre prezaram a racionalidade, chegando a formular a ideia de que o homem, por definição, seria um animal racional, a história da humanidade, porém, fez um contraponto: o da irracionalidade, se não o da maldade, da relação entre os homens e, mais especificamente, entre Estados. Intenções malignas, voltadas única e exclusivamente para destruição do outro, são apenas uma amostra disso. A violência, perseguida como um fim em si mesma, e não como um meio, continua povoando a História, apesar de tentativas de estabelecer a concórdia e o diálogo como vetores das relações intraestatais.

A cena histórica é frequentemente irracional. A relação entre Estados, enquanto unidades políticas, é regida por aquilo que filósofos como Thomas Hobbes, Jean-Jacques Rousseau e Friedrich Hegel consideravam como estado de natureza. Ou seja, ela seria regida por desejos de dominação e subjugação do outro. Os motivos podem ser variados, como prestígio, glória, ganhos econômicos e apropriação de territórios. Por sua vez, as relações internas aos Estados, individualmente considerados, nas experiências democráticas e constitucionais, vieram a se definir pelo império da lei, pelo livre jogo das instituições, pelas liberdades e pela economia de mercado.

Por um curto período, com a criação da Organização das Nações Unidas (ONU), pareceu estabelecer-se a ideia de que uma instituição supranacional poderia preencher a função da lei e de racionalidade nas relações internacionais. Mal que bem, conseguiu preencher algumas dessas funções enquanto as potências hegemônicas, EUA e União Soviética, foram capazes de firmar formas de convivência, principalmente de equilíbrio nuclear, com a ressalva de que esse último país tivesse reconhecida a sua dominação sobre os países da Europa Oriental. Se se insurgissem, a invasão militar comunista era a regra, como aconteceu na Hungria em 1956, na Checoslováquia em 1968 e na Polônia em 1981.

Com a queda do Muro de Berlim e o desmoronamento da União Soviética, parecia enfim que o mundo da livre economia de mercado, através do primado do comércio internacional, iria reduzir as tensões entre os Estados. A guerra cessaria de ser um meio de resolver o combate pelos interesses econômicos. Voltar-se-ia para uma ideia elaborada pelo pensador francês Benjamin Constant. Ocorre, todavia, que a guerra tem outras razões, dentre as quais a dominação de outros Estados, a ocupação pura e simples de seu território, quando não a intenção física de aniquilação do adversário, tido por inimigo absoluto.

A Rússia invade a Ucrânia ao arrepio de qualquer lei internacional, por mais precária que seja a consideração de lei no sentido próprio, pela ausência de um poder coercitivo que a implemente e garanta. Interesse econômico propriamente dito não existia, haja vista as dificuldades que esse país enfrenta em seu cenário interno. Levou adiante o seu projeto tzarista e comunista de uma grande nação russa, portadora de uma ideia exclusiva e civilizatória, que deveria se impor, pela violência, aos povos eslavos e bálticos. Não contava com a resistência da Ucrânia, cujo povo e liderança reagiram com bravura e determinação. Contudo, em assim fazendo, a Rússia rompeu com o equilíbrio europeu vigente, fundado na inviolabilidade das fronteiras.

O Irã teocrático, graças ao apoio do ex-presidente Barack Obama e de seu acordo nuclear, teve recursos e mãos livres para estender os seus tentáculos sobre todo o Oriente Médio. Iraque, Síria, Líbano, por intermédio do Hezbollah, e Iêmen tornaram-se seus braços armados, instrumentos de sua dominação colonial. Leis internacionais não têm, para ele, nenhum valor salvo instrumental para justificar seus objetivos geopolíticos, centrados na eliminação do Estado de Israel. Paradoxalmente, tornou-se um membro proeminente da ONU, supostamente defensor dos “direitos humanos”, certamente segundo a moda xiita. Por si só, esse fato mostra a baixeza política e moral dessa organização internacional, afastada de seus ideais kantianos de fundação.

O Hamas, talvez atualmente a forma mais pura do terror islâmico, vive no culto da morte, na disseminação do ódio, visando, também, à destruição do Estado de Israel. Usa do assassinato, do estupro, da tortura e da captura de reféns. Em vez de administrar o seu território, criando um Estado de bem-estar social, submete os palestinos à sua total dominação, utilizando-os como escudos humanos. E o mais surpreendente, com o apoio da ONU e de seu secretário-geral, António Guterres, vindo a ser um instrumento do terror islâmico e do Irã. Em sua boca, direitos humanos são palavras vazias.

É forçoso reconhecer que o mundo está entrando em uma condição de guerra, sendo necessário repensar esse processo em curso para enfrentá-lo, sem que daí se derive necessariamente uma terceira guerra mundial. Já ingressamos em uma era em que o Ocidente, particularmente a Europa, deverá recorrer ao uso da força na defesa de seus valores de liberdade e igualdade. Se não o fizer, por falta de vontade, sucumbirá.

