Lula da Silva nem bem ouve a palavra mercado que já imediatamente tem uma reação alérgica, cujos sintomas mais evidentes são uma verborreia incontida sobre as forças oposicionistas capitaneadas pelo que compreende ser esse tal mercado. Isso se qualquer compreensão é possível, salvo se considerarmos um esquerdismo anticapitalista dos mais rudimentares, no que é seguido pelo seu próprio partido. É como se fosse o novo líder, a ser reconhecido, de um novo movimento global, cujas ideias atrasadas levaram aos desastres comunistas do século 20. O atraso aparece com a roupagem do progresso. Progressistas são, nesse sentido, regressistas.
Dentre suas manifestações, encontra-se o tratamento do mercado como se fosse uma pessoa, de postura oposicionista. Seriam interlocutores de mesma estatura e de personalidade, embora contrárias. Ora, o mercado não é evidentemente uma pessoa, visto ser constituído por um enorme conjunto de forças que, segundo suas próprias regras, configuram um país e, mais especificamente, todo o mundo. Um movimento mais brusco em um país importante reverbera em vários outros em níveis diferentes de intensidade. Mesmo um produto qualquer, tênis ou avião, faz com que intervenham empresas de diferentes países comercializando diretamente entre si. Agora, em uma economia digital, esse processo ganha ainda maior amplitude. Ninguém pode controlar o mercado, inclusive aqueles que tiverem postura messiânica, revolucionária ou megalomaníaca.
Logo, quando Lula vocifera contra o mercado, ele o faz contra um conjunto de regras. Ele interfere nessas regras, produzindo disfuncionamentos e reações dos mais diferentes tipos. Ao atacar o câmbio ou os juros, por exemplo, ele termina aumentando-os, ao contrário do que procura transmitir em suas palavras. Na verdade, termina prejudicando os pobres que pretende defender. Se guardasse suas palavras para si, em um prudente silêncio, contribuiria para a queda do dólar ou dos juros, produzindo segurança jurídica. Gritando produz o efeito contrário. E aí não há antialérgico que produza efeitos. Jair Bolsonaro, por não saber guardar silêncio, perdeu-se em sua verborragia contra a vacina na pandemia, defendendo fórmulas mágicas, sem nenhuma comprovação científica. Lula segue pelo mesmo caminho em seu esquerdismo infantil.
Ainda em sua tentativa de personificação, vem a considerar o “mercado” como se fosse a “Faria Lima” e, logo, os seus banqueiros, sua encarnação. Entendendo-se com eles, estaria em paz com o mercado. Ora, ora! A economia é muito maior do que o seu setor de finanças, configurando apenas um grupo de bancos que atuam politicamente, aliás, como o fazem outros grupos empresariais, cooperativas e sindicatos de trabalhadores. Todos eles, no entanto, para sobreviver, devem seguir regras de mercado, sem cuja observância teríamos a completa desorganização econômica, com crise institucional podendo resultar em violência.
Acontece, contudo, que o próprio presidente procura favorecer grupos empresariais amigos, os “escolhidos”, algo que caracteriza suas diferentes gestões, embora anteriormente fosse mais contido e cauteloso. Sempre teve e tem os seus capitalistas do coração! Os seus “burgueses”! Os banqueiros sempre foram muito bem atendidos, apesar de algumas escaramuças. Briga entre amigos. O mesmo vale para outros grandes grupos empresariais, alguns envolvidos na corrupção tão bem revelada nas operações e nos julgamentos da Lava Jato. Eis o porquê da tentativa atual de apagar o passado e desqualificar juízes, desembargadores e promotores que procuraram limpar tão comprometedor cenário. Trata-se de refazer a história, algo próprio dos regimes comunistas. Leon Trotsky chegou a ser apagado de uma fotografia em que aparecia junto a Lenin como um grande líder revolucionário!
Politicamente, isso se traduz por um capitalismo de compadrio, em que os “compadres”, espécie de companheiros, são líderes empresariais assim beneficiados. Beneficiados com subsídios, isenções tributárias, fechamento de fronteiras para produtos de menor valor e maior qualidade e assim por diante. Ocorre aqui uma interferência notável nos próprios mecanismos de mercado, passando a operar não na equidade entre os atores, mas em sua desigualdade. Uns ganham e outros perdem. O mercado é, por assim dizer, “falsificado”. Lula e o PT terminam por impor o “seu” mercado, o do compadrio.
Quem paga por tudo isso? O pagador de impostos. O governo faz valer suas políticas com o dinheiro alheio, como se o Estado fosse o produtor de riqueza, quando é nada mais do que um distribuidor. Quando se coloca na posição de empreendedor, o resultado é bem conhecido: ineficiência, gastos inúteis, politização e corrupção dessas empresas. O pagador de impostos nada ganha com isso, sendo um mero perdedor. E o que procura o atual governo? Somente arrecadar mais, aproveitando-se para isso de uma reforma tributária, aliás, sob outros aspectos necessária.
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PROFESSOR DE FILOSOFIA NA UFRGS. E-MAIL: DENISROSENFIELD@TERRA.COM.BR