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É PROFESSOR DE FILOSOFIA NA UFRGS. E-MAIL: DENISROSENFIELD@TERRA.COM.BR

Se os filósofos sempre prezaram a racionalidade, chegando a formular a ideia de que o homem, por definição, seria um animal racional, a história da humanidade, porém, fez um contraponto: o da irracionalidade, se não o da maldade, da relação entre os homens e, mais especificamente, entre Estados. Intenções malignas, voltadas única e exclusivamente para destruição do outro, são apenas uma amostra disso. A violência, perseguida como um fim em si mesma, e não como um meio, continua povoando a História, apesar de tentativas de estabelecer a concórdia e o diálogo como vetores das relações intraestatais.

A cena histórica é frequentemente irracional. A relação entre Estados, enquanto unidades políticas, é regida por aquilo que filósofos como Thomas Hobbes, Jean-Jacques Rousseau e Friedrich Hegel consideravam como estado de natureza. Ou seja, ela seria regida por desejos de dominação e subjugação do outro. Os motivos podem ser variados, como prestígio, glória, ganhos econômicos e apropriação de territórios. Por sua vez, as relações internas aos Estados, individualmente considerados, nas experiências democráticas e constitucionais, vieram a se definir pelo império da lei, pelo livre jogo das instituições, pelas liberdades e pela economia de mercado.

Por um curto período, com a criação da Organização das Nações Unidas (ONU), pareceu estabelecer-se a ideia de que uma instituição supranacional poderia preencher a função da lei e de racionalidade nas relações internacionais. Mal que bem, conseguiu preencher algumas dessas funções enquanto as potências hegemônicas, EUA e União Soviética, foram capazes de firmar formas de convivência, principalmente de equilíbrio nuclear, com a ressalva de que esse último país tivesse reconhecida a sua dominação sobre os países da Europa Oriental. Se se insurgissem, a invasão militar comunista era a regra, como aconteceu na Hungria em 1956, na Checoslováquia em 1968 e na Polônia em 1981.

Com a queda do Muro de Berlim e o desmoronamento da União Soviética, parecia enfim que o mundo da livre economia de mercado, através do primado do comércio internacional, iria reduzir as tensões entre os Estados. A guerra cessaria de ser um meio de resolver o combate pelos interesses econômicos. Voltar-se-ia para uma ideia elaborada pelo pensador francês Benjamin Constant. Ocorre, todavia, que a guerra tem outras razões, dentre as quais a dominação de outros Estados, a ocupação pura e simples de seu território, quando não a intenção física de aniquilação do adversário, tido por inimigo absoluto.

A Rússia invade a Ucrânia ao arrepio de qualquer lei internacional, por mais precária que seja a consideração de lei no sentido próprio, pela ausência de um poder coercitivo que a implemente e garanta. Interesse econômico propriamente dito não existia, haja vista as dificuldades que esse país enfrenta em seu cenário interno. Levou adiante o seu projeto tzarista e comunista de uma grande nação russa, portadora de uma ideia exclusiva e civilizatória, que deveria se impor, pela violência, aos povos eslavos e bálticos. Não contava com a resistência da Ucrânia, cujo povo e liderança reagiram com bravura e determinação. Contudo, em assim fazendo, a Rússia rompeu com o equilíbrio europeu vigente, fundado na inviolabilidade das fronteiras.

O Irã teocrático, graças ao apoio do ex-presidente Barack Obama e de seu acordo nuclear, teve recursos e mãos livres para estender os seus tentáculos sobre todo o Oriente Médio. Iraque, Síria, Líbano, por intermédio do Hezbollah, e Iêmen tornaram-se seus braços armados, instrumentos de sua dominação colonial. Leis internacionais não têm, para ele, nenhum valor salvo instrumental para justificar seus objetivos geopolíticos, centrados na eliminação do Estado de Israel. Paradoxalmente, tornou-se um membro proeminente da ONU, supostamente defensor dos “direitos humanos”, certamente segundo a moda xiita. Por si só, esse fato mostra a baixeza política e moral dessa organização internacional, afastada de seus ideais kantianos de fundação.

O Hamas, talvez atualmente a forma mais pura do terror islâmico, vive no culto da morte, na disseminação do ódio, visando, também, à destruição do Estado de Israel. Usa do assassinato, do estupro, da tortura e da captura de reféns. Em vez de administrar o seu território, criando um Estado de bem-estar social, submete os palestinos à sua total dominação, utilizando-os como escudos humanos. E o mais surpreendente, com o apoio da ONU e de seu secretário-geral, António Guterres, vindo a ser um instrumento do terror islâmico e do Irã. Em sua boca, direitos humanos são palavras vazias.

É forçoso reconhecer que o mundo está entrando em uma condição de guerra, sendo necessário repensar esse processo em curso para enfrentá-lo, sem que daí se derive necessariamente uma terceira guerra mundial. Já ingressamos em uma era em que o Ocidente, particularmente a Europa, deverá recorrer ao uso da força na defesa de seus valores de liberdade e igualdade. Se não o fizer, por falta de vontade, sucumbirá.

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É PROFESSOR DE FILOSOFIA NA UFRGS. E-MAIL: DENISROSENFIELD@TERRA.COM.BR

Opinião por Denis Lerrer Rosenfield

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